
Traumatologia Forense Imprecisões Meramente Materiais no Exame de Corpo de Delito
Paulo José Freire Teotônio
Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), Pós-graduado (especialização) pela Faculdade de Direito Municipal de Franca. Mestre e Doutor pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP-SP). Foi Coordenador dos Cursos de Direito das Faculdades Unificadas de Barretos (UNIFEB) e do Instituto Municipal de Ensino de Bebedouro (IMESB-VC). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Henrique Augusto Freire Teotônio
Advogado, Bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito “Laudo de Camargo”, da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP, Especialista em Advocacia Criminal e Teoria do Delito pela Universidade de São Paulo (USP), Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Pós-graduando em Direito Público e Privado na Universidade de Santiago de Compostela, pós-graduado em direitos humanos (PUC-RS), Parecerista e autor de obras jurídicas
Ana Sofia Freire Teotônio
Advogada, Pesquisadora, Bacharel em Direito pela Faculdade Laudo de Camargo da UNAERP/RP, Especialista em Direito Desportivo. Procuradora do TJD/SP
Reila Cabral Sasso
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) (2014). Mestra em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) (2016). Pós-graduada em Ciências Criminais pela Faculdade de São Vicente (FSV) (2022). Analista Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo
RESUMO
O presente trabalho versa sobre a avaliação de acórdão de instância superior com conteúdo de traumatologia forense, notadamente de lesão conceituada na categoria equimose, tratando-se de lesão contusa ou contundentes, cujo laudo do exame de corpo de delito cotinha imprecisão ou inexatidão, no que concerne a data, equívoco meramente matéria, convalidável a qualquer tempo.
INTRODUÇÃO
A traumatologia refere-se ao estudo das lesões corporais e condições patológicas evidenciadas no corpo humano. As lesões podem ser momentâneas ou tardias e são geradas através de violência e agressões.
O estudo dos traumas gerados no corpo humano também é chamado de Lesonologia Médico-Legal. O objetivo da traumatologia é analisar os acontecimentos e suas origens de forma a esclarecer determinada situação e explicar cientificamente situações com lesões.
A importância de se entender o que e como as lesões no corpo humano foram causadas estão ligadas com as medidas posteriores que devem ser adotadas. Dessa forma, como o esclarecimento de aspectos fatuais poderão ser aplicadas as medidas legais, sociais e econômicas.
A traumatologia está inserida dentro da medicina legal, sendo de grande importância para a aplicação de sanções penais, civis e trabalhistas. A traumatologia aborda as variadas energias que podem causar lesões, sendo elas: energia mecânica, energia física, energia química e energia biodinâmica.
Os possíveis agentes mecânicos causadores de lesões poderão ser uma arma propriamente dita como um punhal, uma arma ou um soco inglês, poderão ser armas eventuais como uma faca de cozinha, um machado e uma navalha, armas naturais como mãos, pés e dentes ou outros meios como animais, explosivos e veículos.
Os agentes físicos estão relacionados com a mudança ou alteração do estado natural do corpo humanos. Eles são a temperatura, a radioatividade, a eletricidade e a pressão atmosférica, ou seja, são formas que ultrapassam o limite fisiológico humano, ocasionando danos ou a morte.
Os agentes químicos são substâncias que alteram o estado químico, físico ou biológico ocasionando danos ou a morte. As substâncias poderão ser cáusticas ou venenos. As energias Biodinâmicas são a combinação de duas energias.
As lesões podem ser ocasionadas por agentes: perfurantes, cortantes (esgojamento, degolamento, decapitação, evisceração e lesões de defesa) e contundentes, perfuro-cortantes, perfuro-contudentes e corto-cortudentes.
As lesões de ordem físico-químicas são aquelas causadas por asfixia e poderão ser internas: equimoses vicerais (Mancha de tardieu), equimoses difusas (Manchas de Paultauf), congestão poliviceral e sangue. Também poderão ser externas: manchas de hipóstase, cianose, equimose, espuma, escoriações ungueais e procidência da língua.
- DO LADO PERICIAL E DAS LESÕES
O reconhecimento da ocorrência da lesão é feito através de documento oficial de exame pericial na vítima, denominado exame de corpo de delito de pelo qual se atribui a extensão dos danos provocados. Tal exame deve ser requisitado por autoridade pública (juiz, promotor ou delegado de polícia), dirigido a um médico legista, devendo conter alguns elementos imprescindíveis para a realização do laudo, tais como a completa identificação da pessoa, a hora, local e finalidade do exame.
O laudo pericial consiste numa narrativa contínua, feita à medida em que o exame é efetivado pelo legista, de forma abreviada e sucinta, com anotação do que for essencial, devendo o perito assinalar as lesões ou sua ausência, os locais e tipos de lesão.
Imperioso ressaltar que a Traumatologia Forense estuda das diversas modalidades de energias causadoras de danos, sendo tais energias divisadas em mecânica, física, química e biodinâmica, devendo compor o resultado do exame pericial.
As provocadas por ação mecânica podem ter seus resultados externa ou internamente, podendo ter como repercussão o impacto de um objeto em movimento contra o corpo humano parado (meio ativo), ou o instrumento encontrar-se imóvel e o corpo humano em movimento (meio passivo), ou, finalmente, os dois se acharem em movimento, indo um contra o outro (ação mista).
As lesões provocadas por ação mecânica no ser humano podem ter seus resultados externa ou internamente.
Podem ter como repercussão o impacto de um objeto em movimento contra o corpo humano parado (meio ativo), ou o instrumento encontrar-se imóvel e o corpo humano em movimento (meio passivo), ou, finalmente, os dois se acharem em movimento, indo um contra o outro (ação mista).
Os meios agem por meio dos mecanismos de pressão, percussão, tração, torção, compressão, descompressão, explosão, deslizamento e contrachoque.
DA EQUIMOSE, CONCEITO, CAUSA, PROGRESSÃO E DISTINÇÃO
A equimose é uma mancha na pele de coloração arroxeada, surgindo geralmente após o rompimento de vasos sanguíneos. Elas vão desaparecendo de forma gradua, ao longo do tempo, conforme o organismo vai absorvendo o líquido que foi extravasado.
A equimose é caracterizada por um sangramento em que ocorre a infiltração do sangue nos tecidos do corpo, resultando em manchas roxas no corpo.
Comumente, ocorre confusão entre um hematoma e uma equimose. O hematoma acontece quando a contusão rompe vasos de maior calibre, derramando-se uma maior quantidade de sangue, que pode infiltrar-se no tecido celular subcutâneo e nos músculos. Ambos podem surgir após uma lesão. Um exame direto do local e uma detalhada história clínica são suficientes para que o médico faça um diagnóstico da origem da equimose.
A equimose geralmente apresenta-se avermelhada, vindo a avançar para azul ou roxo escuro, dentro de algumas horas, vindo, em seguida, a passar para uma cor amarela ou verde, depois de alguns dias. A equimose é dolorosa durante os primeiros dias, desaparecendo enquanto a cor desbota, não existindo, durante a progressão, uma vez que a pele não é quebrada por uma ferida, risco de infecção.
A sugilação é uma forma de equimose, que dá ensejo ao aparecimento de vários pontinhos como grãos de areia, geralmente superficiais.
Os Mecanismos que podem produzir equimoses são a compressão (soco, pontapé, paulada, chicotada etc), tração (beliscão), sucção (beijo) e esforço (aparece geralmente nos olhos). Algumas podem ser meramente emotivas.
DAS LESÕES CONTUSAS
As lesões contusas são as escoriações, as equimoses, os hematomas e as fraturas. As escoriações, por primeiro, têm origem em uma ação tangencial dos meios contundentes, podendo ser encontrada isolada ou associada a outras modalidades de lesões contusas mais graves. Tem elas reduzido significado clínico, assumindo, contudo, valor indiscutível na perícia médico-legal. Dessa forma mais objetiva, pode ser definida como arranchamento da epiderme e o desnudamento da derme, de onde fluem serosidade e sangue.
As equimoses são lesões que se traduzem por infiltração hemorrágica nas malhas dos tecidos, sendo necessária a presença de um plano mais resistente abaixo da região traumatizada e de ruptura capilar, permitindo, assim, extravasamento sanguíneo.
Os hematomas consistem no extravasamento de sangue de um vaso bastante calibroso e a sua não difusão nas malhas dos tecidos moles. Formam-se no interior dos tecidos, verdadeiramente cavidades, onde surge uma coleção sanguínea. Pela palpitação da região afetada, percebe-se a sensação de flutuação.
As fraturas, por fim, decorrem dos mecanismos de compressão, flexão ou torção, sendo caracterizada pela solução de continuidade dos ossos. São chamadas de diretas, quando se verificam no próprio local do traumatismo, sendo chamadas de indiretas em ocasiões em que provêm de violência em uma região mais ou menos distante no local do fraturado.
A contusão é a lesão provocada por instrumento contundente, que é aquele agente mecânico, que atuando por violentamente por pressão, explosão, flexão, torção, sucção, percussão, distensão, compressão, descompressão, arrastamento, deslizamento, contragolpe, ou de forma mista, traumatiza o organismo.
Os instrumentos contundentes podem ser: órgãos de defesa e ataque do homem e dos animais: punhos fechados, unhas dos homens, garras dos animais. São usuais os instrumentos feitos para agressão, como o soco inglês, cassetete, sendo ocasionais, por outro lado, qualquer coisa que possa ser utilizada para agredir, dissociada da finalidade de uso original (Ex: bengala, taco de golfe).
As superfícies duras, como o solo, pavimentos, dentre outros, são chamados de corpos contundentes, posto ser a ação passiva, ao contrário da ação ativa dos instrumentos.
Fala-se em contusão na forma genérica do derramamento de sangue nos interstícios tissulares, sem qualquer efração dos tegumentos, como consequência de uma ação traumática sobre o organismo, sendo elas classificadas como: a rubefação, escoriação, equimose, hematoma, ferida contusa, fraturas, luxações, entorses e roturas viscerais.
A Rubefação pode ser entendida como a congestão repentina e momentânea de uma região do corpo atingida pelo traumatismo, evidenciada por uma mancha avermelhada, efêmera e fugaz, que desaparece em alguns minutos, podendo ser citada, a título de exemplo, a bofetada. Ela não pode ser considerada, para efeitos médicos, uma lesão, por não apresentar significativas e permanentes modificações de ordem estrutural, mas o é sob o ângulo da Medicina Legal. Diante da sua brevidade, exige ela brevidade na averiguação dos indícios.
A Escoriação é definida como o arrancamento da epiderme e o desnudamento da derme, de onde fluem serosidade e sangue. Trata-se de uma lesão diante da qual o agente contundente desliza sobre a pele, tendo como resultado a ação tangencial dos meios contundes, podendo ser encontrada isolada ou associada a outras modalidades de lesões contusas mais graves. É uma lesão resultante de um trauma por abrasão linear ou com pequenas manchas, pontos ou depressões, produzida por meios mecânicos, por exemplo, o ato de coçar, o arranhão, as algemas.
A escoriação típica é considerada aquela em que apenas a epiderme sofre a ação da violência. A sua evolução está sujeita a variáveis para o tempo de reparação, como a profundidade, a vascularização e a velocidade da renovação epitelial.
A Equimose é lesão que consiste em infiltração hemorrágica nas malhas dos tecidos. Para que ela se configure, é necessário a presença de um plano mais resistente abaixo da região traumatizada e de rotura capilar, permitindo, assim, o extravasamento sanguíneo. Em geral, são superficiais. Ela nem sempre surge de imediato ou nos locais de traumatismo. A tonalidade da equimose é outro aspecto de grande interesse médico-pericial. De início, é sempre avermelhada. Depois, com o correr do tempo, ela se apresenta vermelho-escuro, violácea, azulada, esverdeada e, finalmente, amarelada, desaparecendo em média, entre 15 e 20 dias, cronologia esta incerta, levando em conta as dimensões da equimose, sua localização e os próprios fatores individuais.
A mudança de tonalidade tem o nome de “espectro equimótico de Legrand duSaule”, sendo, em geral, vermelha no primeiro dia, violácea no segundo e no terceiro, azul do quarto ao sexto, esverdeado do sétimo ao décimo, amarelado por volta do 12º dia, desaparecendo em torno do 15º ao 20º. O tempo de duração e a tonalidade das equimoses variam de acordo com a quantidade e a profundidade do sangue extravasado, com e elasticidade do tecido que pode ou não facilitar a reabsorção, com a capacidade individual de coagulação, com a quantidade e calibre dos vasos atingidos e com algumas características das vítimas como idade, sexo, estado geral.
O Hematoma causa maior extravasamento de sangue de um vaso bastante calibroso e a sua não-difusão nas malhas dos tecidos moles dão, em consequência, um hematoma. Formam-se, no interior dos tecidos, verdadeiras cavidades, onde surge uma coleção sanguínea. Pela palpação da região afetada, percebe-se a sensação de flutuação.
O hematoma, em geral, faz relevo na pele, tem delimitação mais ou menos nítida e é de absorção mais demorada que a equimose. Os instrumentos contundentes, atuando violentamente, ocasionam hematomas.
A Rotura visceral são derivações que podem provocar a ruptura dos órgãos internos. Alguns órgãos são mais suscetíveis a rupturas, como o fígado e o baço.
DA GRADAÇÃO DOS ERROS E SUA CONVALIDAÇÃO
Imperioso, prefacialmente, perquirir das formas de erro e sua consequência para a solução do contido na apelação a seguir:
APELAÇÃO CRIMINAL – LESÃO CORPORAL – Pleito de absolvição – Alegação de ausência de prova da materialidade em razão de eivas no auto de exame de corpo de delito – Inocorrência – Perícia despida de qualquer nódoa – Equívoco na referência à data dos fatos que constitui mero erro material – Dia dos fatos inequívoco nos autos – Alegação de que as equimoses deveriam apresentar cor azulada, de acordo com o tempo decorrido – Insubsistência – “Espectro equimótico de Legrand duSaulle” que não constitui demonstração irrefutável, mas tendência indiciária cronológica – Aspecto roxo ou violáceo compatível com a doutrina médico-legal – Divergências, dentro da medicina legal acerca da precisão da evolução cromática equimótica – Variáveis de toda ordem que podem interferir em tal aspecto – Cor descrita no laudo compatível com o histórico médico da vítima – Materialidade demonstrada – Autoria evidenciada pela prova oral – Reprimenda aplicada no mínimo – Regime inicial mais brando – Concessão da suspensão condicional da pena – Decisão incensurável. Recurso desprovido. (TJ-SP – APL: 00229690420128260482 SP 0022969-04.2012.8.26.0482, Relator: Camilo Léllis, Data de Julgamento: 26/05/2015, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 01/06/2015).
Por primeiro, compete ponderar que o erro formal não vicia e nem torna inválido o documento. Haverá um erro formal no documento quando for possível, pelo contexto e pelas circunstâncias, identificar a coisa ou validar o ato. Tal ocorre quando o documento foi produzido de forma diferente da prevista em lei, mas alcançou os objetivos pretendidos, razão pela qual é o documento reputado como válido.
Por outro vértice, o erro material é aquele de fácil constatação, perceptível imediatamente, não carecendo de maior detimento para detectar que há um flagrante desacordo entre a vontade e o que de fato foi expressado no documento, sequer sendo necessária a interpretação, do erro, sendo é percebido por qualquer pessoa, tratando-se de erro “grosseiro”, manifesto, que não pode macular o documento, sendo passível de reparação. Em suma, o erro material exige a correção, uma vez que constatada a mera inexatidão material, ou seja, reflete uma situação ou um dado que obviamente não ocorreu.
A falha substancial, por sua vez, torna incompleto o conteúdo do documento e, consequentemente, impede que a conclusão da suficiência dos elementos exigidos, pelo que deve ser invalidado pelo intérprete ou julgador, não se tratando de um simples lapso material ou formal, mas de “erro substancial”, ou seja, aquele que interessa à natureza ou cerne do conteúdo do documento. A falta de informação indispensável ao documento configura erro grave – substancial – que o torna inválido.
Ao contrário do erro formal ou material, nas situações de erro substancial, o documento será suscetível a anulação, uma vez que restarão descumpridos princípios básicos, tais como o princípio da isonomia, da vinculação ao instrumento convocatório, da legalidade, da segurança jurídica, entre outros.
Para os demais erros, perfeitamente aplicável o princípio da instrumentalidade das formas, que reza que os atos, em regra, não dependem de forma predeterminada, senão quando a lei expressamente o prever, sendo considerados válidos os que, realizados de outro modo, alcancem os seus objetivos precípuos.
As eventuais irregularidades ocorridas na fase da investigação, onde se inserem as perícias médicas, não atingem o processo. Neste sentido, a jurisprudência do STF:
“A jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que ‘o inquérito policial é peça meramente informativa, não suscetível de contraditório, e sua eventual irregularidade não é motivo para decretação da nulidade da ação penal’ (HC 83.233/RJ) — Rel. Min. Nelson Jobim — 2ª Turma — DJ 19.03.2004)” (STF — HC 99.936/CE — 2ª Turma — Rel. Min. Ellen Gracie — DJe -232 11.12.2009).
De se observar, que a doutrina emprega a denominação irregularidade para designar o vício que decorre da desobediência ao modelo legal ou por inexatidão de dados, os quais, todavia, não tem qualquer repercussão no regular andamento do procedimento penal, não ensejando qualquer consequência.
Com efeito, reza o diploma adjetivo:
Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.
Tal previsão orienta o intérprete a analisar as questões que envolvam juízo sobre a invalidade de atos processuais, cujas formas não são um fim em si mesmas, tendo natureza instrumental, ou seja, são meios destinados a garantir determinada finalidade.
Neste sentido, imperiosa a assertiva de Ada Pellegrini:
“Constitui seguramente a viga mestra do sistema das nulidades e decorre da ideia geral de que as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito; sendo assim, a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando a própria finalidade pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício”. (PELLEGRINI, 2014).
Desta forma, se um ato ou o teor de um documento público, apesar de imperfeito, atingir a sua finalidade precípua, não poderá dar a decretação de nulidade, na exata dimensão do art. 572, II, do CPP.
Não se haveria falar, pois, na nulidade em inexatidão ou equívoco quanto a data, por não afetar a exatidão das conclusões do laudo, pelo princípio do prejuízo, eis que:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Desta forma, pressuposto basilar para a invalidação de qualquer ato a ocorrência de efeitos prejudiciais às partes ou ao julgamento de mérito, mostrando-se insuficiente, para o decreto de nulidade, a simples imperfeição do ato, notadamente aqueles em que a mera inexatidão de datas, como no caso do acórdão objeto do presente trabalho, que nenhuma outra repercussão teve sobre os fatos ou a precisão das conclusões do legista.
Destarte, não há de se falar em nulidade de ato por mera irregularidade ou imperfeição, sem que haja prejuízo decorrente deste específico. O prejuízo, aliás, precisa ser convenientemente demonstrado na esteira da jurisprudência do STF:
“A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563, do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, visto que, conforme já decidiu a Corte, ‘o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades — pas de nullitésansgrief — compreende as nulidades absolutas” (HC 81.510, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 12/04/2002)” (STF — HC 99.053/MG — 1ª Turma — Rel. Min. Dias Toffoli — DJe 29.11.2010).
Importante consignar a existência de mecanismo de convalidação de eventuais omissões ou erros meramente materiais, como é o caso da data, que pode ser levado a efeito a todo tempo, podendo ser citada, nesse passo, jurisprudência do STJ:
“HC — Constitucional — Processual Penal — Corpo de delito — O corpo de delito, na clássica definição de João Mendes, é o conjunto dos elementos sensíveis do fato criminoso. Diz-se direto quando reúne elementos materiais do fato imputado. Indireto, se, por qualquer meio, evidencia a existência do acontecimento delituoso. A Constituição da República resguarda serem admitidas as provas que não forem proibidas por lei. Restou, assim, afetada a cláusula final do art. 158, CPP, ou seja, a confissão não ser idônea para concorrer para o exame de corpo de delito. No processo moderno, não há hierarquia de provas, nem provas específicas para determinado caso. Tudo que lícito for, idôneo será para projetar a verdade real. No caso concreto, além da confissão, houve depoimento de testemunha”.
O exame do corpo de delito mencionado no acórdão em destaque por conter inexpressivo equívoco de digitação a toda evidência, não poderá ser tomado como objeto de nulidade, devendo ser convalidado ou corrigido.
- CONCLUSÃO
Conforme enfatizamos ao longo do presente labor, a traumatologia forense enfoca o estudo das lesões corporais e das condições patológicas inerentes ao corpo humano, também sendo denominado de lesonologia médico-legal, objetivando analisar acontecimentos e suas origens, esclarecendo e explicitando situações com lesões.
A relevância da compreensão de como as lesões foram causadas interliga-se com as providências ulteriores que necessitam ser adotadas, sendo a traumatologia ramo da medicina legal importante para a aplicação de sanções.
Com as lesões, conforme estabelecido, podem ser causadas por agentes mecânicos, físicos, químicos ou biodinâmicos. Podendo derivar de agentes perfurantes, cortantes e contundentes, perfuro-cortantes, perfuro-contundentes e corto-contundentes.
O documento que reconhece e precisa as lesões é o laudo do exame de corpo de delito, perícia técnica requisitada pela autoridade competente, que deve ser elaborado por profissional da medicina, contendo elementos indispensáveis, podendo ser citados a identificação da pessoa, a hora, local e finalidade do exame, consistindo em narrativa contínua do legista sobre o que essencialmente é observado.
Para nosso estudo, demostrou-se indispensável o estudo da equimose, que é uma mancha arroxeada na pele, derivada geralmente do rompimento de vasos sanguíneos, caracterizada por sangramento ou infiltração de sangue nos tecidos do corpo, apresentando-se inicialmente avermelhada, vindo a avançar para azul ou roxo escuro, posteriormente para amarelo ou verde.
Dentro da compreensão do estudo enfocado, também importante foi o estudo das lesões contusas, que são as escoriações, as equimoses, os hematomas e as fraturas provocadas por instrumentos contundentes, que podem ser de defesa ou ataque, assim como usuais e ocasionais, podendo derivar, ainda, de instrumento de ação ativa ou passiva.
Após detrimento do estudo do trauma, suas causas e evolução, ponderamos sobre o teor do acórdão objeto do questionamento inicial. Nesse passo, tornou-se relevante a análise de virtuais erros, que foram analisados e distinguidos, culminando na conclusão de que o acórdão referia-se a erro meramente material que é aquele de constatação imediata, de fácil percepção, não carecendo de maior observação para detectar um flagrante desacordo entre o fato e o expressado no documento.
No caso em tela, reclamou-se de equívocos quanto a data, salientando-se nulidade do laudo em razão de supostas contradições quanto a dinâmica evolutiva das lesões. O acórdão, todavia, acertadamente, concluiu pela impertinência das alegações.
Por primeiro, o acordão identificou que se tratava de erro meramente material, sanável, estando a data do fato inequívoca no bojo dos autos. De outro lado, os julgadores realçaram que a dinâmica da progressão da coloração é variável sendo distinta em cada caso concreto submetido a exame, rechaçando assim, equívocos do laudo.
Dessa forma, não haveria como concluir por nulidade, não só pelo mero equívoco de ordem material, como pelo conteúdo da narrativa dos peritos, que evidenciava com precisão a ocorrência e dinâmica das lesões, estabelecidas pela análise precisa do caso concreto.
- REFERÊNCIAS
CROCE JUNIOR, Delton. CROCE, Delton. Manual de Medicina Legal. 8a Edição. Saraiva. 2012.
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.
FRANKLIN, Reginaldo. Medicina Forense aplicada. Editora Rubio. Rio de janeiro. 2018.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rev. E atual. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.
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