Responsabilidade Civil da Imprensa no Brasil

Por Gisele Leite

Professora universitária há três décadas; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas; Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional;
Vinte e nove obras jurídicas publicadas; Articulistas dos sites JURID, Lex Magister; Portal Investidura, Letras Jurídicas; Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil; Pedagoga; Conselheira da Revista de Direito Civil e Processual, Revista
de Direito Prática Previdenciária e Revista de Direito Trabalho e Processo, da Paixão Editores – POA – RS.

Resumo:

STF decidiu que a imprensa poderá ser punida por entrevistas com indícios de falsidade. Nesse momento, debate-se se há ofensa à liberdade de imprensa ou a liberdade de expressão. A decisão ainda poderá ser revista. O STF decidiu por 9 (nove) votos a 2 (dois) que empresas jornalísticas de qualquer natureza podem ser responsabilizadas, na Justiça, por injúria, difamação ou calúnia por declarações falsas feitas por entrevistados.

Palavras-chave: Liberdade de Imprensa. Liberdade de expressão. Direito Fundamental. Responsabilidade Civil. Responsabilidade Penal.

 

O atual presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a única possibilidade de punir veículos de comunicação por falas ou afirmações de entrevistados é quando houver má-fé.

Afinal no amplo espectro da liberdade de expressão é punível a veiculação de má-fé por intencionalidade e, ainda por prejudicar com negligência na apuração da verdade.

Recentemente, a Suprema Corte brasileira aprovou tese contendo regras para que veículos de comunicação sejam responsabilizados civilmente por declarações de entrevistados em reportagens jornalísticas[1].

A empresa jornalística poderá ser responsabilizada quando houver  publicação de entrevista em que o entrevistado acusar falsamente  outra pessoa sobre a prática de um crime se:

“à época da divulgação da entrevista, havia “indícios concretos” da falsidade da imputação; o veículo deixou de observar o “dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e  na divulgação da existência de tais indícios”.

Os ministros, enfim, definiram que a “regra geral” é que o veículo não é responsável pela  declaração que for dada por um entrevistado, “a menos que tenha havido uma grosseira negligência”  sobre a apuração de um “fato que fosse de conhecimento público”.

“Se uma pessoa foi absolvida, faz parte do dever de cuidado do jornalista dizer que a pessoa foi absolvida”,  afirmou o ministro. “Não há nenhuma restrição à liberdade de expressão, não há censura prévia”.

A tese em repercussão geral aprovada foi a seguinte:

“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade,  vedada qualquer espécie de censura prévia, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização,  inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas,  e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível  por intromissões ilícitas externas”.

“Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se:  (1) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação;  e (2) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”. (Processo relacionado: RE 1075412)

Preocupa-me os casos de entrevistas ao vivo, quando nem a imprensa, nem o jornalista poderá prever, com segurança, o que será dito. Caberá ao entrevistador advertir o entrevistado, caso ocorra excessos ou apenas sincericídio.

Tanto a liberdade de imprensa como a liberdade de expressão são consideradas como direitos fundamentais e garantidas pelo artigo 5º da vigente Constituição Federal brasileira. Porém, há algumas distinções a serem observadas.

É sabido que a liberdade de imprensa decorre do direito de informação. O que possibilita ao cidadão ter ou criar acesso as diversas fontes de dados, tais como notícias, jornais, sem a interferência do Estado. A liberdade de imprensa descreve como liberdade de publicação e circulação de jornais ou meios similares, dentro do território nacional.

Já a liberdade de expressão está relacionada ao direito de manifestação do pensamento, possibilidade da pessoa emitir suas opiniões e ideias ou expressar atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, sem interferência ou eventual retaliação do governo.

O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define esse direito como  a liberdade de emitir opiniões[2], ter acesso e transmitir informações e ideias,  por qualquer meio de comunicação.

Importa ressaltar que o exercício de ambas as liberdades não é ilimitado.  Todo abuso e excesso, especialmente quando verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido conforme a legislação civil e penal.

A nossa Constituição Federal de 1988 explicitou a liberdade de informação no art. 5º, incisos IV (liberdade de pensamento); IX (liberdade de expressão) e XIV (acesso à informação) e no art. 220, § 1º (liberdade de informação propriamente dita).

Em 30 de maio de 2009 foi revogada pelo STF a Lei de Imprensa criada em 1967[3]. Respeitados os limites impostos pela Constituição, as formas de comunicação não sofrerão restrições quanto ao processo ou veículo de divulgação. Igualmente,  nenhuma lei pode constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística.

É o que dispõe o art. 220, caput e §1º, da Lei Fundamental.  Afinal, é o povo quem tem o direito a consumir informação independente e  qualificada de diversas fontes, a fim de que possa exercer seu exame sobre a vida pública.  A liberdade de imprensa é apenas um meio para que isso ocorra.

Toda pessoa tem um direito individual a colocar diante do público suas opiniões, porém,  se publicar ou veicular algo que é impróprio, malicioso ou ilegal, deve assumir a consequência de sua própria temeridade. Nenhum direito é absoluto, por mais fundamental que seja.  Assim, as informações, opiniões e críticas jornalísticas encontram limitações para o seu exercício.

Frise-se, novamente que a liberdade de expressão não é irrestrita[4]. Tal como a liberdade de imprensa, compartilha a vedação do anonimato e a garantia do direito de resposta e da reparação pelo dano à imagem, ao nome ou à honra, de forma proporcional. A fundamentação jurídica é o mesmo artigo 5º, incisos IV e V, da CF/1988.

São estas, a saber: a vedação do anonimato; a preservação dos direitos de personalidade, entre os quais se incluem a honra, a imagem, a privacidade e a intimidade;  a garantia do direito de resposta e reparação;  a vedação de veiculação da crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa.  o compromisso ético com a informação verossímil[5].

Extraem-se três deveres internos à liberdade de imprensa: o dever de cuidado, o dever de pertinência pública e o dever de  veracidade. Ultrapassada as limitações ou violados os deveres, haverá ato ilícito, com a consequente reparação no caso de dano.

Segundo a CNN Brasil, o STF está disposto a rever pontos que pune a imprensa por declarações de entrevistados. Alguns renomados juristas afirmam que a decisão da Suprema Corte representa uma flexibilização da liberdade de imprensa, porque deixa a critério do juiz a determinação de condições para haver publicação de uma entrevista, verificando-se se foram ou não cumpridas.

Advirto que nenhuma liberdade seja a de expressão ou a de imprensa é infinita e incontida. Toda vez que usa a liberdade ferir a órbita jurídica de outrem dará azo a responsabilização, uma vez preenchidos todos os requisitos previsto em lei.

Uma fonte do STF, segundo a CNN Brasil, frisa que o acórdão da decisão, que vai ser escrito pelo Ministro Edson Fachin, só deve ficar pronto perto do dia 10 de março. Depois haverá tempo para os recursos. A expectativa é de que a decisão só entrará em vigor em meados do ano que vem, antes das eleições municipais.

 

 

Referências

ANGELO, Tiago. STF define tese que admite responsabilização de jornal por fala de entrevistado. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-nov-29/stf-define-tese-que-admite-responsabilizacao-de-jornal-por-fala-de-entrevistado/ Acesso em 2.12.2023.

BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro:  exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5ª. ed., rev. e atual. São  Paulo: Saraiva, 2011.

CNN Brasil. STF está disposto a rever pontos que pune imprensa por declarações de entrevistados, dizem fontes. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-esta-disposto-a-rever-pontos-que-pune-imprensa-por-declaracoes-de-entrevistados-dizem-fontes/ Acesso em 2.12.2023.

CNN Brasil STF é um dos “principais guardiões” da imprensa e assegura liberdade de expressão, diz Barroso. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-e-um-dos-principais-guardioes-da-imprensa-e-assegura-liberdade-de-expressao-diz-barroso/ Acesso em 2.12.2023.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade:  estudos de direito constitucional. 4ª. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

MÜLLER, Friedrich. A Positividade dos Direitos Fundamentais. (German) Perfect Paperback, 1990.

MUNIZ, Raiany. Conflito Entre a Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/conflito-entre-a-liberdade-de-imprensa-e-os-direitos-da-personalidade/1260442111 Acesso em 2.12.2023.

STF. Brasil. STF fixa critérios para responsabilizar empresas jornalísticas por divulgação de acusações falsas. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=520962&ori=1 Acesso em 2.12.2023

TÔRRES, Fernanda Carolina. O direito fundamental à liberdade de expressão e sua extensão. Disponível em:  https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/200/ril_v50_n200_p61.pdf/@@download/file/ril_v50_n200_p61.pdf Acesso em 2.11.2023.

 

_______________________________________

[1] Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu as condições em que as empresas jornalísticas estão sujeitas à responsabilização civil, ou seja, ao pagamento de indenização, se publicarem entrevista na qual o entrevistado atribua falsamente a outra pessoa a prática de um crime.

[2] Há de se atentar para a dicotomia de fato e opinião. Pois, a discriminação entre fato e opinião é que uma é absoluta e outra relativa, ou seja, uma não pode sofrer alterações, mas a outra está sujeita a mudanças. O fato, para ser verdadeiro, não se submete ao crivo da sociedade,  pois não possui vertentes relativas, diferentemente da opinião, que é um direito derivado de cláusula pétrea e pode ser afrontado. Diferentemente da opinião, que apesar de existir a possibilidade de seu emissor sofrer responsabilidade civil e ainda passível de direito  de resposta da vítima da opinião sendo proporcional ao agravo, ainda assim o seu exercício é constitucional, e apesar de que seja feita de  modo a violar o direito à honra de outro.

[3] A Lei 5.250/1967 foi assinada pelo ex-presidente Castelo Branco meses depois da outorga da Constituição de 1967, quando o endurecimento do regime militar se iniciava.  Com o objetivo de controlar informações, de acordo com as previsões da norma, jornalistas e veículos de comunicação poderiam ser detidos ou multados caso publicassem algo que ofendesse a “moral e os bons costumes”. A pena poderia ser aumentada se o conteúdo difamasse ou caluniasse alguma autoridade, como o Presidente da República.

[4] Segundo Friedrich Müller, em sua obra “A Positividade dos Direitos Fundamentais”, in litteris: nenhum direito fundamental é garantido de forma ilimitada, isso decorre da única restrição realmente imanente: a sua natureza jurídica. Müller explica que essa “reserva da natureza jurídica dos direitos fundamentais” é em razão do pertencimento dos direitos fundamentais à ordem jurídica constitucional. (MÜLLER, 1990, p. 32).

[5] O jornalista, o repórter ou outro profissional da área de comunicação social tem o direito de divulgar os fatos e até exprimir juízo de valor sobre a conduta de determinada pessoa, desde que tenha por fim informar a sociedade. Todavia, exige-se que a veiculação da notícia seja feita de form escorreita e precisa. Sendo vedado o sensacionalismo, as notícias ofensivas, injuriosas, difamantes e falsas (fake news) que  ofendem a pessoa, seja física ou jurídica, seja atingindo a honra bem como outros bens jurídicos (como credibilidade e, etc.).