Norma Aplicável no Teletrabalho: Lei 14.442/2022

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor Universitário. Advogado.

 

A Lei 14.442, de 2 de setembro de 2022, publicada no Diário Oficial da União de 05.09.2022, alterou diversas previsões da CLT sobre teletrabalho ou trabalho remoto. Trata-se de diploma legal que tem origem na Medida Provisória 1.108/2022.

Pode-se dizer que o trabalho a distância é gênero, tendo como espécie o teletrabalho. Nesse contexto, o trabalho em domicílio, de certa forma, também seria uma modalidade de trabalho a distância. O teletrabalho, como modalidade especial, diferencia-se da figura mais genérica do trabalho a distância, em razão da utilização de recursos eletrônicos, de informática e de comunicação.

Confirmando o exposto, não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego (art. 6º da CLT, com redação dada pela Lei 12.551/2011). Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio (art. 6º, parágrafo único, da CLT, incluído pela Lei 12.551/2011).

No caso do teletrabalho, em razão das peculiaridades quanto à forma da prestação do serviço pelo empregado e do exercício do poder de direção pelo empregador, a subordinação pode ser decorrente de meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, os quais são equiparados aos tradicionais meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. O poder de controle do empregador, assim, pode ser exercido por meio de recursos da telefonia e da informática, em especial com a utilização da internet.

Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo (art. 75-B da CLT, com redação dada pela Lei 14.442/2022).

Sendo assim, inclui-se no conceito de teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços pelo empregado de forma híbrida ou mista, isto é, dentro e fora das dependências do empregador, sem que se exija a preponderância desta última situação.

O comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto (art. 75-B, § 1º, da CLT, incluído pela Lei 14.442/2022).

Aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e nos acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado (art. 75-B, § 7º, da CLT, incluído pela Lei 14.442/2022).

Logo, seguindo o critério da territorialidade, devem ser aplicadas, em princípio, as normas legais do local da prestação do serviço e as normas coletivas que incidem na localidade do estabelecimento em que o empregado em regime de teletrabalho está lotado, ou seja, vinculado. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado para o exercício de atividade econômica ou social do empregador (art. 51, § 2º, do Decreto 9.579/2018 e art. 1.142 do Código Civil).

Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da Lei 7.064/1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes (art. 75-B, § 8º, da CLT, incluído pela Lei 14.442/2022).

Quanto a essa ressalva final, entende-se que a estipulação pelas partes da legislação aplicável, com fundamento na autonomia da vontade, apenas deve prevalecer se mais benéfica ao empregado, em consonância com o princípio da norma mais favorável, inerente ao Direito do Trabalho, que decorre do princípio da proteção (art. 7º, caput, da Constituição Federal de 1988). Logo, mesmo na hipótese indicada, não se admite que as partes do contrato de trabalho afastem a incidência de normas cogentes que regulam a relação de emprego, as quais limitam o exercício da autonomia privada individual (art. 444, caput, da CLT).

A Lei 7.064/1982, por sua vez, regula a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior (art. 1º da Lei 7.064/1982, com redação dada pela Lei 11.962/2009)[1].

Para os efeitos da Lei 7.064/1982, considera-se transferido: o empregado removido para o exterior, cujo contrato estava sendo executado no território brasileiro; o empregado cedido à empresa sediada no estrangeiro, para trabalhar no exterior, desde que mantido o vínculo trabalhista com o empregador brasileiro; o empregado contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior (art. 2º da Lei 7.064/1982).

A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido deve assegurar-lhe, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços: I – os direitos previstos na Lei 7.064/1982; II – a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto na Lei 7.064/1982, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria (art. 3º da Lei 7.064/1982). Respeitadas as disposições especiais da Lei 7.064/1982, deve-se aplicar a legislação brasileira sobre Previdência Social, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e Programa de Integração Social (PIS/PASEP)[2].

A contratação de trabalhador, por empresa estrangeira, para trabalhar no exterior está condicionada à prévia autorização do Ministério do Trabalho (art. 12 da Lei 7.064/1982). Nos termos do art. 14 da Lei 7.064/1982, sem prejuízo da aplicação das leis do país da prestação dos serviços, no que respeita a direitos, vantagens e garantias trabalhistas e previdenciárias, a empresa estrangeira deve assegurar ao trabalhador os direitos a ele conferidos nos arts. 12 a 20 da Lei 7.064/1982.

A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deve constar expressamente do instrumento de contrato individual de trabalho (art. 75-C da CLT, com redação dada pela Lei 14.442/2022).

O empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes (art. 75-C, § 3º, da CLT, incluído pela Lei 14.442/2022).

Portanto, conforme a ressalva indicada, no exercício do autonomia da vontade, as partes do contrato de trabalho podem estipular, de forma mais benéfica ao empregado, que o empregador será responsável pelas despesas decorrentes do retorno ao trabalho presencial, caso o empregado tenha optado pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora do local previsto no contrato. Além disso, entende-se que o empregador será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, se o empregado realizou o teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato por exigência ou determinação do empregador.

Os empregadores devem dar prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto (art. 75-F da CLT, incluído pela Lei 14.442/2022).

Essa preferência tem como fundamento a situação específica dos mencionados empregados, tendo em vista que no teletrabalho ou trabalho remoto evita-se a necessidade de deslocamentos mais frequentes para as dependências do empregador.

Ainda nesse contexto, na alocação de vagas para as atividades que possam ser efetuadas por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância, nos termos do Capítulo II-A do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 75-A a 75-F), os empregadores devem conferir prioridade: I – às empregadas e aos empregados com filho, enteado ou criança sob guarda judicial com até seis anos de idade; II – às empregadas e aos empregados com filho, enteado ou pessoa sob guarda judicial com deficiência, sem limite de idade (art. 7º da Lei 14.457/2022).

Trata-se de medida de apoio à parentalidade por meio da flexibilização do regime de trabalho. Para os efeitos da Lei 14.457/2022, parentalidade é o vínculo socioafetivo maternal, paternal ou qualquer outro que resulte na assunção legal do papel de realizar as atividades parentais, de forma compartilhada entre os responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças e dos adolescentes, nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)[3].

Em conclusão, apesar de certas inovações quanto ao teletrabalho, observam-se aspectos que ainda necessitam de aperfeiçoamentos, com destaque à disciplina mais adequada da norma territorial a ser aplicada para regular o contrato de trabalho.

 

_______________________________

[1] Fica excluído do regime da Lei 7.064/1982 o empregado designado para prestar serviços de natureza transitória, por período não superior a 90 dias, desde que: a) tenha ciência expressa dessa transitoriedade; b) receba, além da passagem de ida e volta, diárias durante o período de trabalho no exterior, as quais, seja qual for o respectivo valor, não terão natureza salarial (art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.064/1982).

[2] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. p. 616-622.

[3] A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos na Lei 8.069/1990 (art. 22, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente).