Medidas Pontuais no Seguro de Responsabilidade Civil

Tenho enfatizado à exaustão em minhas crônicas a necessidade imperiosa de se implementar um conteúdo material bem mais abrangente no que tange ao que está previsto em uma área do Direito que cresce significativamente e se diversifica a cada dia em nosso ciclo existencial.

Refiro-me ao que está dito no caput do artigo 787 de nosso Código Civil, único dispositivo isolado que cuida do instituto do Seguro de Responsabilidade Civil no qual “o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”.

A pergunta que faço é a seguinte: Só isso basta para a relevância de um tema de alto significado para a ordem jurídica?

Já doutrinavam Mazeaud e Tunc, autores franceses de nomeada, que pelo seguro de responsabilidade civil o autor da culpa reforça, pelo contrário, sua responsabilidade: em lugar de livrar-se de sua obrigação, a sustenta pela obrigação do segurador. O dano causado à vítima será reparado com maior seguridade porquanto o responsável está segurado. (Tradução livre. Autores citados. Responsabilidade Civil, 3 – II. Ediciones Jurídicas Europa-América. Buenos Aires, 1963, página 2).

Ainda assim, é suficiente o que grassa em nosso ordenamento jurídico com determinadas normas pontuais visando atender e suprir novos riscos em sede de Seguro de Responsabilidade Civil?

Existe uma obra que trata da Responsabilidade Civil e de Novos Riscos em que figuram como Coordenadores Nelson Rosenvald, Rafael de Freitas Valle Dresch e Tula Wesendonck. Editora Foco, 2019.

Como está afixado em sua apresentação a obra coletiva “Responsabilidade Civil – Novos Riscos” é fruto de uma iniciativa do IBERC Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – no sentido de disseminar os estudos dessa relevante disciplina, que transcende os confins do direito privado, dialogando com todos os setores do ordenamento jurídico. (Obra citada, item III).

O fato é que propriamente o instituto do Seguro de Responsabilidade Civil não consta como um dos temas a ser explorado em uma obra de enorme nomeada de seus articulistas.

Frente a esses novos desafios o douto jurista Sergio Cavalieri Filho, em uma de suas obras, concluiu sua introdução “com a profética visão do grande Josserand, que continua atual:

A responsabilidade civil continuará dominando todo o direito das obrigações, toda a vida em sociedade. É e será a grande sentinela do direito civil mundial. Sua história é a estória do triunfo da jurisprudência e também da doutrina; e, mais geralmente, o triunfo do espírito e do senso jurídico”. (Programa de Responsabilidade Civil, 15ª edição. Editora Atlas, 2022, página 10).

Neste sentido, é extremamente louvável, sob o manto da criação de novos riscos securitários, o que está contido no PL 1.665/2020 aprovado pelo Plenário do Senado, no final da semana passada, que trata de medidas de criação moderna desse tipo securitário, objetivando à proteção social e a saúde para entregadores de aplicativo, enquanto durar a emergência de saúde pública, decorrente da pandemia de Covid – 19. O relator foi o senador Randolfe Rodrigues. Noticia também a mídia que a matéria segue para sanção presidencial.

Em sua Justificativa o sobredito PL, contendo onze artigos, afirma pretender o enfrentamento de uma injustiça social determinando e impondo às empresas de plataformas de aplicativos o seguro de responsabilidade civil, assegurando aos entregadores condições mínimas de trabalho durante o período de pandemia, que, infelizmente, ainda estamos vivenciando em nosso dia a dia.

Pois bem. O seu artigo 3º diz:

“ A empresa de aplicativo de entrega deve contratar em benefício do entregador a ela vinculado seguro contra acidentes e por doença contagiosa”.

De outro giro, existe no mercado segurador apólices de seguros de RC Empregador, que no olhar atento de Walter Antonio Polido, eminente doutrinador nessa seara securitária, assevera que “algumas questões intrincadas que cobre a responsabilidade civil da empresa segurada por danos corporais sofridos por seus empregados poderá ser difícil atribuir responsabilidade civil de fato aos empregadores, na hipótese de os empregados sofrerem danos no âmbito de suas residências com cobertura de riscos de morte e invalidez permanente de empregados durante o desempenho de suas funções laborais. As seguradoras, por sua vez, deverão estar abertas para análise de situações pontuais fora do padrão já conhecido”. (Revista Apólice. Novembro de 2021, página 32). Sublinhei.

O que se verifica de positivo, na prática, é que os leques de coberturas de novos riscos insertos no seguro de responsabilidade civil estão sendo criados através de leis ordinárias e não por intermédio de normas que são de cunho estritamente regulamentares que, via de regra, ultrapassam barreiras constitucionais, como tenho dito amiúde em meus comentários no site do Segs , assim como no Blog da Paixão Editores, este último, aliás, de meus queridos e estimados amigos gaúchos.

Só assim iremos colmatar dispositivos que isolados não cumprem seu verdadeiro papel na sociedade hodierna.

Como ressaltou mestre Pontes de Miranda em seu monumental Tratado de Direito Privado “na complexidade da vida contemporânea, cada pessoa está exposta a riscos e a ser responsabilizada por atos seus ou das pessoas cujos atos lhe determinem a responsabilidade. Tanto se pode segurar o risco de se ser ofendido como o risco de se ofender”. (Obra citada, volume 46. Editor Borsoi, 1964, páginas 47/48).

Neste diapasão, todos juntos, seguradoras, segurados e entes autorizados constitucionalmente a criar dispositivos legais pertinentes à temática envolvida nestes comentários, assegurarão à nossa sociedade um futuro mais equânime, igualitário e participativo em prol de um progresso, no engenho jurídico do instituto do Seguro de Responsabilidade Civil, prevendo a glória e o triunfo do espírito e do senso jurídico, plagiando, se me permitam, caros leitores e estimadas leitoras, um dos corifeus franceses acima nominado, destacado, aqui, para ressaltar o grau de magnitude que permeia esse instituto criado para ser reconstruído sempre que o evolver de novos acontecimentos repercutam no Direito.

Porto Alegre, 12 de dezembro de 2021.

Voltaire Marensi
Advogado e Professor