Seguro Aeronáutico. Tragédia em Vinhedo
Voltaire Marenzi
Advogado e Professor
No início da tarde de sexta-feira, dia 9 de agosto de 2024, um grave e trágico acidente aeronáutico ocorreu na cidade de Vinhedo, interior de São Paulo, envolvendo uma aeronave de médio porte. Este lamentável incidente levanta diversas questões jurídicas relevantes, que variam desde a responsabilidade civil e penal dos envolvidos nesta modalidade de transporte, até a análise das normas de aviação e seguridade aplicáveis ao caso.
A Responsabilidade Civil no contexto de acidentes aeronáuticos é regida por uma combinação de normas específicas da aviação e do Código Civil brasileiro. Em primeiro lugar, é importante considerar o artigo 927 do Código Civil, que estabelece a obrigação de indenizar aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem. Se for comprovado que houve negligência, imprudência ou imperícia por parte do piloto, do operador da aeronave ou da empresa proprietária, estes poderão ser responsabilizados civilmente pelos danos causados, tanto materiais quanto morais.
Adicionalmente, a responsabilidade objetiva pode ser aplicada, conforme determina o parágrafo único do artigo supra mencionado,[1] e também pela exegese do artigo 734 do Código Civil, que trata do transporte de pessoas, estabelecendo que o transportador responde pelos danos causados, independentemente de culpa lato senso, salvo em caso de força maior ou culpa exclusiva da vítima.[2]
Como preleciona Gustavo Tepedino, no que tange ao transporte aéreo, identifica-se o início da execução com o momento do embarque, assim compreendido “o movimento do passageiro em direção ao aparelho, em obediência às informações do transportador, o que se faz, ordinariamente, nos aeroportos por meio de alto-falantes,[3] convidando os passageiros de determinada linha a se dirigirem ao avião” e o fim da execução, por sua vez, dá-se com o desembarque, entendido como “o movimento, também ordenado e dirigido pelo transportador, que o viajante executa para atingir a saída do aeroporto”.[4]
Já no que concerne ao ponto de vista penal, a apuração das causas do acidente é fundamental para determinar se houve algum tipo de crime, como homicídio culposo (art. 121, §3º, do Código Penal) ou lesão corporal culposa (art. 129, §6º, do Código Penal), decorrentes de eventual imprudência, negligência ou imperícia do piloto ou de outros responsáveis.
A investigação ficará a cargo da Polícia Civil, em colaboração com órgãos especializados, como o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), que emitirá um laudo técnico para identificar as causas do acidente. Caso seja constatado que o piloto ou a empresa aérea agiram de forma negligente, poderão responder penalmente.
No caso, segundo relatos da mídia, até o presente momento, nenhuma hipótese deve ser descartada em relação à causa desta tragédia.
No Brasil, a aviação civil é regulada pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que estabelece normas rigorosas de segurança operacional, manutenção de aeronaves e habilitação de pilotos. A ANAC também é responsável pela fiscalização do cumprimento dessas normas e pela aplicação de sanções administrativas em caso de violação.
Uma análise jurídica deste acidente deve considerar se houve falhas na manutenção da aeronave, no treinamento do piloto ou no cumprimento de outras exigências legais impostas pela ANAC. A violação dessas normas pode agravar a responsabilidade dos envolvidos, tanto na esfera civil quanto penal.
Os acidentes aeronáuticos, embora raros, são eventos que trazem profundas repercussões tanto para as vítimas quanto para suas famílias. Nesse contexto, o seguro aeronáutico desempenha um papel fundamental, proporcionando segurança e amparo financeiro às partes envolvidas. O caso deste recente acidente aéreo em Vinhedo/SP, que resultou em várias vítimas – 62 pessoas – levanta importantes questões jurídicas sobre a abrangência e a aplicação do seguro aeronáutico.
O seguro aeronáutico é um contrato que visa proteger o segurado contra perdas ou danos relacionados à operação de aeronaves. Ele pode incluir cobertura para danos materiais à aeronave, responsabilidade civil por danos a terceiros, incluindo passageiros, e responsabilidade por danos ambientais, entre outros. No Brasil, a contratação desse seguro é obrigatória para todas as aeronaves registradas, conforme estabelecido pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
O seguro aeronáutico se divide em diferentes coberturas, das quais as principais julgo abaixo elencar:
- Cobertura para danos à aeronave em si.
- Responsabilidade Civil a terceiros: Cobre danos causados a pessoas ou propriedades não relacionadas à operação da aeronave.
- Responsabilidade Civil de passageiros: Garante indenização aos passageiros em caso de acidentes.
- Danos ao Meio Ambiente: Acoberta os custos de mitigação e reparação de danos ambientais decorrentes do acidente.
No caso de um acidente que envolva vítimas, como o ocorrido em Vinhedo/SP, a responsabilidade civil do operador da aeronave e da seguradora torna-se central. Segundo o Código Brasileiro de Aeronáutica[5] o proprietário ou explorador da aeronave é responsável pelos danos causados a terceiros na superfície e aos passageiros.
A apólice de seguro de responsabilidade civil de passageiros cobre os danos sofridos pelas vítimas do acidente, incluindo morte, invalidez e danos materiais. Contudo, o valor da indenização pode variar significativamente, dependendo dos limites contratados na apólice e da legislação aplicável no caso concreto. Em muitos casos, a indenização pode não ser suficiente para cobrir a totalidade dos danos sofridos, levando a disputas judiciais para a definição de valores adicionais, tais como aconteceu há poucos anos atrás em outros acidentes no Brasil e no mundo.
As famílias das vítimas de acidentes aeronáuticos frequentemente enfrentam obstáculos significativos para receber a indenização devida. Alguns dos desafios incluem, exemplificativamente, complexidade do processo de reivindicação. Ademais, a apuração das causas do acidente e a determinação da responsabilidade podem ser demoradas e complicadas, atrasando o pagamento das indenizações.
Pode haver também, disputas sobre se certos danos estão ou não cobertos pela apólice de seguro, especialmente em casos que envolvem múltiplas vítimas ou danos significativos a propriedades.
Muitas vezes, os limites máximos da apólice de seguro não são suficientes para cobrir todos os danos, o que pode levar a litígios adicionais para obter compensações suplementares.
Enfim. A tragédia que vitimou todos os passageiros daquela aeronave ilustra a importância do seguro aeronáutico, mas também expõe suas limitações. Para mitigar os impactos financeiros e emocionais sobre as vítimas e suas famílias, é essencial que as apólices de seguro sejam cuidadosamente analisadas e, quando necessário, revisadas para garantir que ofereçam cobertura adequada.
Além disso, é crucial que as vítimas ou suas famílias busquem assistência jurídica especializada para atravessar este complexo processo de reivindicação de indenizações. Isso inclui a análise das cláusulas da apólice, a avaliação dos danos e a negociação com a seguradora para assegurar que todos os direitos das vítimas sejam plenamente atendidos.
Por fim, as autoridades reguladoras e os legisladores devem continuar a monitorar e, quando necessário, ajustar as regulamentações relativas ao seguro aeronáutico, para garantir que as vítimas de acidentes sejam devidamente protegidas e indenizadas de forma justa e célere.
Este cenário reforça a relevância do direito aeronáutico no Brasil e a necessidade de constante atualização e vigilância sobre os direitos e deveres das partes envolvidas.
Nesta hora em que se cristaliza em nosso direito o Marco Legal do Seguro, é imperioso que o Congresso Nacional se mobilize enfrentando situações para que se adequem leis uniformes, harmônicas e coerentes com situações trágicas que, de uma só vez, ceifam vidas e deixam muitas famílias sem uma pronta e eficaz solução, tanto na hora da dor, como no nefasto episódio em si, que, momentaneamente, lesam o patrimônio familiar pela morte de quem já tinha construído, ou iria construir no decurso dos anos vindouros.
Por derradeiro. minha solidariedade neste momento de muita dor às famílias enlutadas por este trágico sinistro.
Porto Alegre, RS, 11 de agosto de 2024.
[1] Sem correspondência no CC/1916.
[2] Artigo igualmente sem correspondência no CC/1916.
[3] Operações ainda em uso por alto-falantes em aeroportos, embora tecnologias mais modernas como displays digitais e painéis interativos já estejam amplamente utilizados nos dias de hoje.
[4] Comentários ao Novo Código Civil, volume X. Editora Forense, 2008, página 498, apud Sérgio Cavalieri Filho. O Contrato de Transporte: Início e Fim.
[5] Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, com suas alterações, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica.