Direito à Intimidade das Mulheres em Planos de Saúde

Houve no decurso da semana próxima passada uma ampla divulgação levada a efeito pela Folha de São Paulo, que teria denunciado que alguns planos de saúde estariam exigindo uma autorização do marido para a colocação de DIU (dispositivo intrauterino) em mulheres casadas. Segundo as sobreditas reportagens o Procon-SP estaria notificando vários planos de saúde a fim de que manifestem se há, de fato, essa prática abusiva.

Segundo a mídia 11 planos de saúde teriam sido notificados, e agora as seguradoras ou planos de saúde têm um prazo exíguo para explicarem qual o procedimento utilizado por elas/eles. De acordo com o órgão fiscalizador acima referenciado haverá penalidades a todas as empresas de saúde, que exigirem autorização do marido para o uso do método contraceptivo. Esse consentimento do cônjuge varão estaria condicionado ao reembolso das despesas das mulheres casadas por parte desses órgãos que prestam assistência à saúde aos seus associados.

Um dos princípios nucleares dos Direitos e Garantias Fundamentais está expressamente previsto no artigo 5º de nossa Constituição Federal que preconiza a igualdade de todos perante a lei e, precipuamente, no tema em pauta consta no inciso I deste dispositivo constitucional de que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

O direito fundamental, diz Leonardo Martins, à igualdade entre homem e mulher tem por conteúdo, em síntese, o direito de resistência (Abwehrrecht) contra tratamentos desiguais perpetrados pelos destinatários da norma, quais sejam, todos os órgãos dos três poderes estatais. (In. J.J. Gomes Canotilho e outros Autores. Comentários à Constituição do Brasil. Editora Saraiva e outras, 2013, página 239).

Com coro neste enfoque a grande especialista na área, Maria Berenice Dias, desabafou:

Limitações que não estão na lei acabam sendo impostas às mulheres com acentuada conotação discriminatória, pois não são exigidas dos homens. (Manual de Direito das Famílias. Revista dos Tribunais, 11ª Edição. 2016, página 112).

De outro giro, o direito à privacidade é solapado diante de um ato no qual é exigido a participação de uma outra pessoa, embora possa ser diretamente interessado – o marido – ao se exigir sua plena anuência a um ato no qual só a mulher sofre em seu organismo com o implante de um mecanismo que inibe à fecundação de um outro ser. Aliás, procedimento adotado que muitas vezes está em perfeita sintonia com a vontade dos casais em não quererem procriar.

Não se questiona aqui o desacerto ou não de tais procedimentos ou medidas acautelatórias à constituição da família, lato senso.

O que se brada e acredito que a ampla maioria dos usuários destes serviços à saúde querem é que sua proteção não seja acasalada com atos abusivos e atentatórios à dignidade da pessoa humana com exigências descabidas na qual uma só, vale dizer, a mulher deve escolher o que pretende em seu benefício.

Vale registrar o que já disse outrora mestre Pontes de Miranda:

Quanto ao poder marital ou patriarcal, constitui evolução subsumida na diminuição progressiva do elemento despótico a atenuação dos poderes do marido, no sentido de perfeita simetrização entre direitos e deveres maritais e direitos e deveres uxórios, dos poderes dos pais, aliás também da mãe, no tocante aos filhos. (Tratado de Direito Privado. Volume 7. Editor Borsoi. Rio de Janeiro, 1971, página 182).

A incapacidade da mulher casada abordada por Clóvis Bevilaqua em sua obra Direito de Família nos idos de 1895, já registravam sua ascensão ao patamar constitucional de hoje, quando prelecionou:

Que o futuro trará modificações razoáveis a esse regime de caturrice, estou convencido, sem aliás pensar numa emancipação incompatível com o recato e os melindres próprios do sexo feminino. (Obra citada. Livraria Editora Freitas Bastos. Rio de Janeiro. 1933, página 165).

Frente a estes ligeiros apanhados, que a história constata no Direito de Família, é chegado o momento de finalização destes comentários, estimados leitores e caras leitoras, de que, atualmente, independentemente da plena autonomia do sexo feminino registrou, a seu tempo, a escritora Ucraniana, Clarisse Lispector, de que uma mulher fértil era tão vulnerável, sua fragilidade vinha de que ela era fecunda. (A transcendental visão do quotidiano –Dicionário. Grupo Zaffari, 2016, página 194).

Fértil, ou não, a verdade é que o princípio da autonomia da vontade da mulher se sobrepõe a todos os interesses que não digam respeito à sua individualidade.

É o que penso.

Porto Alegre, 08/08/2021

Voltaire Marensi

Advogado e Professor