Acidente de trabalho – dano material – a indenização em parcela única nos casos de acidente de trabalho

André Araújo Molina

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Pós-Doutor em Direito do Trabalho (USP), Doutor em Filosofia do Direito (PUC/SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC/SP), Bacharel em Direito (UFMT), Titular da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT), Titular da Academia Mato-Grossense de Direito (AMD), Titular do Instituto Brasileiro de Estudos em Responsabilidade Civil (IBERC) e Juiz do Trabalho Titular no TRT da 23ª Região (Mato Grosso). aamolina@bol.com.br

 

 

Resumo: O artigo trata da incidência e dos critérios de cálculo da indenização em parcela única, do art. 950, parágrafo único, do Código Civil, no contexto das ações de responsabilidade civil ajuizadas na Justiça do Trabalho, que tenham como causas de pedir os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais, nas ocasiões em que a vítima experimentar perda da sua capacidade para o exercício da função.

Palavras-chave: Acidente de trabalho – Dano material – Indenização em parcela única

 

  1. Introdução

 

O art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal afirma que é direito dos trabalhadores o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa, cuja disposição batizou como garantia, além da proteção previdenciária, a possibilidade de ressarcimento mediante o ajuizamento de ação de responsabilidade civil para cobrar, entre outras, as indenizações por danos pessoais e patrimoniais decorrentes do acidente de trabalho ou da doença ocupacional, cuja competência da Justiça do Trabalho foi definida pelo art. 114, VI, da mesma Carta, com a redação dada pela EC n. 45 de 2004 (interpretação da Súmula Vinculante n. 22 do STF[1]).

Estas ações indenizatórias podem fundamentar-se nos diversos microssistemas de responsabilidade civil, transitando entre os grandes gêneros subjetivo e objetivo, exigindo-se a demonstração dos requisitos do ato lesivo, dano, nexo causal e a culpa em sentido amplo, na primeira modalidade, e o dano e o nexo causal, na segunda modalidade mais agravada.

O dano é requisito indispensável em ambos os gêneros, podendo ser conceituado como a violação do conjunto de bens e direitos de que é titular a pessoa humana, a lesão aos seus interesses juridicamente protegidos.

Referida violação repercute sobre a vítima podendo atingir os seus interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais, independentemente do objeto violado em si. Pode haver violação de um objeto, mas com repercussões patrimoniais e extrapatrimoniais, assim como pode haver violação da integridade psicofísica do ser humano, no caso de um acidente de trabalho ou doença ocupacional, com ambas as espécies de repercussões.

Na realidade brasileira, as repercussões patrimoniais são conhecidas como danos materiais e as extrapatrimoniais como danos morais. Essa experiência dogmática foi recolhida pela Constituição Federal, no art. 5º, V e X, e, mais recentemente, no art. 186 do Código Civil, onde o legislador utiliza as expressões danos materiais e danos morais. Especificamente no art. 5º, V, da Constituição, o constituinte acrescenta os danos à imagem, o que levou os intérpretes a reconhecer os danos estéticos como uma espécie autônoma de dano (Súmula n. 387 do STJ).

O art. 950 do Código Civil é bastante claro em divisar os danos materiais em pelo menos três espécies: danos emergentes, lucros cessantes e pensionamento, em cuja disposição legislativa está contido o conceito de cada um deles:

Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Os danos emergentes representam a soma das despesas diretas que o ato ilícito causou, englobando aquelas já realizadas (danos emergentes consolidados), como o custeio do atendimento, internações, cirurgias, remédios, assim como as despesas que ainda precisarão ser feitas (danos emergentes futuros), seja porque o acidentado não teve condições de fazê-las, seja porque as lesões não estão consolidadas, quando do ajuizamento da ação.

A segunda espécie de danos materiais são os lucros cessantes, que são representados pelo montante da perda remuneratória da vítima, no período do tratamento ou convalescença, justamente o período em que ele não receberá remuneração do empregador, porque o contrato estará suspenso a partir do décimo quinto dia.

Nestas ocasiões, no período da convalescença, antes do retorno às atividades, há espaço para condenação do empregador em lucros cessantes, em montante equivalente ao valor dos seus rendimentos líquidos, enquanto perdurar o afastamento (suspensão do contrato).[2]

Superado o lapso da convalescença, pode o acidentado restabelecer completamente a sua saúde e capacidade de trabalho, quando então terá alta médica, submeterá ao exame de retorno e o contrato de trabalho voltará a ser executado normalmente, com a retomada da prestação de serviços na mesma função originária.

Contudo, pode ocorrer hipóteses em que, mesmo com a conclusão do tratamento médico, o trabalhador tem alta médica, mas a sua capacidade de trabalho ficou comprometida, de forma definitiva, ocasião em que passará a ser devida a última espécie dos danos materiais, que é o pensionamento.

A pensão é devida em todas as vezes que, concluído o tratamento médico, verificar-se, por perícia médica oficial no processo judicial, que o acidentado teve perda ou redução de sua capacidade para o trabalho, considerando a sua profissão específica e a função para a qual foi contratado, independentemente de readaptação previdenciária.

Se um motorista profissional não puder mais executar esta atividade específica, para fins de responsabilização civil, será considerado tecnicamente inválido – nada obstante possa estar ativo no mercado de trabalho, readaptado em outra função administrativa compatível e com alta pelo INSS –, caso em que o empregador será condenado no pagamento da pensão mensal vitalícia no montante equivalente aos rendimentos líquidos do lesado, calculados com base na sua função originária de motorista.

Também pode ocorrer de a redução da capacidade de trabalho ser apenas parcial, para a sua função específica, ocasião em que o laudo médico deverá estimar qual o percentual desta redução, a propiciar que o juiz fixe o valor da pensão mensal de forma proporcional à redução da sua capacidade perdida ou diminuída, nada obstante a vítima-trabalhador continue ativa no mercado de trabalho em outra função, mesmo que receba remuneração na ocupação atual nos mesmos patamares. O que a pensão pretende indenizar não é apenas o decréscimo nos rendimentos, mas a capacidade de trabalho para aquela função originária.

  1. Indenização em parcela única

 

Na vigência do Código Civil de 1916, a regra nos casos de perda da capacidade de trabalho era a condenação do causador do dano em uma indenização mensal (pensionamento) equivalente aos ganhos periódicos que a vítima deixou de auferir[3], sem que houvesse espaço para a fixação de uma indenização em parcela única.

Inspirados pela legislação comparada, a exemplo do que ocorre na França, Portugal, Alemanha e Argentina, o legislador do Código Civil de 2002 inaugurou a possibilidade de a vítima exercer a faculdade de substituir a pensão mensal a que teria direito por uma nova indenização, arbitrada em parcela única. A previsão inovadora está no art. 950, parágrafo único, que ostenta a seguinte redação:

O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

A dicção legislativa já esclarece que se trata de um direito potestativo da vítima, inaugurado em 2003, de exercer a opção entre receber uma pensão mensal correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, na forma do caput do dispositivo, ou se prefere receber uma indenização arbitrada e paga de uma só vez, conforme o parágrafo único.[4]

Parece-nos fora de dúvida, dentro dos limites semânticos do texto, que a vítima que exercer a opção de receber uma indenização em parcela única, estará consciente que se trata de um arbitramento, que não corresponde ao valor total que teria direito, caso a sua escolha fosse pela pensão, que seria paga, mês-a-mês, pelos anos de vida que lhe resta.

Isto porque é até intuitivo que a antecipação de valores importa em ganho financeiro ao credor, pela simples atuação da inflação, razão pela qual, p. ex., os acordos trabalhistas em valores parcelados são maiores que aqueles pagos à vista. A Lei n. 11.101/2005, por exemplo, determina, no art. 77, que a decretação da falência importa o vencimento antecipado das dívidas do devedor, com o abatimento proporcional dos juros.

Esta primeira distinção, embora singela, é de suma importância, na medida em que ainda há decisões judiciais trabalhistas que baralham as possibilidades, determinando que o valor a ser pago, de uma única vez, seja igual ao valor que a vítima receberia, mês-a-mês, até atingir a expectativa média de vida, somando-se o décimo terceiro salário neste cálculo.

Tal método de raciocínio, além de contrariar a dicção legislativa – que, repisa-se, fala em indenização a ser “arbitrada” e não “calculada” –, vilipendia, de resto, os fundamentos da responsabilidade civil, eis que a indenização deve medir-se pela extensão do dano.

Full compensation (compensação total), dizem juristas do sistema de common law, assim como os franceses enunciam o adágio tout ledommage, mais rien que ledommage (todo o dano, nada mais do que o dano), para ilustrar o princípio central da reparação integral, que foi acolhido pelo art. 5º, V e X, da Constituição, e reafirmado pelo art. 944 do Código Civil: A indenização mede-se pela extensão do dano.[5]

Exemplificativamente, se o laudo constatar que a vítima, com exatos 30 anos de idade, ficar total e permanentemente incapacitada para as suas funções, o pensionamento deve ser calculado considerando a sua média remuneratória líquida (p. ex., R$ 2.000,00), incluído o décimo terceiro salário, de forma vitalícia. Imaginando que a vítima sobreviverá até os 76 anos (expectativa de vida média para os homens segundo o IBGE), receberá a indenização em 598 parcelas (46 anos de sobrevida X 13 parcelas anuais).

Multiplicando-se tais valores (R$ 2.000,00 X 598 meses) alcançaremos o valor de R$ 1.196.000,00 (um milhão, cento e noventa e seis reais), que não é parâmetro, como dito, quando a opção da vítima for pela indenização em parcela única, na medida em que tal montante supera, em muito, a extensão do dano, quando pago antecipadamente e de uma única vez.

Para atestar, basta, singelamente, que se faça uma aplicação em título público, sem maiores riscos, que acompanhe a variação da taxa básica de juros, para retirar um ganho mensal líquido próximo de R$ 10.000,00[6], na hipótese, valor que é muitas vezes superior ao que recebia na ativa e que receberia se fosse a título de pensão mensal fixada na mesma ação.

Além de o valor exclusivo dos juros mensais, superar, em muito, a parcela que teria direito para manter idêntico padrão de vida, ainda o capital estará protegido, inclusive passará a integrar a herança ao final da vida da vítima, não sem antes ter-lhe resguardado os alimentos durante todo o tempo que seria coincidente com o pagamento da pensão mensal, exorbitando a extensão do dano material sofrido.

Também, quando o pagamento ocorre sob a forma de pensão mensal, poderá ele vir a ser reduzido ou extinto ao longo do tempo, nos exemplos de reestabelecimento da capacidade laborativa, quando haverá ocasião para uma ação revisional, ou mesmo pela morte da vítima, por fatores naturais, antes de atingir a expectativa de vida, como é trivial em qualquer relação jurídica continuativa que engloba pagamento de alimentos.

Logo, parece fora de dúvidas que a técnica de calcular a indenização em parcela única como resultante do somatório de uma futura e provável pensão não é o melhor critério que tenha em mira o princípio fundante da responsabilidade civil que é o de reparar o dano dentro da sua exata extensão.

Se é certo que o valor em parcela única não deve o somatório calculado, mas um valor arbitrado, também é certo que o arbitramento pelo juiz não poderá ser arbitrário, mas deve conformar-se à ideia central da reparação integral, encontrando-se um valor que seja o mais próximo possível da extensão do dano, que seja equivalente ao que a vítima deixou de ganhar com a redução ou perda da sua capacidade para o trabalho.

Dentro desta perspectiva, um primeiro passo dado pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho foi no sentido de que deveria ser levado em conta o rendimento mensal do capital antecipado e não apenas o valor futuro do somatório das prestações mensais, de sorte a que seria o caso de aplicar-se um redutor no pagamento da indenização em parcela única.

Embora vedado ao Tribunal revisitar o contexto fático-probatório dos processos (Súmula n. 126 do TST), nos poucos casos em que a Corte se debruçou no percentual de deságio ou redutor aplicado, validou algo próximo de 20%[7] a 30%[8].

Porém, conforme demonstrado nas linhas acima, mesmo a aplicação de um redutor de até 30%, revelaria, ainda, um resultado bem acima da extensão do dano, na medida em que – a partir do mesmo exemplo matemático retro –, mesmo com o redutor de 30% a indenização arbitrada em parcela única seria de R$ 837.200,00, que aplicado no mesmo título público, renderia mensalmente o valor líquido próximo de R$ 7.000,00, ainda muito acima da perda da capacidade para o trabalho (R$ 2.000,00 ao mês), além da preservação integral do capital.

Nada obstante a existência atual de decisões dos tribunais regionais e do Tribunal Superior do Trabalho validando a aplicação de um redutor sobre o montante encontrado a partir da projeção das pensões mensais que seriam devidas, dentro da mesma Corte Superior um novo passo foi dado, indicando que o valor a ser arbitrado deveria ser proporcional ao montante que, aplicado, rendesse um valor mensal aproximado ao que a vítima teria direito se tivesse optado pelo pensionamento, cuja posição foi sufragada em acórdãos da SDI-1 do Tribunal.[9]

Retomando o exemplo, para o recebimento de uma pensão mensal de R$ 2.000,00, em valores líquidos, o capital aplicado deveria ser algo próximo de R$ 330.000,00, valor este que as citadas decisões da SDI-1 do TST apontam como critério a ser considerado quando do arbitramento em parcela única, do art. 950, parágrafo único, do Código Civil.

Observe-se que o valor de R$ 330.000,00 já é, consideravelmente, menor que o montante de R$ 1.196.000,00, utilizado como parâmetro na primeira fase da jurisprudência, e, sensivelmente, mais baixo que o valor de R$ 837.200,00, utilizado na segunda fase.

Sebastião Geraldo de Oliveira está entre aqueles que defendem a terceira fase da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, argumentando que a diretriz para nortear o arbitramento do valor a ser pago em parcela única deve ser a de que o montante encontrado proporcione rendimentos semelhantes ao valor do pensionamento mensal.[10]

Contudo, uma análise mais detida demonstrará que mesmo a utilização deste valor próximo ao que aplicado daria rendimentos mensais equivalentes ao que a vítima teria direito, ainda estará acima da extensão do dano, pelo simples fato de que o capital restaria preservado, transcendendo o período necessário para a manutenção do acidentado até o fim da sua vida.

Em artigo seminal[11], Estevão Mallet e Flávio da Costa Higa demonstram como as discussões sobre o mesmo tema amadureceram em outras experiências jurídicas, razões pelas quais advertiram que é preciso, primeiro, deixar claro que o art. 950, parágrafo único, do Código Civil deu à vítima a opção de escolha, desde a petição inicial, sobre qual das modalidades de indenização prefere, porém estando consciente e esclarecida, para o legítimo exercício da sua liberdade, que o pagamento em parcela única não significa um cálculo matemático que resulta na somatória das prestações futuras que teria direito se fizesse a opção pelo caminho da pensão; que o valor encontrado não guarda relação com aplicação de um redutor sobre aquele valor projetado (calculado); que o valor recebido não será, necessariamente, equivalente ao montante que, aplicado, daria rendimento próximo ao valor mensal.

Justificam que o valor a ser encontrado, como critério para o arbitramento, deverá levar em conta uma fórmula que aponte um “capital-indenização” que proporcione à vítima um valor que, ao longo do tempo, vá concedendo-lhe ganhos mensais equivalentes, porém estes devem ser formados por parte dos juros do capital e parte sobre o próprio capital (amortização), de modo que o capital reduza pouco a pouco até esgotar-se em um tempo que coincida com a expectativa presumida de vida da vítima.

Os citados autores esclarecem que levar “em conta a vantagem que a vítima obtém pelo recebimento antecipado não significa ruptura com o princípio da reparação integral. Não se trata de abatimento, já que o montante numericamente menor, à vista, tem por objetivo, justamente, equivaler-se ao montante superior, a prazo.”

Apoiando-se no mesmo raciocínio, Amaury Rodrigues Pinto Junior refina o critério e aponta a utilização do cálculo do valor presente para encontrar o montante mais adequado a ser arbitrado em parcela única. Na parte central das suas lições, destaca o autor:

O critério de arbitramento que parece ser o mais adequado para apuração do valor do pensionamento convertido em parcela única é o que utiliza fórmula matemática destinada à obtenção do “valor presente” ou “valor atual”. O modelo é bastante conhecido na área das ciências exatas e é utilizado para inúmeros fins, inclusive para amortização de quantias referentes a empréstimos pagos antes do vencimento. O método leva em consideração o valor periódico e o tempo de duração do pensionamento, considerando-se adequado o ressarcimento, em parcela única, do montante que, submetido à determinada taxa de juros, permita uma retirada periódica que corresponda à renda mensal e, ao mesmo tempo, amortize parte do capital de forma que ele se esgote ao final do período de duração estipulado.[12]

Atualmente, na 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, já há algumas decisões que acolheram a fórmula do valor presente, principalmente em acórdãos relatados pelo Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, depois que ele chegou ao tribunal, tendo como parâmetro de arbitramento do pedido de conversão da pensão mensal em parcela única.

Para estes julgados, a referida fórmula indicaria o montante adequado que leva em consideração o valor periódico e o tempo de duração do pensionamento, de sorte a apontar o valor que, convertido em parcela única, seja equivalente à extensão do dano e os critérios dos arts. 944, caput, e 950, parágrafo único, do Código Civil.[13]

O Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região disponibilizou em seu sítio oficial uma planilha de cálculo para encontrar o valor presente[14], na qual basta às partes, advogados e magistrados inserirem três variáveis, a saber: valor equivalente da pensão mensal, a quantidade de meses que faltam para atingir a expectativa de vida (tabela de mortalidade do IBGE) e a taxa de juros a ser descontada (rendimento em aplicação de renda fixa – ex. SELIC), para encontrar o valor presente no momento exato do pedido ou do julgamento de cada caso concreto.

Recuperando o exemplo concreto que utilizamos ao longo deste texto e inserindo os dados hipotéticos do caso na planilha citada, o valor presente encontrado para fins de pautar o arbitramento da indenização seria de R$ 233.803,31, encontrado a partir da inserção do valor da pensão mensal (R$ 2.000,00), da taxa mensal de juros de 0.85% (rendimento líquido atual do investimento em título público Tesouro SELIC) e a quantidade de 598 parcelas.

Matematicamente, o valor presente de R$ 233.803,31 seria o equivalente exato do valor de R$ 1.196.000,00, quitado ao longo de 598 parcelas futuras, pelos próximos 46 anos de sobrevida estimada da vítima, incluindo-se o décimo terceiro salário ao final de cada ano.

 

  1. Conclusões

 

A nossa compreensão interpretativa do art. 950 do Código Civil, aplicado aos casos de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais julgadas pela Justiça do Trabalho, é na linha de que incumbe à vítima, na sua petição inicial, fazer a opção, informada e segura, sobre a modalidade de recebimento da indenização pela redução ou perda da sua capacidade para o trabalho: se em prestações periódicas mês-a-mês ou se em parcela única.

Se o autor optar pelo segundo caminho, prevista no parágrafo único do dispositivo, deverá o juiz encontrar o valor a ser arbitrado a partir do cálculo do valor presente, sem prejuízo da condenação nas parcelas vencidas (valores integrais), desde a data em que o tratamento foi concluído, as lesões consolidadas e a sua capacidade para o trabalho foi reduzida ou aniquilada.

Haverá, pois, apenas em relação ao pensionamento, a condenação nas parcelas que já venceram (número de meses entre a consolidação das lesões e o julgamento do processo, tendo o valor da remuneração líquida média como base de cálculo para cada mês vencido), bem como a indenização em parcela única (prestações futuras ora convertidas), cujo valor arbitrado levará em conta o valor presente equivalente à antecipação do pagamento.

 

[1] “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da EC 45/2004.”

[2]Registre-se que, nada obstante haja vozes na doutrina que defendem a compensação entre os benefícios previdenciários e o valor dos lucros cessantes, certo é que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é pacífica em torno da natureza distinta das prestações a que a vítima tem direito, não havendo que se falar em dedução ou compensação (Por todos: TST – 3ª Turma – RRAg n. 016003-02.2016.5.16.0001 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DEJT 21.10.2022).

[3]“Art. 1.539. Se da ofensa resultar defeito, pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.”

[4] Ressalve-se que há decisões, tanto no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ – 3ª Turma – REsp n. 1.531.096 – Rel. Min. Villas Bôas Cueva – DJe 23.05.2016), quando do Tribunal Superior do Trabalho (TST – 3ª Turma – ARR n. 034500-55.2011.5.17.0181 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DEJT 22.08.2014), das quais discordamos, que inserem condicionantes não presentes no texto normativo, para entender que o julgador, em cada caso concreto, poderia avaliar sobre a conveniência de adotar pensionamento mensal ou arbitrar uma indenização em parcela única, mesmo que a vítima tenha feito a opção por esta última.

[5] “Observe-se que a eficácia do princípio objeto da norma é dúplice: de um lado, define um limite mínimo da indenização – deve ser todo o dano; por outro, um limite máximo – não pode ser mais do que o dano. Nesse sentido, o princípio da reparação integral estabelece que a indenização deve contemplar todo o dano. Assim, é célebre a formulação presente em diferentes sistemas jurídicos que a adotam de que a indenização da vítima em valor inferior ao dano significa responsabilizar a vítima pelo próprio prejuízo. Por outro lado, ao ser reconhecido o dano como limite máximo da indenização, dá causa a que se considere o impedimento de que seja determinado valor de reparação maior que a sua extensão, o que serve de argumento para afastar qualquer espécie de caráter punitivo ou sancionatório à indenização civil.” (MIRAGEM, Bruno. Direito Civil – Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 358).

[6] Em outubro de 2022, o Título Tesouro SELIC passou a ter rentabilidade bruta de 13,65% ao ano ou 1,072% ao mês, sendo que a alíquota de imposto de renda incidente é de 20% sobre os rendimentos.

[7] “o acórdão recorrido revela consonância com a jurisprudência iterativa, notória e atual deste Tribunal Superior, no sentido de que deve ser aplicado um redutor, sendo razoável entre 20% e 30%, ao montante da pensão mensal vitalícia convertida em parcela única;” (TST – 6ª Turma – RRAg n. 20203-29.2019.5.04.0406 – Rel. Min. Lelio Bentes Correa – DEJT 13.05.2022).

[8] “Ademais, a jurisprudência desta Casa vem se firmando no sentido de ser razoável e proporcional a aplicação do deságio de 30% para os casos em que o pagamento de indenização por danos materiais se der em uma única parcela. Precedentes. Conforme se verifica do acórdão regional, o e. TRT, ao fixar o pagamento da pensão por danos materiais em parcela única, aplicou o deságio de 30% sobre o montante total apurado. Nesse contexto, sopesando as circunstâncias do caso concreto, e seguindo o entendimento deste TST, não se vislumbra motivos suficientes para a revisão do referido percentual. Agravo não provido.” (TST – 5ª Turma – Ag-AIRR n. 1000483-22.2017.5.02.0362 – Rel. Min. Breno Medeiros – DEJT 08.10.2021).

[9] “RECURSO DE EMBARGOS. DOENÇA OCUPACIONAL. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. VALOR ARBITRADO. ART. 950 DO CÓDIGO CIVIL. PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. INCIDÊNCIA DO REDUTOR. O valor da indenização por dano material, relativa à pensão mensal em face de redução da capacidade para o trabalho, para pagamento em parcela única, não deve corresponder à somatória dos valores das pensões mensais a que faria jus o empregado, de modo a não ocasionar o seu enriquecimento sem causa. Também não pode ser arbitrada em quantia que onere indevidamente o devedor, que terá de dispor de quantia pecuniária vultosa de uma só vez. Deve corresponder, assim, a valor que, uma vez aplicado financeiramente, lhe renda por mês o quantum aproximado da pensão devida. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – SDI1 – E-ED-RR 002230-18.2011.5.02.0432 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DEJT 06.05.2016). Em igual sentido: TST – SDI-1 – E-RR n. 047300-96.2006.5.10.0016 – Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta – DEJT 17.02.2017.

[10] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 10 ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 427.

[11] MALLET, Estevão; HIGA, Flávio da Costa. Indenização arbitrada em parcela única – implicações materiais e processuais do art. 950, p. único, do CC. Rev. Fac. Dir. Univ. SP, vol. 108, p. 303-339, jan./dez. 2013.

[12] PINTO JUNIOR, Amaury Rodrigues. A quantificação do dano: acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. São Paulo: LTr, 2016, p. 106-108.

[13] Por todos: TST – 1ª Turma – RR n. 0000158-73.2015.5.05.0193 – Rel. Min. Amaury Rodrigues Pinto Junior – DEJT 07.10.2022, TST – 1ª Turma – RR n. 021124-95.2013.5.04.0406 – Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa – DEJT 18.08.2020, TST – 1ª Turma – RR n. 0020800-02.2017.5.04.0201 – Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann – DEJT 29.08.2022 e TST – 1ª Turma – RRAg n. 000258-62.2014.5.05.0193 – Rel. Min. Amaury Rodrigues Pinto Junior – DEJT 21.01.2022.

[14] (http://www.trt24.jus.br/web/guest/calculo-do-valor-presente).