A Indenização por Perda Total do Bem

A polêmica envolvendo a indenização por perda total do bem segurado, não é de hoje.

No recurso especial nº 1.955.422/PR, hoje publicado, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, vencido o Ministro Raul Araújo, a Quarta Turma do STJ, entendeu por maioria, o retorno dos autos a origem para que seja apurado o prejuízo decorrente da perda total do bem imóvel no momento da ocorrência do sinistro, a fim de fixar o valor a ser pago a título de indenização securitária.[1]

A justificativa seria de que o valor securitário deve corresponder ao valor do efetivo prejuízo experimentado no momento do sinistro, observando-se o valor máximo previsto na apólice do seguro de dano, nos termos dos artigos 778 e 781 do Código Civil.[2]

O voto divergente guarda o seguinte teor:

Peço vênia ao eminente Relator e nego provimento ao recurso especial. Porque, se houve perda total e havia um valor máximo previsto na apólice para cobertura daquele bem – presumo que seja diante da perda total, não era outra coisa, era só isso –, então, o único evento risco que estava coberto pelo valor máximo da apólice seria a perda total daquele bem. E, no caso, houve a perda total do imóvel e de seu conteúdo.

Penso, assim, que deve ser pago o valor máximo da apólice em caso de perda total. Não um valor superior ao previsto na apólice, claro, não é isso.

Aplico o art. 781 do Código Civil, que diz:

“A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador.[3]

Nos casos de indenizações de perda total de veículos automotores, já dizia eu, ao comentar o artigo 781 do Código Civil, as seguradoras introduziram o chamado valor de mercado, sempre abaixo do valor constante na apólice pela desvalorização com o uso do bem. Embora tivessem recebido o prêmio pelo valor determinado, pagavam indenização abaixo do que constava na apólice.[4]

Neste pensar entendia de acordo com o voto vencido da lavra do Ministro Raul Araújo que é no sentido do que está vazado no sobredito artigo do atual Código Civil.

Significa dizer que se faço um seguro de dano pelo valor de R$10.000,00, mas, na data do sinistro ele estiver valendo R$ 8.000,00, receberei a indenização com 20% de desvalorização. Ao contrário, se – na data do sinistro – o bem estiver valendo R$12.000,00, receberei apenas R$10.000,00, porque a indenização não pode ultrapassar o limite máximo da garantia fixada na apólice. O dispositivo confrontar-se-ia diretamente com os princípios protetivos das relações de consumo, especialmente o equilíbrio recíproco entre as prestações e a vedação do enriquecimento sem causa, já que o prêmio foi pago em relação ao limite máximo da garantia fixada na apólice (indenização total).[5]

Acredito que o voto-vencido guarda a mesma sintonia com o que expressei alhures, quando obtempera:

Significa que o bem segurado valia R$700.000,00 quando da contratação. Mas, no momento do sinistro, apesar da inflação que há no Brasil, o valor do bem diminuiu? É isso?

Sabemos que os valores não decrescem. Não se compra hoje uma casa por setecentos mil reais e amanhã, a mesma casa, por cento e vinte e cinco mil! Ao contrário, os preços, os valores vão sempre crescendo. Temos uma economia inflacionária.

Apenas se a perda, decorrente do sinistro coberto na apólice, fosse parcial, o dispositivo legal ensejaria maior espaço para o debate, inclusive nos termos da solução que adota o eminente Relator.[6]

Na linha do voto vencido é que me posiciono.

A aplicação da cláusula de rateio se dá com o risco relativo, ou seja, quando a situação do bem segurado não sofreu dano total, ou integral.

A indenização deve obedecer ao valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice.[7]

Essa é dicção da lei, s.m.j.

Porto Alegre, 01/08/2022

Voltaire Marensi

Advogado e Professor

[1] Ementa do Recurso Especial acima citado, item 2.
[2] Peça referenciada.
[3] Excerto do voto vencido.
[4] Voltaire Marensi. O Contrato de Seguro à Luz do Novo Código Civil. 3ª Edição. Thomson/Iob, página 49.
[5] Bis in idem.
[6] Parte final do voto vencido.
[7] In fine, artigo 781 do Código Civil.