Para STJ, cabe rescisória para adequar ação encerrada a jurisprudência posterior

Por Danilo Vital – Conjur 09/02/2023

É possível usar ação rescisória para desconstituir o resultado de processo já encerrado quando, posteriormente, houver a mudança e a consolidação de posição em sentido oposto ao que foi decidido.
Com esse entendimento e por maioria de votos, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça admitiu, nesta quarta-feira (8/2), que a Fazenda Nacional use ação rescisória para desconstituir acórdão que lhe foi desfavorável, em um caso tributário.

É a primeira vez que o colegiado admite essa posição. A inovação tem impacto muito positivo para a Fazenda Nacional, que agora vislumbra a possibilidade de anular derrotas pontuais em ações coletivas, que podem ser executadas por diversas pessoas e com amplo impacto econômico.

O resultado quanto ao cabimento da rescisória foi de 4 votos a 3. A tese inovadora foi proposta pelo ministro Gurgel de Faria, relator da ação, e encampada pelo revisor, ministro Francisco Falcão. Também votaram com eles os ministros Herman Benjamin e Benedito Gonçalves.

Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Mauro Campbell, para quem a rescisória deve permanecer incabível nessa hipótese. Ele foi acompanhado pelas ministras Assusete Magalhães e Regina Helena Costa.

O que está em discussão

O caso concreto aborda o pagamento de IPI pelas empresas que fazem a revenda de produtos importados. Há aí a possibilidade de uma dupla tributação, já que o imposto também é pago no momento do desembaraço aduaneiro.

Historicamente, o STJ sempre entendeu que as empresas que revendem esses produtos também deveriam recolher o IPI. Em 2014, no entanto, mudou de posição no julgamento do EREsp 1.411.749 e passou a dispensar o recolhimento do tributo no momento da revenda.

Esse entendimento durou apenas um ano. Em 2015, a 1ª Seção julgou o tema em recursos repetitivos e voltou a autorizar a cobrança do IPI tanto no desembaraço quanto na revenda. Essa interpretação foi, inclusive, referendada pelo Supremo Tribunal Federal em 2020.

Com isso, os contribuintes que obtiveram decisões favoráveis entre 2014 e 2015 se viram na confortável posição de pedir a restituição dos valores irregularmente recolhidos a título de IPI ou a compensação do indébito pela Fazenda Nacional.

Desde então, a Fazenda ajuizou 27 ações rescisórias tentando derrubar algumas dessas decisões, sempre sem sucesso. O STJ vinha aplicando a Súmula 343 do STF, que veta esse tipo de ação por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se basear em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

A ação rescisória colocada em julgamento na 1ª Seção buscou desconstituir o acórdão da 2ª Turma do STJ no REsp 1.427.246, em que foi mantida decisão favorável em ação ajuizada pelo Sindicato das Empresas de Comércio Exterior do Estado de Santa Catarina.

Por ser uma ação coletiva, ela estava sendo executada por diversos contribuintes. Segundo a Fazenda, os cumprimentos de sentenças geraram seis pedidos de expedição de precatórios que, juntos, superam a marca de R$ 3,6 milhões.

Nova posição

Relator, o ministro Gurgel de Faria propôs mudar a jurisprudência da 1ª Seção por entender que há risco de prejuízos aos princípios da livre iniciativa e concorrência, além de ofensa à isonomia em relação aos demais contribuintes.

Isso porque apenas aqueles que obtiveram decisões favoráveis entre 2014 e 2015 estariam isentos de recolher o IPI no momento da revenda, o que os coloca em vantagem em relação aos demais.

Como se trata de relação tributária de trato sucessivo — ou seja, que se renova mês a mês, com efeitos permanentes —, não é adequado que a posição esteja em desconformidade com precedentes vinculantes firmados em momento posterior à coisa julgada.

O voto ainda propôs uma modulação: que a decisão rescindenda tenha sua eficácia preservada até a data da publicação do RE 946.648, o processo em que o STF firmou tese pela constitucionalidade da cobrança de IPI também na revenda de importados.

Voto vencido

Para o ministro Gurgel de Faria, a nova posição do STJ dialoga com a votação encerrada também nesta quarta-feira no STF que permitiu o cancelamento de decisões definitivas a partir da mudança de entendimento da corte em questões tributárias.

O Supremo, em suma, decidiu que, se um contribuinte foi autorizado pela Justiça a deixar de pagar um imposto, mas, tempos depois, o tribunal entender que a cobrança é devida, ele perderá o direito e deverá fazer o pagamento. Assim, a Fazenda não precisará usar ação rescisória.

Para a divergência aberta pelo ministro Mauro Campbell Marques, a posição do STF tem efeito oposto: ela não trata do cabimento da rescisória e justamente afasta o que ele chama de odiosa discriminação entre os contribuintes que tiveram contra si o ajuizamento de rescisórias pela Fazenda e aqueles que ainda não foram alvo.

Em sua visão, a superação da Súmula 343 do STF não trará isonomia. A coisa julgada obtida por alguns em ações individuais ainda valeria, e os que optaram por aguardar o trâmite da ação do sindicato agora se veriam prejudicados. Logo, haveria uma fragilização das ações coletivas.

AR 6.015