Notificação por Inadimplência em Plano de Saúde
Voltaire Marenzi
Advogado e Professor
Li, através do Informativo da Editora Roncarati, a publicação de uma Resolução Normativa emanada pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ANS, através de seu Diretor-Presidente, um texto legal que dispõe sobre a notificação por inadimplência à pessoa natural contratante de plano privado de assistência à saúde e ao beneficiário que pagar a mensalidade do plano coletivo diretamente à operadora, que também cancela a Súmula Normativa nº 28, de 30 de novembro de 2015. (Grifo meu).
A publicação desta Resolução data de 20/12/2023, junto ao Diário Oficial da União (DOU).
A mencionada Resolução sob número 593, entrará, somente, em vigor a partir do dia 1° de abril de 2024.
Vou fazer, aqui, um brevíssimo comentário em relação ao conteúdo do texto.
Trata-se de uma disposição legal disciplinada por meio de Resolução[1] que contém 19 artigos, cujos Capítulos I, II e III, destacam as Disposições Preliminares, as Regras sobre a Notificação por inadimplência e as Disposições Finais, respectivamente. (Sublinhei).
A Resolução em tela regulamenta a notificação por inadimplência, se aplicando apenas aos contratos que foram celebrados após o dia 1° de janeiro de 1999 ou aos que foram adaptados à Lei 9.656/1998.[2]
Ademais, a operadora de saúde deverá realizar a notificação por inadimplência até o quinquagésimo (50°) dia do não pagamento como pré-requisito para exclusão do beneficiário, ou a suspensão ou rescisão unilateral do contrato por iniciativa da operadora, motivada por inadimplência.[3]
A notificação por inadimplência poderá ser realizada pelos seguintes meios:
I – Correio eletrônico (e-mail) com certificado digital e com confirmação de leitura;
II – Mensagem de texto para telefones celulares (SMS);
III – Mensagem em aplicativo de dispositivos móveis que permita a troca de mensagens criptografadas;
IV – Ligação telefônica gravada, de forma pessoal ou pelo sistema URA (unidade de resposta audível), com confirmação de dados pelo interlocutor;
V – Carta, com aviso de recebimento (AR) dos correios, não sendo necessária a assinatura da pessoa natural a ser notificada; ou
VI – Preposto da operadora, com comprovante de recebimento assinado pela pessoa natural a ser notificada.[4]
Através da leitura dos incisos acima descritos da novel Resolução, tais disposições guardam conotação com o contrato de seguro em relação ao teor do enunciado 616 do STJ, que diz:
“A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”.
A pergunta que me ocorreu quando foi exarada essa súmula era a seguinte: Poderia a seguradora comunicar previamente por intermédio de e-mail seu segurado?
Em situação semelhante julgada através do Aresp número 1.346.219/SC foi realizada notificação via e-mail, ocasião em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que se exige a comprovação da mora mediante a notificação extrajudicial do devedor, efetuada por meio de carta registrada, enviada por Cartório de Títulos e Documentos, e entregue no domicílio do devedor, sendo desnecessária a notificação pessoal.
Em outro caso, vale dizer, no Aresp 1.358.819, aquele Tribunal assentou que “embora o e-mail tenha sido enviado ao endereço eletrônico fornecido pelo devedor no contrato, evidentemente, não veio acompanhado do necessário aviso de recebimento, devidamente assinado, não se prestando para tal fim, a mera declaração de envio e recebimento. Não houve, portanto, a regular constituição em mora do devedor, sobretudo a teor do artigo 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969.” [5]
Nos dois processos a matéria de fundo dizia respeito ao instituto da alienação fiduciária, mas com o mesmo conteúdo, vale dizer, pertinente à eficácia da notificação à parte inadimplente.
De outro giro, a notificação prevista na normativa sob comento será considerada válida após o quinquagésimo dia de inadimplência se for garantido, pela operadora, o prazo de 10 dias, contados da notificação, para que seja efetuado o pagamento do débito.[6]
Outrossim, os dias de pagamento em atraso de mensalidades já quitadas não serão contados como período de inadimplência para fins de rescisão ou suspensão contratual.
Pois bem. Para que haja a exclusão do beneficiário ou a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato por inadimplência, deve haver, no mínimo, duas mensalidades não pagas, consecutivas ou não, no período de 12 meses, cabendo à operadora a comprovação inequívoca da notificação sobre a situação de inadimplência, demonstrando a data da notificação pela pessoa natural a ser notificada.
Vejam dignos leitores e estimadas leitoras que nesta passagem do texto em foco não há similitude com o enunciado 616 do STJ, que não diz nada no que tange ao número de prêmios impagos no contrato de seguro.
Ademais, de acordo com esta Resolução, a operadora deverá realizar a notificação por inadimplência toda vez que houver a possibilidade de exclusão do beneficiário, suspensão ou rescisão unilateral do contrato por motivo de inadimplência, ainda que já tenham sido promovidas notificações em situações semelhantes envolvendo a mesma pessoa natural e o mesmo contrato. Também, neste particular, bem mais detalhado do que conheço em sede de contrato de seguro, assim como uma previsão de cobrança da mensalidade em atraso, a qual poderá ser imputada multa de, no máximo, 2% sobre o valor do débito em atraso e/ou juros de mora de, no máximo, 1% ao mês (0,033 ao dia) pelos dias em atraso, sem prejuízo da correção monetária, desde que previstos em contrato.[7]
De outra banda, é elementar que não se pode detalhar, de modo minudente, em um enunciado de teor infraconstitucional, o que se pode fazer através de um conteúdo inserto em uma Resolução normativa.
Embora não tenha muito simpatia com normas de hierarquia inferior à lei ordinária, a melhor doutrina já consagrou que matérias que regulamentam aquela, via de regra, extrapolam sua esfera o que é extremamente perigoso em sede de bom direito.
A Resolução em pauta estabelece que a notificação por inadimplência poderá ser realizada através do e-mail com certificado digital e com confirmação de leitura; por meio de mensagem de texto para telefones celulares; mensagem em aplicativo de dispositivos móveis que permita a troca de mensagens criptografadas; ligação telefônica gravada; carta; ou por meio do preposto da operadora, com comprovante de recebimento assinado pela pessoa natural a ser notificada.
Para a notificação por inadimplência, o documento dispõe que devem ser usadas as informações fornecidas pela pessoa natural e cadastradas no banco de dados da operadora de saúde. Além disso, prevê que a notificação realizada por SMS ou aplicativo de dispositivos móveis prevista somente será válida se o destinatário responder a notificação confirmando a sua ciência.
Após esgotadas as tentativas de notificação por todos os meios previstos neste artigo, a operadora poderá suspender ou rescindir unilateralmente o contrato por inadimplência, decorridos 10 dias da última tentativa, desde que haja a comprovação desta situação com notificação por todos esses meios.
A proposição ainda estabelece que a notificação por inadimplência deve conter, no mínimo, a identificação da operadora de plano de saúde, com nome, endereço e número de registro da operadora na ANS; a identificação do contratante e dos beneficiários vinculados, com nome e número de inscrição no CPF; a identificação do plano privado de assistência à saúde; o valor exato e atualizado do débito.
A notificação também deverá conter o período de atraso com indicação das competências em aberto e do número de dias de inadimplemento constatados na data de emissão da notificação; a forma e o prazo para o pagamento do débito e a regularização da situação do contrato; e os meios de contato disponibilizados pela operadora para esclarecimento de dúvidas pela pessoa natural.[8]
Enfim. É claro, na essência, que a natureza jurídica do contrato de seguro difere do contrato de plano de saúde que, a meu sentir, tem maior identidade com normas correlatas à previdência privada por se tratar de contratos de obrigações de trato sucessivo. Já no que tange aquele, isto é, o contrato de seguro, que hoje também se denomina como uma obrigação relacional, as prestações advindas do prêmio podem ser fracionadas, mas com prazo de duração, normalmente, anual.
É uma questão que deverá ser bem pensada e estudada.
A uma, porque existe uma Comissão designada para a Reforma do Código Civil.
A duas, porque existe um PLC da lavra do IBDS do qual sou filiado a ser, oportunamente, aprovado pelo Congresso Nacional.
A três, em razão de existirem inúmeras regras securitárias que além de mal elaboradas conflitam entre si. Vide, ad exemplum, leis ordinárias e normas secundárias.
A quatro, porque não se pode esperar que se consuma nesta oportunidade normas que estão na berlinda, que poderão se chocar umas com as outras, o que seria uma verdadeira catástrofe neste multissecular instituto, porém ainda, infelizmente, desconhecido da maioria da população brasileira.
É o que penso.
Porto Alegre, 23 de dezembro de 2023.
______________
[1] Inciso VII, do artigo 59, da Constituição Federal de 1988.
[2] Artigo 2º da sobredita Resolução.
[3] Artigo 4º, idem.
[4] Artigo 8º. Bis in idem.
[5] Notificação. Súmula do STJ e seus efeitos no Contrato de Seguro. Portal Segs, 26 de abril de 2023. Voltaire Marensi.
[6] Parágrafo terceiro do artigo 10º da resolução em comento.
[7] Art. 12º da Resolução.
[8] Jota. Mirielle Carvalho. Reporter em São Paulo.