Nota sobre o julgamento da Revisão da Vida Toda no STF
Desdobramentos do evento processual em 08.03.2022
PROF. DR. FERNANDO RUBIN
O tema do julgamento em plenário virtual pelo STF voltou à pauta jurídica, processual e previdenciária, com o desenrolar da votação da denominada tese da “Revisão da Vida Toda” (Tema 1102 do STF), quando colocado o tema em votação nesta modalidade.
O Relator Min. Marco Aurélio proferiu seu voto favorável aos segurados da Previdência Social, sendo publicados na sequencia os votos dos demais membros do Pretório Excelso, com fixação, ao final e ao cabo, do placar de 6×5. O último voto registrado foi o do Min. Alexandre de Moraes, desempatando a disputa, seguindo o voto do Relator em 25 de fevereiro de 2022. Nada obstante, estando ainda em aberto o plenário virtual e faltando exatamente 29 minutos para o encerramento da sessão eletrônica assíncrona em 08 de março do corrente, foi identificado pedido de destaque realizado pelo Ministro Nunes Marques, que havia já votado, liderando a divergência ao voto do Ministro Relator.
A presente manifestação tem por objeto identificar se o ato processual realizado pelo Min. Nunes Marques gera efeitos jurídico-processuais, a ponto de determinar que a votação tenha prosseguimento para nova deliberação e formação de maioria sobre a tese.
Voltando às origens do Plenário Virtual, a partir da Resolução Nº 642, DE 14 DE JUNHO DE 2019 (com as alterações promovidas pelas Resoluções 669, de 19 de março de 2020, e 675, de 22 de abril de 2020; e que dispõe sobre o julgamento de processos em lista nas sessões presenciais e virtuais do Supremo Tribunal Federal), colaciona-se a redação do art. 4º, o qual textualmente registra o seguinte: “Não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de destaque feito: (NR) I – por qualquer ministro; (NR) II – por qualquer das partes, desde que requerido até 48 (quarenta e oito) horas antes do início da sessão e deferido pelo relator; (NR) § 1º Nos casos previstos neste artigo, o relator retirará o processo da pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado competente para julgamento presencial, com publicação de nova pauta. (NR) § 2º Nos casos de destaques, previstos neste artigo, o julgamento será reiniciado. (NR)”.
A partir da leitura do dispositivo e levando também em conta os princípios consagrados do processo da segurança jurídica e da preclusão, parece-nos que há arbitrariedade na tomada de postura do Ministro que liderou a divergência na matéria. Ocorre que tendo já proferido voto, poderia utilizar o seu prazo regulamentar para eventualmente alterá-lo, mas não para pedir destaque, já que tal medida tão só se mostra lógica em momento de debate que antecede a publicação do voto propriamente dito. Mais: uma correta leitura da lógica do sistema, como posto, é o de impedir que questões fundamentais de ordem constitucional sejam julgadas em ambiente virtual, facilitando o debate em ambiente democrático presencial. Assim, se o Min. Nunes Marques sentiu-se seguro a ponto de apontar voto em ambiente virtual, estaria preclusa a sua possibilidade de requerer a abertura de destaque em momento ulterior. Trata-se de típica hipótese de PRECLUSÃO CONSUMATIVA, de que a doutrina do processo há muito defende e aplica.
A denominada preclusão consumativa se origina do fato de já ter sido praticado um ato processual, não importando se com total êxito ou não, descabendo a possibilidade de, em momento ulterior, tornar a realizá-lo, emendá-lo ou reduzi-lo dentro do processo.
A preclusão consumativa vincula, sem dúvida, e de maneira frequente no processo, tanto as partes como o julgador, sendo unânime a posição de que é aqui que o termo preclusão pro judicato (rectius: preclusão para o juiz ou preclusão judicial) alcança seu mais amplo espaço.
No que toca à preclusão consumativa para o magistrado, resta deduzido que tendo emitido pronunciamento através do qual julgou alguma questão, está exaurido seu poder de voltar ao assunto.
Teresa Arruda Alvim Wambier esclarece: “há preclusão para pretensa nova prática do mesmo ato e também de outro incompatível com o que foi praticado”. [1] Na mesma direção, pondera Arruda Alvim: “A preclusão lógica, rigorosamente, é também consumativa. Vale dizer, a circunstância de a prática de um ato processual se ter verificado envolve consumação. Tal consumação (no contexto da preclusão lógica) quer dizer que o mesmo ato não pode ser repetido e que, ainda, outro ato ou outros atos que pudessem ter sido praticados, no lugar daqueles, não mais poderão ser praticados”. [2]
Então temos aqui esse cenário que visualiza preclusão consumativa e mesmo lógica, ao passo que não há fundamento técnico que autorize o pedido de destaque, de quem já votou, a partir das razões sobreditas.
Nessa quadra surge o questionamento de qual seria a utilidade de um pedido de destaque, se todos os votos já foram proferidos, tendo sido formada maioria a favor de uma tese, tendo os julgadores entendido que seria sim possível o encaminhamento de votação pelo ambiente virtual – inclusive o Ministro que solicitou o destaque.
Evidentemente que a ratio da questão envolve a aplicação do macro princípio processual da segurança jurídica, no seu contexto de previsibilidade e da própria imparcialidade que se exige do julgador da causa, independente da instância jurisdicional que atue [3].
À luz de tais ponderações, pode-se chegar às seguintes CONCLUSÕES:
– O pedido de destaque, retirando o processo do ambiente virtual para o ambiente presencial, é ato processual lícito e legítimo para maior deliberação da matéria pelo Ministro julgador junto aos seus pares, devendo ser adotada a medida necessariamente antes de ser proferido voto.
– O único Ministro que poderia, in casu, solicitar o aludido destaque seria o Min. Alexandre de Moraes antes de publicar o seu voto, em 25 de fevereiro de 2022.
– A partir do momento em que publicado o voto, é possível dentro do plenário virtual do STF ser modificado o voto, por quaisquer dos Ministros, dentro do prazo regimental em que o plenário permanece aberto, mas não é mais permitida processualmente a utilização do destaque, em razão de preclusão lógica e consumativa.
– Autorizar que seja realizado destaque por Ministro que já proferiu voto, e ainda minutos antes do encerramento do prazo regimental de funcionamento do plenário virtual do STF, desvirtua a lógica do sistema e permite tal manobra que não se guarde conexão com a lícita e legítima formação originária de maioria no Colegiado, ferindo o macro princípio processual da segurança jurídica.
Entendemos, portanto, que não deve surtir efeito jurídico-processual algum o pedido de destaque deduzido, devendo o Presidente do Supremo Tribunal Federal examinar a questão, exatamente como sugere o Art. 8º do Regulamento (“O Presidente do Tribunal decidirá sobre os casos omissos”), decidindo pela confirmação da votação colegiada proferida em plenário virtual dentro do prazo regimental fechado em 08.03.2022.
[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo regime do agravo. 2ª ed. São Paulo: RT, 1996, p. 304.
[2] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. Vol. 1. 6ª ed. São Paulo: RT, 1997, p. 466.
[3] RUBIN, Fernando. A preclusão na dinâmica do processo civil. São Paulo: Atlas, 2ª Ed. 2014. Capítulos finais.