
Segurança Pública[1] Municipal
Gisele Leite
Professora universitária há três décadas; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas; Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional; Vinte e nove obras jurídicas publicadas; Articulistas dos sites JURID, Portal Investidura, Letras Jurídicas; Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil; Pedagoga.
O ano de 2025 já se traduz em ser um ano atípico e até começou antes do Carnaval. Recentemente, o atual Prefeito da cidade do Rio de Janeiro apresentou à Câmara Municipal, o Projeto de Lei Complementar 1/2025 que propõe a criação da Força de Segurança Municipal da Cidade, com o fim de realizar o policiamento preventivo e comunitário, além de assegurar a proteção de órgãos, entidades, bens e serviços públicos do município.
Infelizmente, o atual cotidiano carioca é marcado por muita violência[2] o que nos convida a realizar uma reflexão dentro da federação brasileira, e a proposta desafia fortes questionamentos a respeito de sua legalidade de judicidade.
Nesse sentido e vetor, o Supremo Tribunal Federal na ADPF 995/DF firmou entendimento de que as guardas municipais devem ser compreendidas como sendo órgãos de segurança pública, apesar de não estarem listadas no rol previsto constitucionalmente. E, há outros precedentes da Suprema Corte brasileira referentes à atuação de guardas municipais.
É o caso do Tema 472 da repercussão geral, quando se fixou a tese que afirma ser constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito podendo até realizar a imposição de sanções administrativas legalmente previstas.
Ao analisarmos o RE 846.854/SP, o STF entendeu que as guardas municipais de fato exercem atividade de segurança pública, por isso se submetem às restrições ao direito de greve, o que foi analisado no ARE 654.432.
E, seguindo a mesma toada, também as ADINs 5.538/SF e 5.948/DF, a mesma Suprema Corte firmou entendimento pela inconstitucionalidade de leis que restringiam o porte de arma de fogo aos integrantes das guardas municipais, tendo evidenciado o papel da instituição dentro do Sistema Único de Segurança Pública.
Noutra decisão recente, o STF encarou os limites de atuação legislativa local no sentido de regular as atribuições das guardas municipais, foi no RE 608.588/SP. Inicialmente, no tribunal de origem se julgou inconstitucional a lei local que atribuiu à guarda municipal o poder de realizar policiamento preventivo e comunitário para proteger bens, serviços e até instalações municipais, além de realizar prisões em flagrante por qualquer delito.
Nessa ocasião, prevaleceu o voto do ministro relator Luiz Fux, no sentido da constitucionalidade da lei, segundo à jurisprudência da Corte, tendo ressaltado que não foram ultrapassados os limites do poder normativo municipal, vez que a competência para legislar sobre a segurança pública é concorrente.
Por fim, fora fixada a tese de repercussão geral no Tema 656 in litteris: “É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive o policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no artigo 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial do Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso VII da CF/1988. Conforme o artigo 144, §8º da CF, as leis municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional.”[3]
Todos os precedentes retro mencionados e analisados pelo STF centram-se nas atribuições das guardas municipais, não sendo enfrentada objetivamente a questão de ser criado novo órgão de segurança pública que não é previsto constitucionalmente, quando a própria Magna Carta atribui a outro órgão de segurança àquele ente federativo brasileiro.
Enfim, o STF manifestou-se pela impossibilidade de criação de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos no artigo 144 do texto constitucional, quando analisou a ADI 2.827/RS, no ano de 2010. Naquela época, compreendia-se que o dispositivo possuía rol taxativo.
Todavia, deve-se rememorar a flexibilização deste entendimento, no ano de 2021, quando julgada a ADIn 6.621/TO, em que restou assentada que a tradicional compreensão sobre a taxatividade do rol do artigo 144 da Constituição da República cedeu lugar à interpretação menos restritiva, permitindo aos entes federativos criarem polícias científicas autônomas, que não estejam vinculadas à Polícia Civil.
Ao que parece, a questão está em aberto, especialmente, diante do fato de a Constituição atribuir ao município apenas a guarda, já tendo o STF apontado a possibilidade do exercício de atividades de segurança por ela.
Vocifera uma questão mais pungente pois de acordo com o artigo 1º. a Força de Segurança Municipal terá previsão na lei orgânica do município de Rio de Janeiro, porém, no parágrafo único do mesmo dispositivo menciona que as normativas se referem especificamente à guarda municipal, o que coloca em xeque a criação de novo órgão público. Enfim, no fundo, a força de segurança não quer ser guarda, mas tem como fundamento o dispositivo desta[4].
Frise-se que não se trata apenas de possíveis conflitos de competência e até de políticas públicas quanto ao policiamento preventivo, ostensivo e comunitário da prefeitura e do Estado. Faz-se imperioso haver diálogo com o Estado do RJ, sob pena de apenas ser uma mera pauta política e, majorar os problemas já existentes na segurança pública, que já sofre em face do âmbito da ADPF 635/RJ[5].
Oh, abre alas para mais uma saga na verificação da inconstitucionalidade de mais uma medida no mínimo duvidosa e que envolve o poder de polícia administrativo.
Referências.
DO BRASIL, Cristina Índio. Repórter da Agência Brasil. Constituição impede nova Força Municipal armada no Rio, diz entidade. Prefeito do RJ quer criar Força Municipal com uso de armamento. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-01/constituicao-impede-nova-forca-municipal-armada-no-rio-diz-entidade#:~:text=%E2%80%9CTodas%20as%20Guardas%20Municipais%20podem,se%20adequar%20%C3%A0s%20leis%20federais.
GALDI, João Manoel; DE ABREU, Carolina Soares Vahia. Força de Segurança Municipal e a criação de novos órgãos da área. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/forca-de-seguranca-municipal-e-a-criacao-de-novos-orgaos-daarea?utm_campaign=jota_info__mais_lidas_da_semana_-_832025&utm_medium=email&utm_source=RD+Stationb
[1] A segurança pública é um direito fundamental no Brasil, que consiste na garantia de uma convivência social sem ameaças de violência. É também uma condição essencial para o exercício da cidadania. O conceito jurídico de segurança pública no Brasil é: A garantia do Estado de uma convivência social sem ameaças de violência; A proteção dos direitos individuais; A garantia do pleno exercício da cidadania; A preservação da ordem pública; A incolumidade; A segurança pública é preservada por órgãos estatais, como: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal; Polícias Civis; Polícias Militares; Corpos de Bombeiros Militares.
[2] O crime não é apenas um fato típico e antijurídico ao qual é aplicada uma sanção de natureza penal, mas um problema social, um fenômeno de massa, presente em todos os tempos e em todas as formas sociais realizadas pelo homem, traduzindo-se em problema que atinge e aflige a todos. Inexiste consenso em relação a suas causas, nem sobre as formas de sua prevenção e sequer quanto aos programas para a intervenção em sua realidade social. A experiência criminal demonstra que não existem fórmulas prontas para seu combate, posto ser uma realidade humana e cotidiana, portanto, mutável conforme a própria condição humana e a estrutura da sociedade. Convivemos com o comportamento delituoso em nosso dia a dia, e assim é em qualquer sistema social do mundo. Desse modo, o crime não é meramente um problema legal, mas de competência de toda a comunidade, incumbindo a todos os seus segmentos. A responsabilidade pelo fenômeno criminológico não é apenas da lei, da polícia, do Ministério Público, da advocacia e dos tribunais, mas de toda a comunidade. A sociedade não pode ignorar o problema da delinquência, ou atribuí-lo somente ao sistema legal, sob pena da limitação da eficácia de seu controle. É preciso, em verdade, uma aproximação da delinquência para analisar intrinsecamente o fenômeno, captando a forma como o delinquente percebe os valores sociais, quais os valores que preponderam em sua conduta social, bem como os mecanismos de transmissão de modelos de comportamento do criminoso. O controle da criminalidade exige, para que seja efetivo, a compreensão de que a extinção da criminalidade é uma utopia, em face da complexidade das sociedades e do próprio homem. A finalidade da sociedade deve ser o controle do crime, mantendo-o nos níveis mais baixos possível, ou, ao menos, no nível que permita vida social estável e segura para toda a comunidade.
[3] “As Guardas Municipais hoje já estão totalmente regulamentadas para funcionar na sua plenitude. Temos a Constituição Federal, artigo 144, parágrafo 8º, que foi regulamentado pela lei 13.022, que é o Estatuto Geral das Guardas, de 2014. Essa lei [assinada pela presidente Dilma Rousseff] disciplinou e padronizou todas as Guardas Municipais, cor de uniforme, competências, atribuições, princípios, planos de carreira, tudo previsto no Estatuto Geral das Guardas. Além disso, tivemos em 2018 a lei 13675 do SUSP, que disciplinou o funcionamento dos órgãos de segurança pública, onde está previsto as Guardas como órgãos de segurança pública operacionais. Tudo que era necessário para o perfeito funcionamento das Guardas já existe”, detalhou.
[4] O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o porte de arma de fogo por todas as guardas municipais do país, incluindo as do Rio de Janeiro. No entanto, uma lei municipal proíbe o uso de armas letais por guardas municipais na cidade. O Estatuto do Desarmamento permite o armamento de guardas municipais. Em 2021, o STF autorizou o porte de arma para todas as guardas municipais do país. O porte de arma de fogo é permitido quando as guardas municipais estiverem atuando no exercício de suas funções. No Rio de Janeiro, a Guarda Municipal não está estruturada para se adequar às leis federais. A constitucionalidade da proibição do uso de armas letais por guardas municipais na cidade carioca é contestada perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. O prefeito Eduardo Paes decidiu por incluir a possibilidade de guardas municipais serem armados.
[5] A ADPF 635/RJ, também conhecida como “ADPF das favelas”, questiona a política de segurança pública do Rio de Janeiro. A ação foi protocolada em 2019 por movimentos sociais e entidades, como organizações de mães de filhos mortos por policiais. Principais pontos da ADPF 635/RJ: A política de segurança pública do Rio de Janeiro viola direitos fundamentais, principalmente da população negra e pobre das comunidades ; A ADPF propõe regras para operações policiais; O STF determinou que o Rio de Janeiro deve reduzir em 70% a letalidade policial em um ano. Algumas medidas da ADPF 635/RJ: Restrições à realização de operações policiais nas comunidades Comunicação e justificativa da excepcionalidade da medida ao Ministério Público; Obrigatoriedade do uso de câmeras corporais por grupos de operações especiais; Criação de metas para a redução da letalidade policial Comunicação imediata aos familiares da pessoa vitimada Acesso às investigações de mortes por intervenção de agentes do Estado.