STF e o Dever de Revelação

OLAVO AUGUSTO VIANNA ALVES FERREIRA

Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP, Procurador do Estado de São Paulo, Professor de Direito, Autor de livros sobre Arbitragem e Direito Constitucional

 

A comunidade jurídica foi surpreendida com a propositura da ADPFnº 1050, posteriormente convertida em ADI pelo Relator no STF, visando, em síntese, à declaração dos critérios constitucionais para o exercício do dever de revelação pelos árbitros, previsto no art. 14, da Lei de Arbitragem, acrescentando: i) que não há taxatividade no rol de impedimentos e suspeições do CPC quanto à necessidade de revelação; ii) a inaplicabilidade das diretrizes da IBA sobre conflito de interesses; iii) a inexistência de preclusão e decadência para arguição da falta  de independência e imparcialidade do árbitro perante o Judiciário; iii) que é cabível a interpretação conforme à Constituição do citado artigo, viabilizando parâmetros do exercício do dever de revelação a ser definidos pelo STF; e iv) a suspensão dos efeitos das decisões judiciais contrárias à futura decisão do STF.

Com toda a vênia, o pedido deduzido na ação em tela parece absurdo, já que veiculado em ação de controle abstrato de constitucionalidade para tutela de matéria infraconstitucional, qual seja, a Lei de Arbitragem, afigurando-se uma tentativa de retorno à representação interpretativa de lei federal (EC 7/77, art. 9º), que não existe mais no ordenamento jurídico constitucional, já que abolida pela Constituição de 1988.

Quanto ao mérito, melhor sorte não assiste ao autor da referida pretensão.

É pacífico que não há taxatividade das situações passíveis de revelação pelo árbitro, já que o rol de impedimento e suspeição, previsto no CPC é exemplificativo para os árbitros e taxativo para os juízes, conforme a jurisprudência.

Por outro lado, atese de inaplicabilidade das diretrizes da IBA sobre conflito de interesses transformará a arbitragem brasileira em uma ilha isolada e desastrosa. As diretrizes da International Bar Association (IBA),desde o início, em 2004, gozaram de ampla aceitação da comunidade arbitral internacional e são muito utilizadas pelos Tribunais e árbitros no mundo inteiro, e restaram atualizadas em 2014, após diversas consultas públicas, reuniões com árbitros e advogados, recebendo sugestões de diversas Instituições, representando um trabalho intenso e permanente de mais de vinte anos. As diretrizes em comento nunca pretendem ser exaustivas, nem poderiam sê-lo, conforme alertado em seu texto, eis que a realidade é mais rica que qualquer norma ou teoria.

Houve, inclusive aplicação das diretrizes da IBA pelo Tribunal de Justiça de SP (Ap. 1076161.2017 e Ap. 1116375-63.2020).

Os recentes casos decididos pelos Tribunais. no sentido da violação do dever de revelação. são escassos e comportam grande polêmica, o que é natural, diante da subjetividade existente na interpretação de cada caso concreto.

Impossível diante da infinita gama de relações jurídicas entre particulares, sejam definidas previamente todas as situações passíveis de revelação pelo árbitro, o que engessaria o modelo existente, cuja abertura beneficia o exercício do dever de revelação, que não pode ser banalizado, sob pena de eternização do litígio arbitral e inexistência de critério razoável para a sua definição, que deve ser adstritoa fatos ou situações que possam comprometer sua atuação como julgador naquele caso, aplicável durante todo o procedimento arbitral.

Em poucas palavras, as diretrizes são exemplificativas, fruto de lento e grande debate e ampla contribuição da comunidade jurídica internacional, desfrutando de prestígio até pelo Judiciário.

O pleito da definição da inexistência de preclusão e decadência para arguir a falta de independência e imparcialidade do árbitro perante o Judiciário rompe com o princípio da segurança jurídica, fundamento para a coisa julgada e demais preclusões, e enseja eternização dos litígios, inexistente no ordenamento jurídico pátrio para qualquer espécie jurisdição, portanto, absurdo.

Da mesma forma gera perplexidade a interpretação conforme à Constituição do artigo 14 da Lei de Arbitragem, viabilizando parâmetros do exercício do dever de revelação a ser definidos pelo STF, já que o sentido da norma é unívoco, o que afasta a aplicação deste instrumento, conforme já decidiu o STF (ADI-MC 1.344).

Mais uma negativa de vigência ao princípio da segurança jurídica quanto ao pedido de suspensão dos efeitos das decisões judiciais contrárias à futura decisão do STF, uma vez que traria efeito rescisório, do qual a decisão no controle abstrato não é dotada.

Enfim, o pleito deduzido ao Pretório Excelso não encontra apoio na doutrina arbitral e rompe com os fundamentos acima externados.

A consequência do acolhimento do pleito, em tela, será o prejuízo maior será para a própria Arbitragem, como instituição, acarretando a migração das arbitragens do Brasil para o exterior.

Não se pode negar que nos últimos anos temos verificado um aumento do número de membros das listas referenciais de árbitros por parte de todas as Câmaras, viabilizando uma maior opção para nomeação pelas partes.

A comunidade arbitral tem promovido diversos cursos e eventos (presenciais e on-line), debatendo todas essas questões e outras, mantendo sempre uma avaliação crítica da sua própria conduta, visando ao aperfeiçoamento da teoria e da prática, a reforçar a inadequação da ação em comento.