Sentença arbitral não pode alterar regime de pagamento de precatórios

 

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira

Procurador do Estado de São Paulo; Doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP; Professor do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da Unaerp; Professor convidado de cursos de pós-graduação; Membro de listas de árbitros de diversas instituições arbitrais; Foi membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB; Autor de livros jurídicos. Coordenador acadêmico do sítio Canal Arbitragem.

 

Diante do enorme crescimento e êxito da arbitragem envolvendo a Administração Pública, conforme demonstra notícia nesta ConJur, é imprescindível a discussão de um tema que tem sido pauta entre os advogados públicos: se toda condenação em arbitragem está sujeita ao regime dos precatórios.

Importante pontuar que a sentença arbitral constitui título executivo judicial, passível de cumprimento no Poder Judiciário (artigo 515, VII, do CPC de 2015 e artigo 31, da Lei da Arbitragem), também sujeito a impugnação, nos termos do artigo 525 e seguintes do CPC de 2015, conforme prevê o artigo 33, § 3º, da Lei de Arbitragem.

Em outras palavras, aplica-se ao cumprimento da sentença arbitral o mesmo regime jurídico da sentença judicial.

Por isso, quando se trata de sentença arbitral proferida contra a Fazenda Pública, como acontece nos títulos judiciais, é aplicável o regime específico do artigo 534 e seguintes do CPC de 2015, que culmina na expedição de precatório, tal como preveem os artigos 100 da Constituição e 535, § 3º, do CPC. Portanto, o regime é idêntico para cumprimento da sentença arbitral e judicial.

Egon Bockmann Moreira e outros lecionam:

“O regime dos precatórios foi instituído com o escopo constitucional de assegurar a efetiva execução dos débitos fazendários. Na justa medida em que os bens públicos — justamente porque integrantes do patrimônio da Fazenda Pública — são impenhoráveis, o constituinte implementou essa solução para garantir o direito subjetivo decorrente de sentenças judiciais” (Precatórios: o seu novo regime jurídico [livro eletrônico]: a visão do Direito Financeiro, integrada ao Direito Tributário e ao Direito Econômico / Egon Bockmann Moreira…[et al.], 5. ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023).

Mas essa regra comporta alguma exceção de modo que a sentença arbitral seja cumprida por regime diferente do de precatórios?
Temos que a resposta é negativa, por dois fundamentos: primeiro, a previsão constitucional e infraconstitucional do regime de precatórios; segundo, a inexistência de poderes coercitivos outorgados à jurisdição arbitral.

A previsão constitucional e infraconstitucional do regime de precatórios é explícita no sentido da imprescindibilidade do precatório, diante da impenhorabilidade dos bens públicos e visando atender à ordem cronológica dos pagamentos, sob pena de irremissível inconstitucionalidade.

Eventual decisão do árbitro em sentido contrário criaria modalidade de sequestro de rendas públicas, fora da previsão constitucional. Isso porque a medida permitiria a constrição sobre valores do erário, afigurando-se como manifestamente inconstitucional.

Isso sem falar na inevitável preterição que ocorreria na ordem de pagamento consagrada na Constitucional, já que os valores objeto da sentença judicial seriam recebidos antes dos inseridos na ordem cronológica prevista na Constituição.

Considere-se, ainda, que o árbitro não possui delegação legislativa para exercer o poder de coerção direta (vide no STJ REsp 1465535/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Isto é, não pode “impor, contra a vontade do devedor, restrições a seu patrimônio, como a penhora, e nem excussão forçada de seus bens”, conforme ressaltou a ministra Nancy Andrighi (STJ REsp 944.917/SP, 3ª Turma), restando apenas o processo de conhecimento e liquidação ao árbitro, não a execução.

Não podemos deixar de citar que são notórias as deficiências do sistema brasileiro de precatórios, diante da morosidade e sucessivas reformas que dificultam o recebimento por todos os credores estatais. Todavia, o ordenamento jurídico deve ser aplicado

Portanto, como a execução constitui manifestação do poder estatal, ante a ausência de previsão legal outorgando tal competência ao árbitro, a execução da sentença arbitral contra a Fazenda Pública não pode ser tratada pela sentença arbitral de forma diferente do regime constitucional dos precatórios, sob pena de ultrapassar os limites da convenção de arbitragem, caracterizando a hipótese descrita no artigo 32, IV da Lei de Arbitragem.

Uma decisão nesse sentido consistiria em julgamento por equidade, vedado com relação à Administração Pública (artigo 2º, parágrafo 3º, da Lei de Arbitragem), razão pela qual não haveria compatibilidade com a Constituição, da previsão de pagamento das condenações à Fazenda Pública, em regime diverso do precatório, em sentença arbitral.