Condenação do Destruidor de Relíquia Inestimável

Gisele Leite

Professora universitária aposentada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Presidente da Seccional RJ da ABRADE. Pesquisadora-chefe do INPJ. Trinta e sete obras jurídicas publicadas. Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos.

 

Enfim, em 30 de junho de 2024 o Supremo Tribunal Federal condenou a dezessete anos de prisão Antônio Cláudio Alves Ferreira o destruidor filmado do relógio doado por Dom João VI durante os atos golpistas e terroristas de oito de janeiro no Palácio do Planalto.

A decisão da Suprema Corte seguiu em maioria de voto e, o relator da matéria, o Ministro Alexandre de Moraes votou pela condenação pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e, ainda, o dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União.  A culpa do réu restou comprovada fosse por filmagens, depoimentos de testemunhas levadas pelo Ministério Público e, até, por fotografias feitas pelo próprio réu, envaidecido pela própria torpeza.

Na ocasião, o Ministro Zanin acompanhou o relator, mas divergiu quanto à pena, fixando-a em quinze anos. Outros ministros também votaram por penas mais reduzidas como André Mendonça e Toffoli. Outra divergência se deu por parte do atual presidente do STF, Ministro Barroso que julgou o réu inocente quanto ao crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. E, nos mais, seguiram integralmente o relator, os ministros Flávio Dino, Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

O bem avariado era um relógio doado pela Corte Francesa e destruído, até o momento, sem recuperação pelo golpismo de oito de janeiro.

Uma CPI foi realizada pelo Congresso e apontou diversas pessoas que deveriam ser responsabilizadas, incluindo Jair Bolsonaro. O ex-presidente, além de investigado pela empreitada golpista, está inelegível, por decisão da Justiça Eleitoral, devido ao uso da máquina pública para a divulgação de mentiras sobre o sistema eletrônico de votação. Uma ação penal contra o líder de extrema-direita e outros políticos que alimentaram o desrespeito ao resultado das urnas ainda depende da Procuradoria-Geral da República, sob novo comando em 2023.

No último mês de outubro, recebeu-se o relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de janeiro de 2023. Os três volumes de documento, com 1.331 páginas, pedem o indiciamento de 61 (sessenta e uma) pessoas – incluindo o ex-presidente da República – por crimes como associação criminosa, violência política, abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Na reunião, a relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama, também entregou ao ministro cerca de sete terabytes de vídeos e áudios que confirmam as conclusões do documento. No momento, há cinco processos em andamento na Corte de Contas.

No caso de funcionários públicos identificados, o TCU poderá aplicar sanções que vão desde multa até a inabilitação para ocupar cargo público por até oito anos. Em relação a empresas, se houver comprovação de fraude a licitações para favorecer as ilegalidades, poderão ser declaradas inidôneas para contratar com o poder público por até cinco anos.

Além de todo o trabalho e dos gastos com a recuperação da infraestrutura e das obras de arte danificadas, o Senado se preocupou também com medidas de reforço da segurança para a proteção de servidores, visitantes e frequentadores.

As ações incluem a obrigatoriedade de passagem pelos equipamentos de raio-X e detectores de metais, a identificação de todos os participantes do tour de visitação, inclusive aos finais de semana, e a convocação de novos policiais legislativos aprovados em concurso público.

No âmbito da Justiça, os primeiros julgamentos relativos aos atos de 8 de janeiro ocorreram em setembro. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao primeiro condenado, Aécio Lúcio Costa Pereira, a pena de 17 (dezessete) anos de prisão pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com substância inflamável contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Um balanço divulgado pelo STF no fim de dezembro de 2023 apontou que, no dia 8, foram presas 243 pessoas dentro dos prédios públicos e na praça dos 3 Poderes. No dia seguinte, 1.927 pessoas foram pessoas conduzidas à Academia Nacional de Polícia. Dessas, 775 foram liberadas e 1.152 permaneceram presas. Entre 17 e 20/1, ocorreram as audiências de custódia e 938 (novecentos e trinta e oito) pessoas permaneceram presas.

A maioria dos investigados responde pelos crimes de: associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com substância inflamável contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Ao longo de 2023, outros eventos feitos pelo Senado procuraram manter viva a memória da invasão e conscientizar sobre a importância de cuidar da democracia. Esse foi o objetivo da exposição fotográfica Reflexões do Senado — 100 (cem) Dias da Invasão, aberta em abril. (In: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/04/28/exposicao-de-fotos-resgatou-memoria-dos-ataques-antidemocraticos)

Com cinquenta registros fotográficos de vinte e um profissionais do Senado e da mídia externa, a exposição, sediada no Salão Negro, relembrou a importância de defender a o estado democrático. A mostra está disponível em formato digital, no Portal Senado Notícias. (In: https://www12.senado.leg.br/noticias/exposicao-8-de-janeiro-reflexoes).

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou mais dez pessoas pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro do ano passado. Com isso, foram sentenciados até o momento 216 (duzentos e dezesseis) acusados de envolvimento na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Enfim, a destruição de uma relíquia de inestimável valor que espelha bem o dano a nossa recente e frágil democracia.