Suicídio Assistido, Testamento Vital e Eventuais Implicações no Seguro Vida

Voltaire Marenzi 

Advogado e Professor

 

Lendo uma reportagem publicada no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família, – IBDFAM -, na semana próxima passada, recolhi relatos de que uma jovem mineira portadora de uma síndrome incurável, sofre desde os seus 16 anos, de dores intensas, descritas como choques elétricos, que podem ser desencadeados por atividades simples como falar, comer ou até mesmo uma leve brisa no rosto.[1]

Embora se cuide de um tema espinhoso e até nefasto aos interesses pertinentes à saúde e a própria vida e dignidade da pessoa, ouso tecer algumas considerações que julgo pertinentes, quer do suicídio assistido, quer no que tange ao testamento vital, quer eventuais implicações em apólices de seguros de pessoas.

Iniciando pelas apólices de seguro, os artigos que tratam do seguro de pessoas no atual Código Civil[2] estão insertos na Seção III – Do seguro de pessoa -, dentro do Capítulo XV – DO SEGURO, no Título VI – DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE CONTRATO.

Já no que dia respeito ao suicídio assistido, a advogada Luciana Dadalto, membro do IBDFAM, esclareceu na oportunidade de sua manifestação naquele sítio de que diversos países adotam o procedimento do suicídio assistido.[3]

Diz, ainda, a mencionada profissional: “Enquanto na eutanásia quem pratica o ato que causa a morte do paciente é um terceiro, normalmente um médico, no suicídio assistido quem pratica o ato é o próprio paciente, após receber a prescrição do fármaco letal pelo médico”.[4]

De fato. O suicídio assistido é legal em diversos países ao redor do mundo, embora a legislação e os requisitos específicos variem. Aqui estão alguns exemplos que lanço após uma ligeira pesquisa:

Na Suíça o suicídio assistido é permitido desde a década de 1940. É legal para qualquer pessoa que esteja em pleno uso de suas capacidades mentais, independentemente de serem ou não terminais.

Já na Alemanha desde 2020, a proibição do suicídio assistido foi considerada inconstitucional. Médicos podem fornecer conselhos e medicamentos letais, que devem ser administrados pelos próprios pacientes.

E mais: No Canadá o suicídio assistido é permitido para adultos com doenças graves e irreversíveis.

Quanto aos Estados Unidos, vários Estados permitem o suicídio assistido, incluindo Oregon, Washington, Vermont, Califórnia, Colorado, Montana, Havaí, Nova Jersey, Maine e o Distrito de Columbia.

Na Austrália inúmeras jurisdições dentro do país permitem o suicídio assistido para pacientes terminais.

No que tange a Áustria ele foi legalizado desde dezembro de 2021 para pessoas com doenças graves, com vários requisitos, incluindo diagnósticos médicos e um período de reflexão.

Também na Espanha tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são legais desde 2021.

A Colômbia é legalizado para pacientes com doenças graves e sem perspectiva de cura.

Luxemburgo, Bélgica e Holanda são países que permitem tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido.

No Brasil, o suicídio assistido é ilegal e considerado crime de homicídio pelo Código Penal​.[5]

Já quanto à outra figura jurídica, vale dizer, o testamento vital, instituído em Portugal, é regulado pela Lei número 25/2012, de 16 de julho, que estabelece as diretrizes antecipadas de vontade (DAV) e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registro Nacional do Testamento Vital (RENTEV).[6]

O processo de elaboração do testamento vital deve seguir determinados passos: preencher o modelo de formulário disponível no portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS 24), e entregá-lo no balcão do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV) da área de residência ou enviá-lo por correio com assinatura reconhecida por notário​ (sns24.gov)​. O testamento vital tem validade de cinco anos a contar da sua assinatura e é sucessivamente renovável mediante declaração de confirmação.[7]

De outro giro, o avanço da medicina e as mudanças culturais e legais sobre os direitos dos pacientes têm levado a uma maior discussão sobre temas como testamento vital e suicídio assistido. Ambos os conceitos estão relacionados com o desejo de controlar as condições do fim da vida, mas são fundamentalmente diferentes em termos de propósito, aplicação e implicações legais e éticas.

No testamento vital, também conhecido como diretiva antecipada de vontade (DAV), é um documento legal no qual uma pessoa específica recebe, antecipadamente, os cuidados médicos que deseja ou não receber no caso de se encontrar incapacitada de expressar sua vontade no futuro. Este documento pode incluir instruções sobre o uso de ventilação mecânica, ressuscitação, alimentação artificial, entre outros tratamentos.

O principal objetivo do testamento vital é garantir que as decisões sobre os cuidados de saúde respeitem a vontade do paciente, mesmo quando ele não possa mais se expressar. É um instrumento de autonomia e dignidade, permitindo ao indivíduo evitar tratamentos que considere invasivos ou fúteis, e assegurando que suas preferências sejam seguidas pelos profissionais de saúde e familiares.

O suicídio assistido, por outro viés, é um processo no qual uma pessoa recebe ajuda para pôr fim à própria vida. Esta assistência pode incluir a prescrição de medicamentos letais que o paciente administra a si mesmo. Diferente da eutanásia, onde um terceiro (geralmente um médico) administra a substância letal, no suicídio assistido a ação final é realizada pelo próprio paciente.

O objetivo do suicídio assistido é permitir que pessoas com doenças terminais ou sofrimento insuportável, que considerem sua condição irreversível e intolerável, possam optar por encerrar suas vidas de forma digna e controlada. Este procedimento é profundamente controverso e levanta questões éticas e legais sobre o papel dos profissionais de saúde, a autonomia do paciente e a definição de uma morte digna.

Por outro prisma, a legalidade do suicídio assistido varia amplamente ao redor do mundo, como assinalei mais acima neste ensaio. Em outros, como Portugal e Brasil, é ilegal e é considerado crime. As condições para a prática, quando permitida, geralmente incluem a confirmação de diagnóstico terminal, avaliação psicológica, e um período de reflexão.

Ambos os instrumentos visam garantir a autonomia do indivíduo em decisões críticas sobre sua própria vida. No entanto, enquanto o testamento vital se concentra em evitar intervenções médicas indesejadas durante o processo natural da morte, o suicídio assistido envolve uma intervenção ativa para abreviar a vida.

Por outro lado, o suicídio assistido é um tema muito mais divisivo. As questões éticas envolvem debates sobre o valor da vida, a dor e o sofrimento, e os possíveis abusos do sistema. A legalização do suicídio assistido implica a necessidade de um sistema robusto de salvaguardas para proteger os vulneráveis e garantir que a decisão de terminar a vida seja realmente livre e informada.

Tanto o testamento vital quanto o suicídio assistido representam esforços para respeitar e proteger a autonomia dos pacientes no final de suas vidas. No entanto, eles operam em contextos legais e éticos muito diferentes.

O suicídio assistido é um tema complexo que ainda carece de regulamentação específica nos Códigos de Seguros de todos os países do mundo.

A interpretação jurídica atual depende de análises de caso a caso, com base em jurisprudência e princípios éticos. À medida que a sociedade evolui e novas discussões emergem, é provável que se veja um desenvolvimento mais robusto e detalhado na legislação de seguros que aborde explicitamente o suicídio assistido, proporcionando maior clareza e proteção tanto para os segurados quanto para as seguradoras.

É o que penso.

Porto Alegre, 13 de julho de 2024.

 

[1] Reportagem aposta no site referenciado.

[2] Código Civil, artigos 789 a 802.

[3] Excerto da íntegra da manifestação da advogada supra citada.

[4] Bis in idem.

[5] Artigo 122 do Código Penal Brasileiro.

[6] Lei nº25/2012, artigo 1º – Objeto.

[7] Lei supra identificado, artigo 7º, itens 1 e 2.