
Transferência de Empregado Público: Considerações Sobre a Lei 15.175/2025
Gustavo Filipe Barbosa Garcia
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor Universitário. Advogado.
A Lei 15.175, de 23 de julho de 2025, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho para dispor sobre a transferência de empregado público cujo cônjuge ou companheiro tenha sido deslocado no interesse da administração pública.
No presente estudo, propõe-se analisar os principais aspectos da nova disposição legal.
Os empregados da administração pública têm direito à transferência para acompanhar cônjuge ou companheiro servidor público, militar ou empregado público, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que tenha sido deslocado no interesse da administração pública (art. 469-A da CLT, incluído pela Lei 15.175/2025).
Trata-se de direito que tem como fundamento o disposto no art. 226 da Constituição Federal, ao estabelecer que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
A previsão do art. 469-A da CLT é aplicável aos empregados públicos, ou seja, aos servidores públicos regidos pela CLT, da administração pública direta e indireta[1].
Para que o empregado público tenha direito à transferência para acompanhar cônjuge (na hipótese de ser casado) ou companheiro (na hipótese de união estável) são exigidos os seguintes requisitos: o cônjuge ou companheiro deve ser servidor público (independentemente do regime jurídico), militar ou empregado público, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração pública direta e indireta; o cônjuge ou companheiro deve ter sido deslocado no interesse da administração pública.
A transferência ocorrerá a pedido, independentemente do interesse da administração pública, não aplicado o disposto no art. 470 da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 469-A, § 1º, da CLT, incluído pela Lei 15.175/2025).
O referido direito à transferência é exercido mediante pedido do empregado público e não depende do interesse da administração pública. Logo, nesse último aspecto, não é ato discricionário.
As despesas resultantes da transferência correrão por conta do próprio empregado público, pois não se aplica ao caso a previsão do art. 470 da CLT.
Como a transferência prevista no art. 469-A da CLT é feita a pedido do empregado público, e não determinada unilateralmente pelo empregador, não há direito ao adicional de transferência previsto no art. 469, § 3º, da CLT[2].
O deferimento do pedido referido no § 1º de art. 469-A da CLT dependerá da existência de filial ou de representação na localidade para a qual se pretende a transferência (art. 469-A, § 2º, da CLT, incluído pela Lei 15.175/2025).
Para que o pedido de transferência seja deferido pela administração pública, há necessidade de existir filial ou representação no local para o qual o empregado público pretende ser transferido, mas não se exige que haja vaga aberta.
A transferência deverá ser horizontal, dentro do mesmo quadro de pessoal (art. 469-A, § 3º, da CLT, incluído pela Lei 15.175/2025).
A transferência do empregado público deve ser horizontal, ou seja, no mesmo nível e classe do emprego exercido, sem acarretar promoção nem rebaixamento, dentro do mesmo quadro de pessoal. Não pode haver mudança de emprego público, pois não se trata de novo concurso público (art. 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988).
A Lei 15.175/2025, ao incluir o art. 469-A da CLT, norteia-se pelo princípio da igualdade (art. 5º da Constituição Federal de 1988), pois direito similar é previsto aos servidores públicos federais estatutários, conforme se extrai do art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea a, da Lei 8.112/1990[3].
Quanto aos servidores públicos estatutários da União, das autarquias e das fundações públicas federais, há previsão da remoção a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da administração pública:
- a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da administração pública[4];
- b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial[5];
- c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados[6] (art. 36, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.112/1990, incluído pela Lei 9.527/1997).
Frise-se que o art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea a, da Lei 8.112/1990 não exige a prévia coabitação ou residência na mesma localidade no momento da remoção do cônjuge ou companheiro (TST, Órgão Especial, RecAdm-1000279-70.2025.5.00.0000, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 24.06.2025)[7].
Na hipótese do art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea a, da Lei 8.112/1990, não se exige que o cônjuge ou o companheiro do servidor público federal (que pede a remoção) também seja regido pelo estatuto dos servidores públicos federais[8], podendo o cônjuge ou o companheiro ser servidor público regido pela CLT (empregado público) da administração pública direta e indireta[9].
A Lei 15.175/2025 entrou em vigor na data de sua publicação, ocorrida em 24.07.2025.
Em consonância com o mandamento de isonomia, a lei poderia ter incluído na Consolidação das Leis do Trabalho o direito à transferência do empregado público também nas demais hipóteses previstas no art. 36, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.112/1990, notadamente por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial (alínea b).
Cabe, assim, acompanhar os eventuais aprimoramentos legislativos sobre o tema e a aplicação da nova previsão legal nos âmbitos administrativo e jurisprudencial.
[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2025. p. 225.
[2] “§ 3º Em caso de necessidade de serviço o empregador poderá transferir o empregado para localidade diversa da que resultar do contrato, não obstante as restrições do artigo anterior, mas, nesse caso, ficará obrigado a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) dos salários que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação”. Conforme a Orientação Jurisprudencial 113 da SBDI-I do TST: “Adicional de transferência. Cargo de confiança ou previsão contratual de transferência. Devido. Desde que a transferência seja provisória. O fato de o empregado exercer cargo de confiança ou a existência de previsão de transferência no contrato de trabalho não exclui o direito ao adicional. O pressuposto legal apto a legitimar a percepção do mencionado adicional é a transferência provisória”.
[3] “3. Consoante o disposto no art. 36, III, ‘a’, da Lei 8.112/1990, a remoção para o acompanhamento do cônjuge, também servidor público civil ou militar, deslocado no interesse da Administração, é direito subjetivo do servidor, independente do interesse da Administração e da existência de vaga. Já nas hipóteses dos incisos I e II do art. 36 da referida lei, a concessão de remoção é ato discricionário da Administração. 4. Cumpre esclarecer que a finalidade do art. 36, parágrafo único, III, ‘a’, da Lei 8.112/90 é preservar a unidade familiar, possibilitando um cônjuge acompanhar o outro removido no interesse da Administração” (STJ, 2ª T., REsp 1528691/RS, 2015/0091204-1, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2016). “3. Além do dever do Estado na proteção das unidades familiares, observa-se disposição normativa local específica prevendo o instituto ‘remoção para acompanhamento de cônjuge’. 4. Dessa forma, havendo remoção de ofício de um dos companheiros, o(a) outro(a) possui, em regra, direito à remoção para acompanhamento. Não se trata de ato discricionário da Administração, mas sim vinculado. A remoção visa garantir à convivência da unidade familiar em face de um acontecimento causado pela própria Administração Pública” (STJ, 2ª T., RMS 66.823/MT, 2021/0199802-9, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 11.10.2021).
[4] “2. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a remoção de servidor, independentemente do interesse da Administração, para acompanhar cônjuge que tenha sido deslocado no interesse da Administração, prevista na alínea ‘a’ do inciso III do art. 36 da Lei 8.112/1990, pressupõe que a remoção do cônjuge tenha se dado de ofício, hipótese que não abrange a transferência de servidor que participou de concurso de remoção” (STJ, 2ª T., AgInt no REsp 1.868.864/RN, 2020/0073517-9, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 15.12.2021). “4. A jurisprudência desta Corte vem afirmando que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, consagra o princípio da proteção à família como base da sociedade brasileira e dever do Estado. Contudo, a tutela à família não é absoluta. Para que seja deferido o deslocamento do servidor pelo Judiciário, nos casos em que a pretensão for negada pela Administração, ele tem de comprovar que sua situação se subsume a uma das hipóteses taxativamente previstas para concessão do benefício quando inexistente interesse administrativo no ato. Precedentes. 5. A remoção a pedido de servidor para acompanhamento de cônjuge ou companheiro, independentemente da existência de vaga, exige obrigatoriamente o cumprimento de requisito específico, qual seja, que o cônjuge, servidor público, tenha sido removido no interesse da Administração. Precedentes” (STJ, 1ª T., AgInt no REsp 1.858.368/MS, 2020/0011620-2, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 19.08.2022).
[5] “3. Segundo inteligência do art. 36, parágrafo único, III, ‘b’, da Lei 8.112/1990, o pedido de remoção de servidor para outra localidade, independentemente de vaga e de interesse da Administração, será deferido quando fundado em motivo de saúde do servidor, de cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial” (STJ, 1ª T., REsp 1.937.055/PB, 2019/0312415-8, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 03.11.2021). “3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o art. 36, parágrafo único, III, ‘b’, da Lei 8.112/1990 impõe a remoção, para fins de acompanhamento de dependente para tratamento de saúde, do servidor público federal para outra localidade, no âmbito do mesmo quadro. Tal remoção condiciona-se à comprovação da enfermidade por junta médica oficial, enquanto permanecer a necessidade de acompanhamento” (STJ, 2ª T., AgInt no AREsp 2.248.685/PE, 2022/0360682-0, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 30.06.2023).
[6] “1. A remoção de servidor que se submete a processo de seleção interna é forma qualificada de atendimento aos interesses da Administração, porquanto o oferecimento de vaga a ser ocupada por esse critério revela claramente que tal preenchimento é de interesse público, já que tem por objetivo adequar o quantitativo de servidores às necessidades dos órgãos e unidades administrativas; se assim não fosse, é evidente que não se abriria a mencionada seleção interna” (STJ, 1ª T., AgInt no REsp 1.507.505/PR, 2015/0003007-8, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 09.04.2019).
[7] “Conforme jurisprudência consolidada no âmbito desta Corte, a remoção para acompanhar cônjuge, prevista pelo art. 36, III, a, da Lei 8.112/1990, não exige que os cônjuges residam juntos, porquanto ausente amparo legal. Precedentes” (STJ, 1ª T., AgInt no REsp 1.505.947/PR, 2014/0337838-9, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe 10.05.2017). “1. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que o deferimento do direito à remoção, prevista no inciso III do art. 36 da Lei 8.112/1990, não impõe como requisito indispensável a coabitação entre os cônjuges. Precedentes” (STJ, 1ª T., AgInt no REsp 1.603.404/PR, 2016/0141282-2, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 06.03.2018).
[8] “Mandado de segurança. Remoção de ofício para acompanhar o cônjuge, independentemente da existência de vagas. Art. 36 da Lei 8.112/90. Desnecessidade de o cônjuge do servidor ser também regido pela Lei 8.112/90. Especial proteção do Estado à família (art. 226 da Constituição Federal). […] 3. A alínea ‘a’ do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal ‘servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios’ não é outro senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração direta quanto a indireta. 4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante ‘especial proteção do Estado’. Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem. 5. Segurança concedida” (STF, Pleno, MS 23.058/DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJe 14.11.2008).
[9] “Administrativo. Remoção de servidor público federal para acompanhar cônjuge empregado público federal. Possibilidade. Interpretação do conceito de servidor público ampliada. […] 1. A jurisprudência desta Corte vem ampliando o conceito de servidor público a fim de alcançar, não apenas os vinculados à Administração direta, como também os que exercem suas atividades em entidades da Administração Pública indireta. 2. A ampliação do conceito de servidor público deve abranger tanto a proteção do interesse público quanto a da família, ambos princípios consagrados na Constituição Federal. 3. O disposto no art. 36, III, ‘a’, da Lei 8.112/1990 deve ser interpretado em consonância com o art. 226 da Carta Magna, ponderando-se os valores que visam proteger. O Poder Público deve velar pela proteção à unidade familiar, mormente quando é o próprio empregador (MS 14.195/DF, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 13/03/2013, DJe 19/03/2013)” (STJ, 2ª T., REsp 1.511.736/CE, 2015/0009614-6, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 30.03.2015).