Nova Lei de Seguros: Aspectos Processuais

Gustavo Filipe Barbosa Garcia

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor Universitário. Advogado.

 

 

A Lei 15.040, de 9 de dezembro de 2024, dispõe sobre normas de seguro privado.

Propõe-se examinar, no presente estudo, os principais aspectos processuais decorrentes do referido diploma legal.

Seguro em favor de terceiro

No seguro por conta de outrem, o risco incide sobre interesse de outra pessoa (segurado), e não do estipulante. Nesse sentido, o seguro será estipulado em favor de terceiro quando garantir interesse de titular distinto do estipulante, determinado ou determinável (art. 24 da Lei 15.040/2024). O beneficiário será identificado por lei, por ato de vontade anterior à ocorrência do sinistro ou pela titularidade do interesse garantido.

No seguro em favor de terceiro, o estipulante deve cumprir as obrigações e os deveres do contrato, salvo os que por sua natureza devam ser cumpridos pelo segurado ou pelo beneficiário (art. 27 da Lei 15.040/2024).

O estipulante pode substituir processualmente o segurado ou o beneficiário para exigir, em favor exclusivo destes, o cumprimento das obrigações derivadas do contrato (art. 28 da Lei 15.040/2024).

Logo, o estipulante pode figurar como substituto processual do segurado ou do beneficiário (art. 18 do CPC) para pleitear, em favor destes, o cumprimento das obrigações derivadas do contrato de seguro. Na substituição processual, o substituto processual (estipulante) defende direito alheio (do segurado ou do beneficiário) em nome próprio. No caso, por se tratar de possibilidade, entende-se que o segurado ou o beneficiário mantém a legitimidade ordinária para a defesa dos seus próprios direitos relativos ao contrato de seguro (art. 17 do CPC). Tem-se, assim, hipótese de legitimação extraordinária concorrente.

Cosseguro

No cosseguro, o risco predeterminado assumido no contrato é repartido entre dois ou mais seguradores. Cada seguradora cobre uma parte do risco. Considera-se cosseguro a operação de seguro em que duas ou mais sociedades seguradoras, com anuência do segurado, distribuem entre si, percentualmente, os riscos de determinada apólice, sem solidariedade entre elas (art. 2º, § 1º, inciso II, da Lei Complementar 126/2007).

Sendo assim, ocorre cosseguro quando duas ou mais seguradoras, por acordo expresso entre si e o segurado ou o estipulante, garantem o mesmo interesse contra o mesmo risco, ao mesmo tempo, cada uma delas assumindo uma cota de garantia (art. 33 da Lei 15.040/2024).

O cosseguro pode ser documentado em um ou mais instrumentos contratuais emitidos por cada uma das cosseguradoras com o mesmo conteúdo (art. 34 da Lei 15.040/2024). O documento probatório do contrato deve destacar a existência do cosseguro, as seguradoras participantes e a cota da garantia assumida por cada uma.

Se não houver inequívoca identificação da cosseguradora líder, os interessados devem dirigir-se àquela que emitiu o documento probatório ou a cada uma das emitentes, se o contrato for documentado em diversos instrumentos (art. 34, § 2º, da Lei 15.040/2024).

A cosseguradora líder administra o cosseguro, representando as demais na formação e na execução do contrato, e as substitui, ativa ou passivamente, nas arbitragens e nos processos judiciais (art. 35 da Lei 15.040/2024).

No plano material, a cosseguradora líder administra o cosseguro, bem como representa as demais seguradoras na formação e na execução do contrato. Trata-se, assim, de representação legal (art. 120, primeira parte, do Código Civil).

Além disso, a cosseguradora líder, de acordo com a referida previsão legal, é substituta processual das demais seguradoras (art. 18 do CPC). Como mencionado, na substituição processual (legitimação extraordinária) ocorre a defesa de direito alheio (das demais seguradoras) em nome próprio (pela cosseguradora líder). No caso em questão, a autorização de substituição processual é ampla, uma vez que pode ser no polo ativo ou passivo.

Quando a ação for proposta apenas contra a cosseguradora líder, esta deverá, no prazo de sua resposta, comunicar a existência do cosseguro e promover a notificação judicial ou extrajudicial das cosseguradoras (art. 35, § 1º, da Lei 15.040/2024).

Havendo substituição processual pela cosseguradora líder, os substituídos (demais seguradoras) podem intervir no processo como assistentes litisconsorciais (art. 18, parágrafo único, do CPC).

A sentença proferida contra a líder fará coisa julgada em relação às demais, que serão executadas nos mesmos autos (art. 35, § 2º, da Lei 15.040/2024).

Por se tratar de substituição processual, a coisa julgada material formada em relação à cosseguradora líder (substituta processual), que é parte em sentido processual, estende-se às demais seguradoras (substituídas), por serem titulares do direito material (partes em sentido material).

Não há solidariedade entre as cosseguradoras, arcando cada uma exclusivamente com sua cota de garantia, salvo previsão contratual diversa (art. 35, § 3º, da Lei 15.040/2024). No cosseguro, a solidariedade entre as cosseguradoras incide se houver previsão contratual nesse sentido (art. 265 do Código Civil).

O descumprimento de obrigações entre as cosseguradoras não prejudicará o segurado, o beneficiário ou o terceiro (art. 35, § 4º, da Lei 15.040/2024).

Seguro de responsabilidade civil

O seguro de responsabilidade civil é espécie de seguro de dano. No contrato de seguro de responsabilidade civil, a seguradora fica obrigada a garantir o pagamento de indenização devida pelo segurado em razão de prejuízo causado a terceiro.

O seguro de responsabilidade civil garante o interesse do segurado contra os efeitos da imputação de responsabilidade e do seu reconhecimento, assim como o interesse dos terceiros prejudicados à indenização (art. 98 da Lei 15.040/2024).

Quando a pretensão do prejudicado for exercida exclusivamente contra o segurado, este será obrigado a cientificar a seguradora, tão logo seja citado para responder à demanda, e a disponibilizar os elementos necessários para o conhecimento do processo (art. 101 da Lei 15.040/2024).

O segurado, assim que citado na ação ajuizada exclusivamente contra si, deve dar ciência à seguradora a respeito do processo e disponibilizar os elementos necessários para o seu conhecimento. No entanto, especificamente quanto à denunciação da lide, cabe salientar que a ausência de sua promoção (pelo segurado) não gera a perda do direito de regresso, pois este pode ser exercido por ação autônoma (art. 125, § 1º, do CPC), apenas impedindo a formação, no processo originário, do título executivo judicial, e sujeitando o segurado aos riscos da ação autônoma, em que podem ser discutidas todas as matérias de fato e de direito sobre o mérito.

O segurado pode chamar a seguradora a integrar o processo, na condição de litisconsorte, sem responsabilidade solidária (art. 101, parágrafo único, da Lei 15.040/2024). Apesar da redação da parte inicial desse dispositivo, a rigor, a hipótese é de denunciação da lide (art. 125, inciso II, do CPC), e não de chamamento ao processo (art. 130 do CPC).

Na esfera processual, é admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes, àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo (art. 125, inciso II, do CPC)[1].

O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida (art. 125, § 1º, do CPC).

Feita a denunciação pelo réu: I – se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado; II – se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva; III – se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a procedência da ação de regresso (art. 128 do CPC).

Em caso de denunciação feita pelo réu, procedente o pedido da ação principal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva (art. 128, parágrafo único, do CPC).

Nessa linha, segundo a Súmula 537 do STJ: “Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice” (DJe 15.06.2015).

Os prejudicados podem exercer seu direito de ação contra a seguradora, desde que em litisconsórcio passivo com o segurado (art. 102 da Lei 15.040/2024). O litisconsórcio será dispensado quando o segurado não tiver domicílio no Brasil (art. 102, parágrafo único, da Lei 15.040/2024).

Conforme a Súmula 529 do STJ: “No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano” (DJe 18.05.2015).

Se o segurado tiver domicílio no Brasil, tem-se hipótese de litisconsórcio passivo necessário por disposição de lei (art. 114 do CPC). No entanto, como exceção, o litisconsórcio passivo é facultativo quando o segurado não tiver domicílio no Brasil (art. 113 do CPC).

Nos casos de litisconsórcio necessário e simples (não unitário), a sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será ineficaz apenas para os que não foram citados (art. 115, inciso II, do CPC).

Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo (art. 115, parágrafo único, do CPC).

Competência

É absoluta a competência da Justiça brasileira para a composição de litígios relativos aos contratos de seguro sujeitos à Lei 15.040/2024, sem prejuízo do previsto no art. 129 da Lei 15.040/2024, sobre a possibilidade de ser pactuada, mediante instrumento assinado pelas partes, a resolução de litígios por meios alternativos (art. 130 da Lei 15.040/2024). Por se tratar de competência absoluta, não pode ser modificada.

O foro competente para as ações de seguro é o do domicílio do segurado ou do beneficiário, salvo se eles ajuizarem a ação optando por qualquer domicílio da seguradora ou de agente dela (art. 131 da Lei 15.040/2024). Trata-se, assim, de competência territorial e relativa.

A seguradora, a resseguradora e a retrocessionária, para as ações e as arbitragens promovidas entre si, em que sejam discutidos conflitos que possam interferir diretamente na execução dos contratos de seguro sujeitos à Lei 15.040/2024, respondem no foro de seu domicílio no Brasil (art. 131, parágrafo único, da Lei 15.040/2024).

De acordo com a Súmula 540 do STJ: “Na ação de cobrança do seguro DPVAT [seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre], constitui faculdade do autor escolher entre os foros do seu domicílio, do local do acidente ou ainda do domicílio do réu”.

A Lei 15.040/2024 entra em vigor após decorrido um ano de sua publicação oficial, ocorrida em 10.12.2024 (art. 133).

A par de estabelecer a nova sistemática sobre o seguro privado, o referido diploma legal contém previsões que repercutem na esfera processual.

Cabe, assim, acompanhar a evolução doutrinária e jurisprudencial sobre os referidos aspectos.

[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Juspodivm, 2024. p. 345-347.