Custas Iniciais no Cumprimento de Sentença
Clito Fornaciari Júnior
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da PUC. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP.
Advogado e sócio do escritório Clito Fornaciari Júnior – Advocacia
Urge, pois, que se reconheça a impropriedade da regra arrecadatória do Estado de São Paulo, restabelecendo-se aquilo que anteriormente se colocava, que era o pagamento das custas ao término do cumprimento da sentença.
Desde 1º de janeiro deste ano, quando entrou em vigor a lei 17.785 de 03 de outubro de 2023, alterando o regime de custas judiciais, o credor, assim reconhecido por uma decisão judicial transitada em julgado que condenou aquele com quem litigava a cumprir uma obrigação, veio a ter mais uma obrigação para, quem sabe, conseguir ver satisfeito o seu direito. Nesse linha, foi introduzida mais uma hipótese de cobrança de custas judiciais, no importe de 2% sobre o valor do crédito, a ser satisfeita por ocasião do requerimento de instauração do procedimento judicial de cumprimento de sentença.
A nova exigência desrespeita princípio lógico, atenta contra o conteúdo e razão de ser da norma federal que se consubstancia no Código de Processo Civil e desafia precedente do Superior Tribunal de Justiça que foi firmado para situação menos grave e menos definitiva que a de que ora se trata, dado que referente ao procedimento de liquidação que é, como sabido, em muitos casos, antecedente necessário do cumprimento de sentença.
Logicamente, não tem sentido se imporem novos ônus a quem obteve a resposta que buscava do Judiciário, que é o reconhecimento de seu crédito, a partir de cuja decisão pode tentar obter a satisfação do seu direito. Ao Estado, antes da nova lei, cabia receber as custas previstas para o momento da satisfação do crédito e quem as pagava era o devedor. Por que, então, agora, as exigir do credor, deixando-o com o ônus de buscar o reembolso de quem já lhe deve o principal? Ademais, há o risco não incomum de, mesmo com a decisão condenatória transitada em julgado, o crédito não ser satisfeito, de forma que a exigência de pagamento de custas tornará o processo ainda mais danoso ao credor. O Estado prioriza o seu crédito, indiferente à sorte e ao direito do credor.
Do ponto de vista legal, pensando-se na norma maior, que é o Código de Processo Civil, a Lei Estadual afronta o art. 82 do Código, que impõe às partes a antecipação, “desde o início até a sentença final”. Aí termina o regime de antecipação e a partir da sentença final, quem adiantou tem o direito de ser reembolsado, ficando, outrossim, o vencido condenado a pagar ao vencedor o que antecipou e, agora já como vencido, pagar as custas que forem doravante devidas.
O Superior Tribunal de Justiça, em 2014, debruçou-se sobre a questão do pagamento da perícia para a realização de liquidação de sentença e firmou como regra que este ônus era do condenado, portanto do devedor. O acórdão que deu a interpretação firmada ao caso foi relatado pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino (REsp 1.274.466). Lembrou para tanto da lição de Chiovenda, segundo a qual, “o processo não pode causar prejuízo a quem tem razão”. Aduziu que, quando do trânsito em julgado da decisão condenatória, já se reconheceu quem tinha razão e, portanto, venceu a demanda, não parecendo adequada a ideia de que o autor da liquidação ainda deva antecipar os honorários periciais.
O credor não é o único interessado na liquidação do julgado. Ambas as partes têm igual interesse e a ambas se pede a atuação de conformidade com a boa-fé (art. 5º CPC) e com espírito de colaboração (art. 6º CPC). Ademais, a disposição legal que das custas trata imputa ao vencido o débito, não só aquele em favor do vencedor, mas também o que se venha a ter na nova fase do processo. Trabalhou a decisão ao firmar a tese para a questão com o art. 20 do Código de então, dizendo o julgado que “se o débito é imputado ao vencido, e já se sabe quem foi vencido na demanda, não faz sentido atribuir a antecipação da despesa ao vencedor para depois imputá-la ao vencido”, concluindo ser “mais adequado e efetivo imputar o encargo diretamente a quem deve suportá-lo.”
Ressalva-se apenas a liquidação por cálculos, que devem ser apresentados pelo credor, de modo a não existir o ônus de pagamento de honorários para perito que, eventualmente, pode ter sido contratado para a elaboração dos cálculos. Talvez nem seja correto tratar a liquidação por cálculo como liquidação, pois para esta modalidade vão as sentenças que dependem apenas de apuração aritmética do valor, sem nenhuma outra questão de relevância.
Assim, foi firmada a questão sobre a liquidação por artigos e por arbitramento, sendo preciso e claro o quanto coloca outro julgado, agora da relatoria do Min. Herman Benjamin (AgInt no REsp 1810330), aplicando a tese firmada e decidindo: “Na fase de liquidação de sentença, sendo a perícia realizada quando já conhecida a parte sucumbente, cabe ao devedor, em sua condição de futuro executado, arcar com os honorários periciais, por se mostrar mais adequado e efetivo imputar o encargo diretamente a quem deve suportá-lo, após o transito em julgado da sentença.” A clareza do texto é contundente, pois não se preocupa com a lei e ressalta, cirurgicamente, a adequação e efetividade.
Ora, se na liquidação que, quando necessária, antecede o cumprimento de sentença o ônus é do devedor, com maior razão há de ser também no cumprimento da sentença, onde se tem o trânsito em julgado da sentença e um título líquido.
Urge, pois, que se reconheça a impropriedade da regra arrecadatória do Estado de São Paulo, restabelecendo-se aquilo que anteriormente se colocava, que era o pagamento das custas ao término do cumprimento da sentença, evitando que corra o credor risco de perder mais do que já perdeu com o simples processo, além de onerá-lo depois da condenação, sem que tenha sido condenado. Tal possibilidade prescinde de mudança legislativa, bastando se aplicar o Código de Processo Civil que impõe pagamento, após a decisão final, somente a quem foi vencido.