Motoboys ou mototáxis?
Almir Pazzianotto Pinto
Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
OrbisNews, jornalista Fausto Camunha,
O motoboy é fenômeno moderno das cidades brasileiras. Motociclistas existem desde a primeira metade do século passado, quando alguns aventureiros importavam dos Estados Unidos, da Inglaterra ou da Itália, as primeiras motocicletas destinadas a práticas desportivas. Em São Paulo, o uso da motocicleta, como veículo de transporte, se acentuou a partir da década de 1980. Em pouco tempo, graças à produção nacional de motos de 125, 200 e 250cc, o uso se expandiu e se diversificou. Hoje circulam na Capital cerca de 1.1 milhão veículos dessa natureza.
Sabemos que em várias capitais de estados e grandes cidades, o mototáxi se incorporou às paisagens urbanas. Cobrando tarifas inferiores às do taxi comum, o mototaxista passou a prestar serviços sobretudo para pessoas de menor poder aquisitivo.
Como era de se esperar, o mototáxi chegou a São Paulo. Ignoro se já existem na Região Metropolitana, toleradas pelas respectivas autoridades municipais. O fato é que bateram às portas da nossa cidade, despertando acirrada polêmica acerca da sua regular utilização.
É sabido que vivemos em Estado Democrático de Direito. Vamos, portanto, à Constituição de 1988. Determina a Lei Fundamental competir privativamente à União legislar sobre “diretrizes da política nacional de transportes” e “trânsito e transportes” (Art. 22, IX e XI). Ordena, também, ser de competência comum, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, “estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito” (Art. 23, XII). Por último, segundo a Lei Superior, compete aos Municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (Art. 39, V).
Serviços de transporte coletivo, assim se entendendo aqueles que serão utilizados por muitos (Dicionário Houaiss), não são terra de ninguém, de tal sorte que a exploração possa ser feita à revelia da Administração Pública do Município, a quem compete “legislar sobre os assuntos de interesse local”.
O Código Brasileiro de Trânsito, aprovado pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, impõe severas regras relativas à exploração do transporte coletivo de passageiros. Vejam-se, neste aspecto, as exigências que pesam sobre os serviços de taxi. São conhecidas as estatísticas referentes a acidentes com motociclistas. Somente em São Paulo morrem, por dia, 16 motociclistas. Número muito maior é daqueles que sofrem acidentes leves e graves. Motocicletas são veículos perigosos, especialmente quando, além do piloto, conduzem alguém na garupa.
São intensas as pressões exercidas sobre a Câmara de Vereadores e o Prefeito para a liberação do mototáxi. Quem reside em São Paulo, porém, e faz uso de automóvel ou ônibus para se deslocar, não ignora os problemas causados por conhecidos motoqueiros, para os quais as regras de trânsito existem para serem violadas. Temos, ademais, frequentes casos de motoqueiros entregues às práticas criminosas, disfarçados de entregadores de alimentos ou encomendas.
O assunto exige cuidadosa análise pela Administração Municipal. O trânsito, normalmente caótico e congestionado, experimentará melhoria com a autorização para exploração do mototáxi, ou deverá piorar?
Se autorização vier a ser concedida, tornar-se-á impossível retroceder, por piores que sejam as consequências. Devagar que o santo é de barro, diz a sabedoria popular. Não há necessidade de se tomar decisão apressada.
Afinal, o paulistano está habituado ao trânsito, nas condições que conhecemos. O assunto deve ser debatido à exaustão, talvez submetido a audiências públicas na Câmara de Vereadores.
Os interesses de motociclistas, interessados na criação do mototáxi, não devem se sobrepor aos interesses de 12 milhões de paulistanos.