A Solidariedade e a Ausência de Comunicação nos Seguros

Voltaire Marensi

Advogado e Professor

 

Nos contratos de seguro de um modo geral, a solidariedade e a ausência de comunicação prévia do segurado em relação ao atraso no pagamento do prêmio, aparentemente não guardam qualquer relação no que tange à indenização devida pela seguradora, ou operadora, ou intermediária (administradora) de planos de saúde.

Todavia, estimados leitores e leitoras, penso que este tema está interligado no que concerne ao pagamento da indenização em sede de seguro, ou do tratamento do beneficiário em planos de saúde estipulados entre as partes contratantes.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento a um recurso especial sob número 1.836.912 – DJe de 12/11-2020 – ajuizado por uma administradora de beneficiários, condenada solidariamente com uma empresa operadorano sentido de manter um plano de saúde de um beneficiário que se encontrava bastante doente, quando houve o cancelamento desse contrato.

A ministra relatora Fátima Nancy Andrighi, sustentou em seu douto voto que se cuidaria de “uma relação jurídica multifacetada, na medida em que envolve uma cadeia de fornecedores ligados à prestação de serviços”.

Ademais, segundo ela, com espeque em lições de Nelson Rosenvald existindo “vários fornecedores que conjugam esforços para conjuntamente, com maior competitividade e menor margem de risco, oferecer produtos e serviços aos consumidores com a existência conexa de contratos em torno de um interesse sistemático”, há, sim, solidariedade.

Pois bem. Quando o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 616 – Dje 28.05.2018, foi dito:

“ A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”.

Assim, quando da edição desse enunciado acima exposto, me insurgi em artigo doutrinário (As Recentes Súmulas do STJ e Ligeiro Apanhado do PLCnº29/2017), objeto de um dos temas de meu livro digital. Paixão Editores.

Disse alhures, que se “o segurado não pagou o prêmio no tempo aprazado e se a seguradora não comunicou o segurado em relação a esse atraso, tal circunstância não convalida uma falta no que se convencionou chamar de um dever de notificação, em uma penalidade que lhe importe em condenação, até porque para que ocorra tal fato é imprescindível que o pagamento do prêmio seja prestado”.

Justifiquei tal entendimento com arrimo no Decreto-Lei nº72/2008 (Lei de Seguros de Portugal, bem como em disposições insertas nos §§ 6º e 7º, respectivamente, do Código de Seguros Alemão e a própria norma prevista no artigo L-112-2 do Código de Seguros da França.

Nesta toada, entendo que se a indenização securitária deva ser paga mesmo que não ocorra o pagamento do prêmio, data vênia, teoricamente impensável, o que se dirá quando no decurso de um contrato de plano de saúde a Administradora e a Operadora do Plano promovem o cancelamento do contrato?

Nesta última questão é crível e totalmente aceitável que o beneficiário daquele plano não tenha seu direito cerceado de receber o tratamento adequado em razão de um ato unilateral praticado por um dos contratantes.

Cuida-se de uma razão bem mais plausível e juridicamente correta já que se existe a possibilidade de receber a indenização sem o prêmio pago –, embora ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio -, no cancelamento do contrato quer de seguro, ou plano de saúde, há um obstáculo intransponível que não permite que o consumidor cumpra com seu dever para daí obter o pagamento do que fora avençado contratualmente.

Em síntese: Aplica-se, a meu sentir, a antiga máxima de que “ineo quod plus est semperinest et minus (quem pode o mais, pode o menos).

Enfim, eis duas questões que no fundo aparentemente díspares guardam similitude quanto ao fato de coexistir, em ambas, a situação real de que o pagamento do contratado deverá ser aceito em face de decisões oriundas do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, aliás, última palavra em matéria infraconstitucional.