Injustiça não é hipótese de distinção para afastar tese do STJ sobre honorários

Fonte: Conjur/Por Danilo Vital

Injustiça, desproporcionalidade, irrazoabilidade, falta de equidade ou existência de outros julgados do Supremo Tribunal Federal não autorizam o uso da técnica da distinção para afastar a aplicação da tese da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que vetou o uso do método da equidade para fixar honorários de sucumbência em causas de valor muito alto.

Essa foi a conclusão da 3ª Turma do STJ, que decidiu manter a fixação de honorários no patamar de 10% sobre o valor milionário de uma causa que foi extinta prematuramente sem resolução do mérito. A parte derrotada terá de pagar aos advogados da parte vencedora cerca de R$ 2 milhões, em valores atualizados.

Esse é um dos processos que a 3ª Turma afetou para análise da Corte Especial, mas depois voltou atrás. O outro é o REsp 1.824.564, que está com pedido de vista regimental.

Em suma, ficou decidido que os percentuais progressivos previstos no artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil devem ser respeitados para fixar honorários de sucumbência mesmo quando eles gerarem uma condenação desproporcional ao trabalho executado pelos advogados da parte vencedora.

A alternativa seria aplicar o parágrafo 8º do artigo 85 do CPC, que permite a fixação de honorários por apreciação equitativa — o juiz faz análise do trabalho do advogado, da natureza e importância da causa, entre outros fatores, para estabelecer uma remuneração que julgue adequada. Segundo o STJ, isso só é possível se o valor da causa for muito baixo.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a tese da Corte Especial tem sido sistematicamente desrespeitada nas instâncias ordinárias. Há ainda ao menos seis hipóteses de distinguishing já fixadas — casos específicos em que a falta de identidade com o precedente recomendam que ele não seja aplicado.

Embargou muito cedo

O caso julgado é o de uma empresa que ajuizou embargos de terceiro contra o espólio de um homem, com a alegação de ameaça de constrição de um imóvel que lhe pertence, mas que foi incluído na partilha amigável após a morte dele.

O juízo da 1ª Vara da Família e Sucessões de Manaus acolheu o pedido liminar e suspendeu o cumprimento da sentença que homologou a partilha no processo de inventário. Em recurso, o Tribunal de Justiça do Amazonas extinguiu os embargos sem resolução do mérito por carência de interesse processual.

O TJ-AM entendeu que não havia causa para ajuizar os embargos, pois não existia ainda ato de constrição ou ameaça de sua produção. Com isso, aplicou a tese do STJ e fixou honorários de 10% sobre o valor da causa — o processo de inventário, avaliado em R$ 7,9 milhões.

Ao STJ, a empresa derrotada alegou que os R$ 790 mil (que atualizados chegam a R$ 2 milhões), além de serem desproporcionais ao trabalho envolvido na causa, poderiam impedir a continuidade de suas atividades. Por maioria de votos, a argumentação foi rejeitada pela 3ª Turma.

Nem chegamos ao mérito

Relator da matéria, o ministro Moura Ribeiro entendeu que o arbitramento dos honorários sucumbenciais vinculados ao percentual do valor da causa gerou à parte derrotada uma condenação desproporcional e injusta, o que imporia uma solução diferente — pela não aplicação da tese da Corte Especial.

O entendimento se baseou em princípios de valores constitucionais do processo civil, incluindo o princípio da primazia do mérito. A ideia é remunerar de forma adequada o advogado que representa o vencedor da demanda quando houver uma decisão definitiva de mérito. Quando não for possível chegar ao mérito em virtude da ausência de algum requisito processual, como no caso julgado, seria necessário um novo olhar.

“Que justiça pode haver na exorbitância descabida dos honorários sucumbenciais fixados em processo que nem sequer decidiu o conflito? Que paz social tal fixação pode trazer?”, indagou o ministro Moura Ribeiro. O voto cita ainda precedentes recentes do Supremo Tribunal Federal admitindo o uso da equidade em causas de valor muito alto.

Não tem jeito

Venceu, porém, o voto divergente da ministra Nancy Andrighi, para quem as razões apresentadas pelo relator não servem para embasar o distinguishing, mas apenas para a superação da tese. Isso só pode ocorrer se o próprio STJ decidir ultrapassar as razões de decidir da tese ou se o Supremo Tribunal Federal assim decidir no recurso extraordinário já admitido.

Todas essas questões foram expressamente analisadas pela Corte Especial — e inclusive no voto da ministra Nancy Andrighi, que abriu a divergência na ocasião e ficou vencida. A tese aprovada em recursos repetitivos é vinculante e deveria ser observada pelas instâncias ordinárias e inclusive pelo próprio STJ.

“Não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente”, afirmou a ministra.

“Tais circunstâncias, quando muito, importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas jamais no uso da técnica de distinção que se pode fazer quando de sua aplicabilidade prática, desde que presente uma circunstância fática distinta”, acrescentou ela. Votaram com a magistrada os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.