Suicídio Assistido

A imprensa está divulgando que um dos principais galãs do cinema mundial, Alain Delon teria voltado aos noticiários após seu filho revelar que o ex-astro solicitou ajuda para realizar suicídio assistido. O ator, aos 86 anos, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em 2019, e desde então, menciona a possibilidade de recorrer ao procedimento na Suíça, onde reside atualmente e a eutanásia é permitida.

De outro giro, não foram poucos os jornais europeus a afirmar que na Suíça a eutanásia era legal, o que seria falso. Neste país, não é crime a assistência ao suicídio gozando de ampla aceitação entre a população. Destarte, quando se trata de suicídio assistido, a Suíça é um dos países mais progressistas do mundo. (Swissinfo.ch).

Ainda segundo a reportagem em pauta, para a professora Samia Hurst-Majno, da Universidade de Genebra, “os casos de suicídio assistido continuam a ser raros, mesmo na Suíça. Mas, segundo a especialista muitas pessoas se tranquilizam de saber que poderiam fazê-lo, mesmo que nunca realmente concretizem. (Fonte supra citada).

Sabe-se, por outro lado, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já teria se declarado contrário a esse método por falta de uma base jurídica mais consistente.

Em Portugal a Lei nº 25/2016, de 16 de julho, instituiu o Testamento Vital, que regula as diretivas antecipadas de vontade.

Naquele diploma legal no artigo 13º, que trata dos efeitos da representação está dito:

  1. As decisões tomadas pelo procurador de cuidados de saúde, dentro dos limites dos poderes representativos que lhe competem, devem ser respeitados pelos profissionais que prestam cuidados de saúde ao outorgante, nos termos da presente lei.
  2. Em caso de conflito entre as disposições formuladas no documento de diretivas antecipadas de vontade e a vontade do procurador de cuidados de saúde, prevalece a vontade do outorgante expressa naquele documento.

Em síntese apertada: prevalece o princípio da autonomia da vontade do indivíduo, no direito português, quando se trata da disposição de seu próprio corpo.

Já na legislação brasileira, especificamente nas disposições insertas no artigo 13º – incrível coincidência numérica – o nosso Código Civil, preceitua:

  • “ Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”.

Será que o ato voluntário de uma pessoa em sua perfeita razão de decidir pode alterar os bons costumes?

No Brasil, ensinam Gabriella Sousa Da Silva Barbosa e Federico Losurdo, o atual Código Penal não tipifica a prática da eutanásia, alocando a conduta no art. 121, §1º, homicídio privilegiado. A “morte piedosa” começa a ser tratada pelas legislações e jurisprudência estrangeiras sem que o debate atinja maior destaque nos âmbitos legislativo e judiciário brasileiro. Entre a garantia da dignidade da pessoa humana, art. 1º, III/CF-88, e a proteção à vida, art. 5º, caput/CF-88, há uma nítida colisão de princípios. Tendo-se por base o direito comparado e por pano de fundo o julgamento da ADI 3.510 pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro e do Projeto de Lei nº 236/12 – Novo Código Penal -, o qual tipifica a prática da eutanásia, analisa-se a possibilidade de não imputação de pena ao agente da eutanásia frente à interpretação constitucional. (Scielo Brasil. Eutanásia no Brasil: entre o Código penal e a dignidade da pessoa humana).

A eutanásia direta, entendida como uma ação ou omissão que, em si ou em sua intenção, gera a morte a fim de suprimir a dor, constitui um assassinato, gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. É moralmente inadmissível. Catecismo da Igreja Católica, nº 2277. (Eutanásia, qualidade de vida e saúde. Dalton Luiz de Paula Ramos. Núcleo Fé e Cultura. Pucsp.br).

Saltando esse olhar sob o ponto de vista do que preconiza a Igreja Católica Apostólica Romana e os diversos textos legais direcionados no sentido de abrandar o sofrimento do ser humano se pode, até num gesto de suprema audácia, constatar que os nossos Tribunais Superiores dão guarida até o ato suicida, em sentido lato, fazendo com que as Companhias Seguradoras arquem com o valor previsto na apólice de seguro vida, ou acidentes pessoais, à família dos segurados que se suicidam no decorrer do contrato de seguro. Basta haver um lapso temporal de dois anos entre a contratação do seguro e o sinistro, vale dizer, o evento morte.

Neste sentido, uma simples leitura da atual súmula 620 do STJ e a exegese dos artigos 797 e 798 do nosso Código Civil arrematam o que acabo de salientar no tema proposto à epígrafe.

Pois bem. Deixo à reflexão de nossas estimadas leitoras e caros leitores um tema árduo, mas que deve ser examinado com a cautela que o tempo permite, notadamente ainda com maior ponderação e com a máxima atenção a matéria ora suscitada.

A uma, porque a vida pelo progresso da medicina posterga o tempo de sobrevida. A duas, basicamente, porque mesmo com dor e sofrimento da família do doente temos, em um futuro breve, de encarar o que cada dia se apresenta mais comum e constante no mundo moderno.

A todos dedico uma merecida e valiosa atenção ao que se traçou nestes breves comentários.

Porto Alegre, 29/03/2022.

Voltaire Marensi
Advogado e Professor