A Cobrança de Taxa de Água e o STJ

Gisele Leite

Professora universitária aposentada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Presidente da Seccional RJ da ABRADE. Pesquisadora-chefe do INPJ. Trinta e sete obras jurídicas publicadas. Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos.

 

No dia 20 de junho de 2024, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o tema de relevância para o saneamento básico, que é o fornecimento de serviço público de fornecimento de água e coleta de esgoto e, ainda, para o direito do consumidor, alterando entendimento anterior.  Segundo o Ministro Paulo Sérgio Domingues, o STJ apreciou a cobrança da tarifa nas hipóteses em que o imóvel possui mais de uma unidade consumidora, mas tem um único medidor ou hidrômetro, uma situação peculiar aos condomínios.

Eis que o entendimento prevalente e fixado em 2010 era no sentido de ser ilícita a prática das concessionárias de realizar a cobrança com fulcro na multiplicação de tarifa mínima pelo número de economias. Mesmo havendo um só hidrômetro, o STJ fixou sua tese no vetor de que a cobrança é feita com base no consumo aferido pelo medidor. Com o passar do tempo, surgiram divergências de entendimento nos tribunais brasileiros com relação a aplicação da tarifa progressiva ou meso a tarifa mínima. E, então, surgiram entendimentos que indicavam que o número de economias devria ser considerado para fins de aplicação da tarifa progressiva, resultando em critério híbrido de cobrança.

Porém, outros estudiosos entendiam que a progressividade deveria mesmo incidir sobre a integralidade do consumo de água auferido, desconsiderando o número de unidades consumidoras do imóvel.

De acordo com o Marco Regulatório do Saneamento Básico, ou seja, a Lei 14.026/2020 passou prever a estrutura tarifária de cobrança dos serviços que deverá observar a quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, conforme o artigo 30, III da Lei 11.445/200, o que suscitou a necessidade de revisão da tese fixada pelo STJ que desconsiderava a tarifa mínima para tais unidades consumidoras.

Pairava certa dúvida sobre a interpretação do entendimento do STJ ou a necessidade de revisão do entendimento já fixado. A tese proposta pelo Ministro Relator Paulo Sergio Domingues e fixada pelo colegiado reputa como ILEGAL tanto a cobrança que considere uma única unidade consumidora para fins de aplicação da progressividade, fazendo, assim, que recaia sobre a integralidade do consumo auferido, quanto a que dispense cada economia do pagamento da tarifa mínima (o que era causado pela adoção do critério híbrido de cobrança).

Foi considerada legítima a cobrança que, quando houver um único hidrômetro, calcula a fatura com base na multiplicação da tarifa mínima pelo número de economias, ainda que o consumo mensurado pelo hidrômetro tenha sido inferior.

Assim, portanto, a tarifa progressiva apenas incidiria sobre o consumo que exceder essa multiplicação. O relator, em seu voto entendeu que essa forma de cobrança não representa enriquecimento sem causa das concessionárias, e destacou a recente Lei 14.828/2024 ao instituir a norma geral da tarifa social de água e esgoto que concedeu o desconto de cinquenta por cento sobre a primeira faixa tarifária), não eximiu os menos abastados do pagamento da tarifa mínima, daí o porquê não se poderia isentar os demais consumidores da idêntica obrigação.

In litteris, julgamento da REsp 1.937.891/SP:

  1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
  2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
  3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.

O Ministro Paulo Sergio Domingues propôs a modulação dos efeitos do julgamento, destacando que, dada a divergência de interpretação do entendimento anteriormente fixado no STJ, a modulação incidiria de forma diversa, a depender da situação de cada caso concreto.

Assim, nos processos em que foi determinada a cobrança segundo o consumo medido no hidrômetro, mas considerando o número de unidades consumidoras para fins de incidência da tarifa progressiva (critério híbrido de cobrança), a concessionária terá o direito de alterar a forma de cobrança somente após a transposição do resultado do julgamento para os processos em curso, vedada a cobrança de valores pretéritos. (grifo meu)

Enfim, no caso em que praticada a cobrança segundo a multiplicação de tarifas mínimas pelo número de economias, a despeito do entendimento até então adotado pelo STJ, o relator destacou que nenhuma modulação seria necessária, impondo-se a improcedência da ação proposta pelos consumidores.

Segundo Gabriel Dal Moro, Mariana Lemos Fernandes e Felipe Malvão ao resolver tal divergência pendente há anos, o STJ contribuiu para um ambiente jurídico mais estável e previsível que é salutar e fundamental para o desenvolvimento sustentável e eficiente dos serviços públicos no Brasil.

 

Referências.

FERNANDES, Gabriel Dal Moro; LEMOS, Mariana da Costa M. C.. MALVÃO, Felipe N. STJ altera entendimento sobre a cobrança de tarifa de água.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jun-27/stj-altera-entendimento-sobre-cobranca-de-tarifa-de-agua/ Acesso em 28.6.2024.