Beneficiários na Partilha da Previdência Complementar

Voltaire Marenzi

Advogado e Professor

 

Abordei no mês de agosto um artigo decorrente de um julgamento realizado na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que envolvia matéria relativa à previdência complementar.

Naquela ocasião, se decidiu sobre a possibilidade de pagamento suplementar de pensão por morte a esposa não inscrita como beneficiária, pelo marido falecido, que fazia parte como associado de uma entidade desta modalidade destinada à proteção familiar.

O voto vencedor entendeu que diferentemente do estabelecido no Regime Geral da Previdência Social, o plano privado não fixa quais devem ser os beneficiários do segurado. Nesta toada, salvo previsão contratual contrária, é admitida a indicação de qualquer pessoa física.

Registrei alhures que através de uma visão genérica, sem adentrar em maior profundidade no tema propriamente dito, na oportunidade, meu integral apoio e reconhecimento adequado da tese adotada por aquela Corte, que defendeu o equilíbrio atuarial inserto em todos os contratos de seguro em um sentido lato.

Neste ensaio trago à colação o que divulgou o Informativo Migalhas de 28/08/2024, que contém o seguinte conteúdo, verbis:[i]

“Em pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, foi suspenso o julgamento, no STF, que discute a incidência do ITCMD sobre planos de previdência privada PGBL e VGBL em caso de morte do titular.

Até a suspensão da análise, que ocorria em plenário virtual, o julgamento teve três votos contrários à cobrança do imposto: o do relator, ministro Dias Toffoli, e dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que o acompanharam. Grifo meu.

No recurso, os ministros analisam se, à luz dos artigos 125, § 2º, e 155, I, da CF, a percepção de valores e direitos relativos ao PGBL e ao VGBL pelos beneficiários em decorrência da morte do titular desses planos consiste em verdadeira “transmissão causa mortis“, para efeito de incidência do imposto.

Acórdão do TJ/RJ julgou parcialmente procedente a ADIn local e declarou a inconstitucionalidade da incidência do tributo sobre o VGBL, mas a constitucionalidade da incidência sobre o PGBL. No recurso, o Estado sustenta a validade da cobrança.

O feito é paradigma do Tema 1.214, de repercussão geral. Grifo.

O relator, ministro Dias Toffoli votou pela impossibilidade de incidência do ITCMD sobre os valores recebidos por beneficiários de planos de previdência complementar do tipo VGBL e PGBL em caso de falecimento do titular do plano. Ele argumentou que, em caso de falecimento do titular, tais planos possuem caráter de seguro de vida, no qual há estipulação em favor de terceiro, e, portanto, os valores recebidos pelos beneficiários não constituem herança e não estão sujeitos ao ITCMD”. Grifo meu.

Para o referenciado relator o direito dos beneficiários surge a partir de um contrato de seguro, e não de uma transmissão causa mortis. Quanto ao PGBL, ele também ressaltou a natureza securitária do plano, afirmando que os valores recebidos pelos beneficiários não se enquadram no conceito de herança e, assim como o VGBL, não devem ser tributados pelo imposto.

Para fins de repercussão geral, o ministro propôs a fixação da seguinte tese:

“É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”[ii]

Sem adentrar no longo voto proferido pelo ministro relator, este entendimento a meu sentir se harmoniza tanto com a legislação infraconstitucional, como com a boa doutrina nesta área que cuida dos contratos em espécie, quer o de seguro, quer da Lei da Previdência Complementar.[iii]

Ao tratar daquela Lei Complementar, logo após sua publicação, em passagem ao seu artigo 73 está dito que “as entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras”, ao azo, registrando:

“A lei das sociedades seguradoras aplica-se, subsidiariamente, às entidades abertas da Previdência Complementar. Dessarte, o Decreto-Lei nº73, de 21 de novembro de 1966, aliás, já superado em alguns aspectos jurídicos, in. O Seguro no Direito Brasileiro, 6ª edição, Síntese, junho/2001), ainda se aplica em determinadas hipóteses legais a essas entidades de Previdência Complementar, quando ocorrer lacuna na Lei Previdenciária”.[iv]

Da mesma sorte, ao comentar o artigo 1º da Lei Complementar 109/2001, na parte final de minhas observações a este dispositivo, acentuei:

“Em outras palavras, o artigo desta lei garante ao beneficiário, eleito pelo participante, o recebimento de uma soma de capital constituída por este no decurso de um determinado lapso temporal, valendo dizer que o sistema autônomo vai colmatar um regime deficitário como é atualmente o regime estatal em nosso país”.[v]

Ademais, como consta ainda no corpo do voto do relator no recurso extraordinário indicado em nota de rodapé, se dessume o teor do que consta na Lei nº 11.196 de 21 de novembro de 2005, também conhecida como “Lei do Bem”, que instituiu um regime especial de tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (REPES) e para a Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (RECAP). A lei também estabeleceu um programa de inclusão digital e incentivos fiscais.

Pois bem. Nesta Lei consta um Capítulo que trata – DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO CONSTITUÍDOS POR ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E POR SOCIEDADES SEGURADORAS E DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO PARA GARANTIA DE LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA.

No ponto. Diz seus artigos abaixo transcritos:

“Art. 76. As entidades abertas de previdência complementar e as sociedades seguradoras poderão, a partir de 1º de janeiro de 2006, constituir fundos de investimento, com patrimônio segregado, vinculados exclusivamente a planos de previdência complementar ou a seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência, estruturados na modalidade de contribuição variável, por elas comercializados e administrados.         (Vigência)

Art. 77. A aquisição de plano ou seguro enquadrado na estrutura prevista no art. 76 desta Lei far-se-á mediante subscrição pelo adquirente de quotas dos fundos de investimento vinculados.         (Vigência)

  • 1º No caso de plano ou seguro coletivo:

I – A pessoa jurídica adquirente também será cotista do fundo; e

II – O contrato ou apólice conterá cláusula com a periodicidade em que as quotas adquiridas pela pessoa jurídica terão sua titularidade transferida para os participantes ou segurados.

Art. 78. O patrimônio dos fundos de investimento de que trata o art. 76 desta Lei não se comunica com o das entidades abertas de previdência complementar ou das sociedades seguradoras que os constituírem, não respondendo, nem mesmo subsidiariamente, por dívidas destas.         (Vigência)

Art. 79. No caso de morte do participante ou segurado dos planos e seguros de que trata o art. 76 desta Lei, os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante”.         (Vigência)

Neste diapasão, sem se estender nesta lei que abarcou a Lei Complementar 109/2001, é de se ter presente que as entidades abertas de previdência complementar e as sociedades seguradoras poderão, a partir de 1º de janeiro de 2006, constituir fundos de investimento, com patrimônio segregado, vinculados exclusivamente a planos de previdência complementar ou a seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência, estruturados na modalidade de contribuição variável, por elas comercializados e administrados.

Destarte, como se denota no decorrer expositivo do tema, em caso de morte do participante ou segurado dos planos e seguros de que trata o art. 76 desta Lei, os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante.

Inexistindo transmissão causa mortis no repasse de direitos e valores para os beneficiários, no caso do falecimento do titular do VGBL, não se pode falar em incidência do ITCMD, conforme exaustivamente sublinhado quer pela reportagem aludida, quer pelo substancioso voto proferido pelo ministro relator do processo também assinalado em nota de rodapé.

Porém, estaremos esperando o final do julgamento para se ter uma real dimensão desta matéria sub judice.

Porto Alegre, 29 de agosto de 2024.

[i] https://www.migalhas.com.br/quentes/414071/stf-vista-adia-analise-de-incidencia-de-itcmd-em-previdencia-privada.

[ii] RE 1.363.013. STF

[iii] Artigo 794 do Código Civil e Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001.

[iv] Voltaire Marensi. A Nova Lei da Previdência Complementar Comentada. Síntese Editora, outubro de 2001, página 62.

[v] Obra citada, páginas 15 e 16.