Associações de Socorro Mútua
Por maioria, vencido o ministro Edson Fachin, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, julgou as ADIns sob números 6.753 e 7.151, respectivamente, designado como relator o ministro Gilmar Ferreira Mendes, que concluiu que as normas dos Estados de Goiás e do Rio de Janeiro, teriam violado competência privativa da União para legislar em matéria de direito civil, mormente direito securitário.
Os processos tratavam de normas confeccionadas pelos legisladores desses Estados, cujas regras seriam protetivas aos consumidores filiados às Associações de Socorro Mútuo daquelas entidades lá estabelecidas.
A obra consagrada do grande mestre português, J.C. Moitinho de Almeida na parte introdutória, diz:
“Na Antiguidade dominaram as instituições de assistência mútua, praticando-se alguns contratos em que a assunção do risco não dispunha de autonomia”.[1]
Exemplifica o mencionado autor como era “o caso do nauticum phoenus romano, em que o proprietário de um navio ou um armador recebia de empréstimo, geralmente de um banqueiro, certa quantia igual ao valor das mercadorias transportadas, estipulando-se que, na hipótese de o navio chegar a salvo ao seu destino, devia ser restituído o capital mutuado com um acréscimo que chegava a 15%”.[2]
Na Idade Média também subsistiram essas associações, quando no princípio do século XVI, apareceram os primeiros contratos de seguro.[3]
Retornando ao julgamento que é o objetivo desse ensaio, o relator dos processos em tela afirmou que a parte que arguiu a inconstitucionalidade das leis estaduais, asseverou em seu petitório ofensa a competência privativa da União para legislar em sede de direito civil, seguros e até de captação de poupança popular agredindo, destarte, artigos previstos na Constituição Federal.
Após análise dos autos, o ministro relator entendeu ser procedente a pretensão das ações direta de inconstitucionalidade.
Sobre a matéria, ressaltou ser de extremada importância contextualizar a relevância da regulamentação na política de seguros. E com esteio no princípio de “garantir a higidez econômico-financeira do segurador, a livre concorrência, a proteção do consumidor, e a cooperação entre os seguradores no mercado, seria indispensável a preocupação de se regular e fiscalizar o mercado de seguros”.[4]
Atualmente, continua o voto do ministro relator, “a Constituição Federal impõe ao Poder Público o dever de regular e fiscalizar o mercado de seguros privados, conforme os artigos 21, VIII, e 22, VII e XIX. Assim, verifica-se que a disciplina legal dos temas relacionados a seguros e sistema de captação da poupança popular são de competência privativa da União, bem como a fiscalização desses setores”.
Mutatis, mutandi, foi o que ocorreu quando a Corte em tela derrubou a validade de leis estaduais que permitiam a atuação de associações de proteção veicular.
É de se registrar e, aliás, consta no corpo da decisão proferida pelo douto relator, o enunciado sob número 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, no que concerne à interpretação atribuída ao art.757 do Código Civil/2002, que determina “a disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas, porém não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”.
De fato, o tema é delicado. Existe a normatização constitucional expressa na Constituição Federal dizendo que compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”.[5]
De outro giro, o saudoso doutrinador gaúcho Ovídio A. Baptista da Silva, se valendo do grande jurista alemão Karl Larenz ao tratar de “direitos de cooperação, ensinava que eles se acham muito próximos dos direitos potestativos. Distinguem-se destes pelo fato de não serem direitos apenas no interesse próprio, mas direitos orgânicos, na medida em que possibilitam, não formação exclusiva de uma relação jurídica para o titular, porém sua cooperação para a formação de uma vontade coletiva. Eles estão sujeitos a limitações derivadas do dever de fidelidade do associado perante os demais, bem como perante a associação ou corporação”.[6]
Enfim. Não pretendo alongar-me sobre o tema posto na berlinda, mas penso também que devemos dar uma proteção mais abrangente às associações e cooperativas que muitas vezes mesclam princípios de proteção aos seus associados, sem, contudo, se chocar com peculiaridades inerentes às atividades adstritas ao mercador segurador como parte do contrato de seguro, vale dizer, “entidade para tal fim legalmente autorizada”.[7]
Com uma separação mais nítida e com naturezas jurídicas distintas tanto os associados como os cooperados poderão orbitar melhor nas suas respectivas áreas, tal qual hoje gravita o mercado segurador.
É uma questão a ser melhor estudada por diplomas legais que atendam os anseios dos que trabalham e contribuem para um aprimoramento do bem estar de todos.
Deixo, aqui, uma modesta reflexão sobre essa temática!
Porto Alegre, 16 de maio de 2023.
Voltaire Marensi
Advogado e Professor.
[1] O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado. Livraria Sá da Costa Editora. Lisboa, 1ª edição, 1971, página 5.
[2] Bis in idem
[3] Ibidem, página 6.
[4] Excerto do voto condutor vitorioso.
[5] Artigo 22 e 22, I da CF de 1988.
[6] O Seguro e as Sociedades Cooperativas. Livraria do Advogado/ Editora, Porto Alegre, 2008, página 84.
[7] In fine, do parágrafo único do artigo 757 do Código Civil.