A Origem Normativa do Seguro no Brasil

 Este título parece, em um primeiro momento, apenas discorrer sobre um enfoque histórico que marca o início legislativo do seguro em nosso país.

Porém, vou tentar ir um pouco mais além procurando demonstrar que as leis criadas não podem ficar engessadas a uma excessiva regulamentação estatal, tão intensa e ampla como no Direito dos Seguros.[1]

A atual implementação dos órgãos que disciplinam o contrato de seguro no Brasil estão presentes no inciso I do artigo 32 do Decreto-Lei número 73/66, que determinou a criação do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, com o objetivo de “fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados”, e também através da figura normativa da Superintendência de Seguros Privados,– SUSEP, executora da política traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras”.[2]

Como muito atentamente ensinou o maior jurista de todos os tempos “de ordinário, a publicização, mesmo se atenua ou retira o caráter contratual do seguro, não pré-exclui a supletividade das regras jurídicas de direito privado”.[3]

E esse ensinamento ainda se arrasta até os dias de hoje.

As normas consubstanciadas no Direito Comercial e no Direito Civil, de lege lata, orbitam no setor securitário a fim de que o dirigismo estatal não se consolide como um império discricionário no âmbito do direito privado.

A existência e o marco legislativo que ainda vige em nosso Direito Comercial, ajudam a compreender melhor o que se tentará demonstrar neste ensaio.

Aquele vetusto Código contém normas atinentes ao direito marítimo[4], que continuam vigorando até os dias de hoje. Porém, os princípios e normas derrogadas no sobredito diploma legal servem como fonte normativa interessante, segundo discorre Pedro Marcos Nunes Barbosa, ao registrar o que disse o legislador no artigo 130 do Código de comércio. Ali estava escrito:

“As palavras dos contractos e convenções mercantis devem inteiramente entender-se segundo o costume e uso recebido no commercio, e pelo mesmo modo e sentido por que os negociantes se costumão explicar, posto que entendidas de outra sorte possão significar cousa diversa”.

Continuando seu raciocínio lógico dedutivo o mencionado articulista arremata:

“Tangenciando – a teor do dispositivo acima – a hipótese de ambiguidades de significantes clausulados permitirem significado díspares. Nesse contexto de um negócio por adesão no ambiente empresarial, as fontes materiais dos usos e costumes mercantis serviriam a minimizar a moldura hermenêutica e a reduzir a norma pactuada àquilo que era um hábito setorial. Tal premissa não tem nada de trivial, já que aquilo que é praxe no ramo securitário das embarcações marítimas não encontra ressonância no ambiente dos seguros residenciais, automobilísticos ou pessoais”.[5]

Eis pois, uma amostragem de que as normas supletivas do Código Comercial socorrem o intérprete na boa aplicação da norma securitária.

Da mesma forma o princípio da boa-fé um dos pilares do contrato de seguro disciplina que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.[6]

Encontramos, pois, normas supletivas que embora não mais vigentes, no caso da parte geral do Código Comercial acima transcrito, porém outras ainda válidas e de plena eficácia naquele diploma e no atual Código Civil, que ajudam a orientar e construir uma melhor interpretação de um contrato relacional no qual o mundo não teria a segurança que lhe é conferida pela relação securitária.

Não se trata apenas de dogmatismos, mas de demonstrações de que o contrato-tipo, qualquer que seja, carece de normas ancilares que protegem e dão maior segurança às relações comerciais.

Mesmo que se lute e se conquiste uma legislação mais moderna dirigida especificamente ao contrato de seguro não poderemos olvidar de certos regramentos que irão colmatar certos fatos que, inexoravelmente, evoluem com o perpassar do tempo.

Não é de retornar ao passado no sentido de se recriar um Código de Obrigações, – objeto de muita celeuma – até porque uma Lei mais atualizada a exemplo de um Código de Seguros, supriria melhor fatos que estão em constante mudança com o advento da era tecnológica.

Permiti, porém, fazer essas breves considerações para ressaltar e realçar a importância de diplomas legais que servem como auxiliar de outras leis, malgrado obedecendo sempre o preceito constitucional da hierarquia das leis, situação que nunca deve ser desprezada sob pena de termos, aí sim, uma verdadeira insegurança jurídica em nossa legislação securitária.

 

[1] Clóvis Veríssimo do Couto e Silva. O Seguro no Brasil e a Situação das Seguradoras. Revista dos Tribunais e Revista Ajuris no ano de 1985.

[2] Decreto- lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, com suas alterações.

[3] Pontes de Miranda. Tratado de Direito privado, volume 43. Editor Borsoi.

[4] Lei número 556, de 25 de junho de 1.850. Parte Segunda – Do Comércio Marítimo, especificamente Dos Seguros Marítimos, artigo 666 e seguintes.

[5] Direito dos seguros. Comentários ao Código Civil. Ilan Goldberg e Thiago Junqueira Coordenadores.Gen/Forense, 2023.

[6] Artigo 422 do Código Civil.

 

Porto Alegre, 03/07/2023.

 

 Voltaire Marensi.

 Advogado e Professor.