Demora para Receber Dinheiro das Ações Ganhas contra o Governo Incentiva Venda de Precatórios
Fim de ano chegando e quem tem precatórios a receber, inclusive herdeiros, fica em dúvida: será que o dinheiro vai entrar no lote de pagamentos do ano que vem? Essa expectativa de pagamento ficou ainda maior após a aprovação pelo Congresso Nacional e a promulgação — em dezembro de 2021 — da chamada “Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios”, que limitou a liberação de recursos da União e postergou o pagamento de muitas dessas dívidas judiciais federais com os credores.
Precatórios são débitos que os governos (federal, estadual e municipal) têm com cidadãos, reconhecidas pelo Poder Judiciário, com valores mais altos, ou seja, acima de 60 salários mínimos.
Diante da incerteza de muita gente sobre quando seu precatório será pago, empresas como a Droom — plataforma digital de negociação de ativos judiciais — promete encurtar o caminho para a transformação do papel guardado na gaveta em dinheiro, já que o pagamento pode ser feito em 24 horas. A empresa promete pagar 10% mais do que o mercado neste tipo de operação.
Deságio
É importante lembrar, porém, que a venda de um direito como esse sofre um grande deságio, ou seja, o credor recebe bem menos do que ganharia se esperasse o pagamento da dívida por parte do governo. Por isso, a transação só deve ser feita em caso de real necessidade. Para quem pretende apenas investir o valor dos precatórios — sem se desfazer do direito —, o rendimento fica atrelado à taxa básica de juros, hoje em 13,75% ao ano.
— Nosso conceito é o de acelerador de sonhos. Ainda hoje prevalece a visão de que os credores de precatórios, muitos deles servidores públicos estatutários e pensionistas, vão esperar décadas para receber o dinheiro, após anos de tramitação das ações na Justiça. No entanto, esses credores podem antecipar o recebimento do dinheiro a que têm direito e acelerar a realização de sonhos. Já o investidor tem a oportunidade de alcançar uma remuneração acima da Selic — diz o advogado Eduardo Gouvêa, fundador da empresa e presidente da Comissão de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional do Rio de Janeiro: — Uma dívida de R$ 300 mil seria vendida hoje no mercado com um desconto de 50%. Na Droom, ela pode ser vendida a 60% (com abatimento de 40%).
A operação é automatizada. Nela, o cliente informa seus dados cadastrais e seleciona o tipo de ativo desejado. Em seguida, por e-mail, recebe um contrato para ser assinado eletronicamente e instruções de pagamento via Pix ou TED.
— O tempo de venda de um precatório varia. Depende de encontrar o investidor certo para aquele papel. Temos casos de venda em 24 horas — diz Gouvêa, que chama a atenção para o prazo de pagamento dos precatórios: — No município do Rio, quando o precatório era emitido, no ano seguinte já poderia ser sacado. No Estado do Rio, levavam três anos para pagar.
Veja como funciona
A operação de venda de precatório está prevista no Artigo 100, inciso 11 da Constituição Federal. Trata-se de uma cessão de crédito. A transação consiste em transferir a titularidade do crédito a outra pessoa, mediante o pagamento de uma quantia à vista. É uma maneira legal de antecipar recebíveis. É como se o comprador se tornasse o autor original do processo. Quando a sentença é cumprida, o governo pagará a esse novo credor.
O problema é que o credor inicial deve estar disposto a receber menos, porque há um desconto no valor antecipado (pode chegar a 50%). No fim das contas, quem vende o precatório recebe um percentual do que foi determinado pela Justiça. Por isso é importante negociar uma quantia justa.
Antes de procurar uma empresa compradora de precatórios, verifique se há queixas contra ela em sites como o Reclame Aqui ou o Conumidor.gov.br. Vale também conversar com um advogado para não se arrepender depois.
O que ocorre em caso de morte do credor
Do início de uma ação que gera uma dívida de um ente público até o efetivo recebimento do precatório, muitos anos podem se passar. Nesse intervalo, é possível que ocorra a morte do credor, exigindo a abertura de um processo de inventário. O que os herdeiros precisam fazer para receber o valor devido? É possível receber um precatório de herança? A resposta é sim, herdeiros de quem recebeu um precatório têm direito ao saque, afirma Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
— Com o falecimento, é possível a habilitação de herdeiros, que deve ser feita por meio de um advogado. Para isso, são necessários os documentos pessoais dos herdeiros, a certidão de óbito comprovando o falecimento e, eventualmente, a certidão de casamento da viúva ou do viúvo, além da procuração dada ao advogado — explica a presidente do IBDP.
Direito a pagamento e execução
A quitação de precatórios envolve dois tipos de processos. O primeiro seria o de conhecimento, que seria responsável por analisar se a pessoa realmente tem direito ao valor em questão. Em seguida, uma vez declarado o direito, vem o processo de execução, que é o responsável pelos procedimentos relacionados ao pagamento propriamente dito.
— Em tese, o herdeiro pode fazer sua habilitação (na ação) a qualquer momento. Entretanto, é necessário que o processo já tenha sido iniciado — complementa Adriane Bramante.
Ela explica que esse entendimento ocorre porque somente o titular do direito teria capacidade de questionar a Fazenda Pública. Mas, se o falecimento acontecer após o início do processo, este fica temporariamente suspenso até a habilitação dos herdeiros. Desta forma, não existe nenhum prazo estipulado para que essa habilitação seja feita e o processo acabe sendo retomado.
PEC limitou verba para quitar dívidas
Promulgada em dezembro de 2021, a “Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios” liberou R$ 106 bilhões para o governo federal gastar em 2022. Aprovado após meses de articulações entre o Planalto e o Congresso Nacional, o texto surgiu depois de a União se ver obrigada a pagar R$ 89,1 bilhões em despesas decorrentes de decisões judiciais (precatórios), o que impediria o pagamento do Auxílio Brasil na dimensão desejada por Jair Bolsonaro, que apostou no programa de transferência de renda também para fortalecer sua campanha à reeleição para presidente.
A PEC limitou o pagamento de dívidas já reconhecidas pela Justiça. De acordo com dados de julho, para o governo federal quitar todos os precatórios que deveriam ser pagos em 2022, o Judiciário havia solicitado R$ 42,8 bilhões, mas recebeu apenas R$ 32,4 bilhões — 75% do previsto. A Justiça Federal, que paga os precatórios de segurados que venceram processos contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), recebeu R$ 25,4 bilhões. Os R$ 7 bilhões restantes foram para outras áreas.
A previsão inicial, segundo o Conselho da Justiça Federal (CJF), responsável por repassar os valores aos tribunais, era pagar R$ 14 bilhões só em precatórios do INSS, incluindo processos que estavam na lista divulgada pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) em 2021. Mas o dinheiro liberado (R$ 11,1 bilhões) correspondeu a 80% do previsto.
Esclareça as principais dúvidas
O que significa precatório?
Após obter um ganho de causa contra o Poder Público, o titular do direito resguardado pela ação judicial passa a ser detentor de um título denominado precatório.
Isso nada mais é do que o reconhecimento judicial de uma dívida que o ente público tem com o autor da ação, seja pessoa física ou jurídica. Os precatórios podem ser de natureza alimentar — quando decorrem de ações judiciais sobre salários, pensões, aposentadorias e indenizações por morte ou invalidez — ou de natureza não alimentar, quando envolvem ações de outras espécies, como desapropriações e tributos.
Quem tem o direito de receber?
Pessoas que tenham movido uma ação contra o poder público e tenham ganhado a causa definitivamente, ou seja, após terem se esgotado todas as possibilidades de recursos, o que é chamado de trânsito em julgado.
Todo ganho de causa contra órgão público é pago por precatório?
A depender do valor apurado na ação judicial, o crédito pode ser feito por Requisição de Pequeno Valor (RPV), até o limite de 60 salários mínimos. Quando o valor a receber é superior a R$ 72.720, o montante é pago via precatório. No caso da RPV, após o protocolo na Procuradoria-Geral do Estado, o ente devedor tem 90 dias para realizar o depósito judicial referente ao processo.
Como ocorre a inclusão de um débito no rol de precatórios?
Após o trânsito em julgado de uma determinada ação, já na fase de execução, o titular do direito, por meio de seu advogado, requisita ao juiz do processo um ofício requisitório. O juiz da execução encaminha o ofício requisitório ao presidente do Tribunal de Justiça, que autoriza a expedição do precatório.
O pagamento segue ordem cronológica?
Atualmente, os tribunais recebem os depósitos das Fazendas Públicas devedoras e, após estruturarem as listas de credores, fazem os pagamentos observando a ordem constitucional cronológica ou, nos casos preferenciais, a idade (mais de 60 anos) ou a existência de doença. A ordem cronológica observa uma lista de acordo com o número da execução do precatório. Já idosos e pessoas com doenças graves, crônicas ou perenes (especificadas no inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713/88, com a redação dada pela Lei 11.052/2004) têm prioridade no pagamento no ano programado. Por isso, primeiramente são pagas as prioridades e, depois, a lista retorna para os precatórios mais antigos — primeiro os alimentares e depois os de outras espécies.
O que ocorre quando o valor é liberado?
O dinheiro é depositado em uma conta judicial aberta no Banco do Brasil (BB). O juiz determina a expedição do “alvará de levantamento”. Uma vez expedido, o advogado apresentará o documento ao banco que, após a compensação bancária, repassará o valor devido ao cliente.
FONTE: EXTRA/GLOBO