Rede social em outros países

Gisele Leite

Professora universitária aposentada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Presidente da Seccional RJ da ABRADE. Pesquisadora-chefe do INPJ. Trinta e sete obras jurídicas publicadas. Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos

 

A atuação do STF, particularmente, no que tange a suspensão de uma rede social, e em relação a empresa Starlink, à luz do direito internacional, sancionando o bloqueio de contas de empresas estrangeiras que atuam em vários países, o que poderá  acarretar tensões diplomáticas além de afetar severamente o comércio internacional.

Nosso país é ratificador de diversos tratados e convenções internacionais que asseguram tanto a proteção de investimentos como a livre iniciativa. De toda sorte, a obediência à legislação do país e ao seu Poder Judiciário são condições inegociáveis para a atuação de empresas, sejam nacionais ou estrangeiras.

No contexto da jurisprudência internacional que ratifica haver um mundo multiconectado, onde as plataformas digitais atuantes sob as mais diversas jurisdições, o que esquadrinha o desafio de lidar com a regulação de grandes empresas de tecnologia e o controle de conteúdo postado online.

De fato, requer-se respostas jurídicas equilibradas e harmônicas capazes de simultaneamente respeitar os direitos fundamentais tais como a liberdade de expressão sem, contudo, comprometer a segurança pública, a soberania de cada país e a democracia. Recordemos que a segurança jurídica é primordial para continuidade do desenvolvimento econômico, social e cultural do país, e o Judiciário deve evitar o cenário de paradoxos e incertezas.

Também em outros países, a mesma rede social já sofreu ações judiciais e descumprimentos. Na Turquia, a referida rede social obedeceu a ordem judicial para restringir contras contrárias ao governo dois dias antes da reeleição do presidente Erdogan, em 2023.

Já na Índia, em 2021, a rede sofrera uma batalha judicial para suspender diversas contas e publicações que apoiavam explicitamente protestos contra o Primeiro-ministro Narendra Modi. E, a política até realizou operação no escritório do então Twitter na Índia.

Em 2022, a rede social obedeceu às decisões da justiça indiana e removeu diversas contas que faziam oposição ao governo e ainda apagou postagens a respeito de um documentário contendo críticas a Modi. E, mais, quando Modi fora reeleito, Musk até celebrou a sua vitória.

Na China, o X fora banido em 2009 e, o referido país tem suas próprias redes sociais e bloqueia o uso de plataformas internacionais. E, Musk é grande aliado de Xi Jiping, presidente do país, que censura manifestações e publicações. E, para instalar sua fábrica de Tesla em Xangai, em 2020, o referido empresário recebera incentivos ambientais e ainda contou com grande flexibilização de leis trabalhistas do governo chinês.

Ainda no ano passado, Musk aliou-se com o Presidente da Hungria quando criticou lei da União Europeia que defende a liberdade de impres. E, a lei proíbe que os governos monitorem jornalistas e plataformas digitais que removam arbitrariamente e de forma unilateral conteúdo jornalístico e informativo.

Enfim, a rede social X, o antigo Twitter, tem colecionado atritos com autoridades de diversos países, desde o Brasil, até a Austrália, a Inglaterra,  o bloco da União Europeia (UE), a Venezuela, entre outros.

Enquanto na UE, no Brasil e na Austrália, Musk apela à retórica da “liberdade de expressão” irrestrita, na Índia e na Turquia, a plataforma X tem acatado decisões judiciais com suspensões de conteúdos e de perfis sem denunciar suposta “censura”. Na Índia, a plataforma excluiu das redes um documentário da mídia inglesa BBC crítico ao primeiro-ministro do país asiático, Narendra Modi.

“[A plataforma] segue tomada por conteúdos ilegais. Conteúdos que fazem apologia a drogas e que também falam sobre pornografia.  Isso demonstra muito que, desde a entrada do Musk, o Twitter tem aplicado essa visão política de uma liberdade de expressão absoluta, não abrindo para  nenhum tipo de discussão sobre eventual ilegalidade ou dano gerado por conteúdos a terceiros”, destacou a especialista em direito digital, afirma Bruna Santos, especialista em direito digital.

Na União Europeia (UE), a primeira investigação contra uma plataforma digital com base na Lei de Serviços Digitais (DSA), aberta em dezembro de 2023,  foi contra a rede social X por falta de transparência e por suposta disseminação de desinformação.

Em julho deste ano, a Comissão Europeia emitiu conclusões preliminares afirmando que a plataforma está violando as leis locais. O relatório diz que a verificação  de contas da rede é enganosa porque qualquer um pode se inscrever para obter status de “verificado”, desde que pague por isso.

A rede social X também teve atritos com as autoridades australianas. O primeiro-ministro do país, Anthony Albanese, chamou Musk de “bilionário arrogante,  que pensa que está acima da lei”.

O atrito ocorreu porque a rede social X se negou a acatar decisões judiciais para remover conteúdos violentos e considerados extremistas, como o vídeo de um  atentado à faca contra um bispo que circulava nas redes, e que estariam estimulando o ódio e mais violência, segundo as autoridades do país.

Enfim, A rede social X, antigo Twitter, já foi suspensa, bloqueada ou banida de vez em alguns países, por meio de decisões judiciais ou medidas.  A lista inclui Nigéria, China, Rússia, Irã, Turcomenistão, Mianmar e Coreia do Norte. Neste último não é permitida qualquer rede social. Os cidadãos sequer podem acessar publicações literárias de outros países.

Mesmo países democráticos já suspenderam temporariamente ou baniram de vez o Telegram, criado na Rússia em 2013 e maior concorrente do WhatsApp no Ocidente.

Um deles foi a Alemanha, que acusou a plataforma de não impedir seu uso para a propagação de ódio por grupos extremistas, incluindo neonazistas.

A Alemanha chegou a anunciar o banimento do Telegram em janeiro de 2022, caso não cumprisse as leis locais para excluir mensagens com ameaças de morte ou discurso de ódio, além de fornecer informações sobre os autores dos conteúdos para investigações.

Até mesmo a  Noruega, em março de 2023, emitiu um alerta a ministros, secretários e funcionários públicos “de todos os níveis” sobre o Telegram e o TikTok.

Aconselhou a todos apagarem os aplicativos de celulares e computadores usados para trabalhar, por temor de hackeamento de dados para espionagem russa e chinesa.

Há pouco tempo, um juiz espanhol ordenou a suspensão temporária no país do serviço do Telegram porque não recebeu os dados solicitados no âmbito de uma investigação sobre certas contas que, possivelmente, violam direitos de propriedade intelectual.

E, mesmo nos Estados Unidos, país que se apresenta  como o mais liberal do mundo, com nenhuma restrição à liberdade de expressão, está prestes a bloquear o TikTok, aplicativo preferido dos jovens, adolescentes e crianças.

O TikTok tem 150 milhões de usuários nos EUA. A proibição da rede social seria um ato sem precedentes contra uma empresa de mídia no país.

Joe Biden ainda bloqueou o aplicativo em todos os dispositivos federais dos EUA, decisão seguida por mais da metade dos governos estaduais norte-americanos.  Outras potências como Reino Unido, Canadá e a União Europeia adotaram medidas semelhantes.

Portanto, não há necessidade de haver superdimensionamento do presente conflito entre o Judiciário brasileiro e a referida rede social.

A referida plataforma suspensa em seus territórios nacionais atualmente o rol inclui:

China, bloqueou a rede social em 2009;

Irã, bloqueou a rede social em 2009;

Turcomenistão, bloqueou a rede social em 2010;

Coreia do Norte, bloqueou a rede social em 2016;

Mianmar, bloqueou a rede social em 2021;

Rússia, bloqueou a rede social em 2022;

Paquistão, bloqueou a rede social em 2024;

Venezuela, bloqueou a rede social em 2024; e

Brasil, bloqueou a plataforma em 2024.

Os motivos para a suspensão variam. Em casos como na China, Coreia do Norte e Turcomenistão, a medida faz parte dos esforços do governo para controlar o fluxo de informações.

Países como Irã, Mianmar e Venezuela cortaram a rede social para enfrentar protestos durante momentos de instabilidade política.  No caso iraniano, essa foi a justificativa inicial para referida medida que se mantém há mais de uma década.

O governo paquistanês alegou questões de segurança nacional para fechar a rede social, acusando a plataforma de abrigar “elementos hostis” com “intenções nefastas de criar caos e instabilidade”.
A União Europeia recentemente, em 2022 aprovou um dos mais modernos projetos de regulação dos serviços digitais no mundo. É o Digital Services Act (DSA) em inglês tem como

principal objetivo “prevenir atividades ilegais e prejudiciais online a propagação de desinformação, de acordo com a Comissão Europeia. Dentre as medidas impostas por

lei europeia às plataformas, temos:  Combate aos conteúdos ilegais: implementação de medidas para combater a difusão de bens, serviços ou conteúdos ilegais online;

Transparência na moderação: dever de comunicar aos usuários os motivos que levaram à remoção de um conteúdo ou a restrição de acesso a uma conta;

Controle sobre as opções de personalização: maior transparência e controle sobre o que é exibido ao usuário, além de direito à pessoa escolher se receberá ou não conteúdo personalizado;

Publicidade direcionada: proibição de publicidade online focada no público menor de idade; propaganda direcionada a perfis que utilizam categorias, como etnia e orientação sexual, por exemplo, também é vetada;

Proteção às crianças: obrigação de proteger a privacidade e segurança de usuários menores de idade;

Segurança das eleições: medidas eficazes para garantir um processo eleitoral seguro;

Comércio eletrônico: fornecedores devem garantir que seus vendedores online utilizam informações verídicas sobre seus produtos.

Destaca-se que entre os países que integram a UE, tais como a Alemanha e França foram implantadas por leis que exigem das plataformas a rápida remoção de conteúdos ilegais, tais como o discurso de ódio e fake news, sob pena de pesadas multas e último caso bloqueio.

Nos Estados Unidos, uma das possibilidades em pauta sobre a regulamentação das redes sociais é a revisão de uma lei federal que “atualmente oferece ampla imunidade às plataformas online em relação ao conteúdo postado por terceiros”.

A Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações (Communications Decency Act, em inglês) foi aprovada em 1996 com o objetivo de estimular startups e empreendedores, garantindo a consolidação da internet.

No mês passado, senadores dos EUA disseram que o apoio à reforma da legislação estava crescendo, embora não tivesse data para acontecerem mudanças.

Em fevereiro, o Comitê Judiciário do Senado chegou a reunir diversos representantes das plataformas para discutir a proteção de crianças e medidas para regulamentar o serviço. A reunião, no entanto, não terminou em propostas.

Segundo especialistas, uma das barreiras no caso dos EUA é a maneira como a legislação do país dispõe sobre a liberdade de expressão.

Estima-se que no ano passado cerca de 4.9 bilhões de pessoas utilizam as redes sociais em todo mundo e, poderá aumentar pois aguarda-se que seja 5,85 bilhões de usuários  até 2027. Outra estatística aponta que as pessoas passam cerca de cento e quarenta e cinco minutos em redes sociais todos os dias.

Navegar é preciso, mas a regulação também se faz necessária, há o Projeto de Lei 2.630/2020 que fora apresentado no Congresso Nacional, também alcunhado de PL das Fake News e com o objetivo de combater a disseminação de desinformação e notícias falsas nas redes sociais.

Em seu texto, o projeto previa medidas como a exigência de identificação de usuários, a responsabilização das plataformas por conteúdos enganosos e a criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Desde então, o PL tem gerado polêmicas e debates sobre temas como liberdade de expressão, privacidade,  controle das plataformas e eficácia das medidas propostas.

Em maio deste ano, a votação do “PL das Fake News” foi adiada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, atendendo ao pedido do relator, deputado Orlando Silva, e após consulta aos líderes partidários. O adiamento contou com o apoio dos partidos PP, Republicanos, PT, PDT, PSOL, PCdoB e Patriota, enquanto PL e Novo se opuseram.

Os deputados justificaram que mais tempo era necessário para analisar o texto, devido ao grande número de emendas e à falta de familiaridade com o projeto. Na época, alguns  parlamentares defenderam a criação de uma comissão especial para abordar o tema fake news.

Em vista disso, o relator solicitou um prazo adicional para ajustar o texto,  incorporar sugestões e buscar uma posição unificada da Câmara no combate à desinformação. O argumento era garantir a liberdade de expressão, responsabilizando as plataformas e promovendo transparência na internet.

Enfim, conclui-se que problemas das redes sociais e os ordenamentos jurídicos locais são triviais e, que a soberania de cada país deve obrigatoriamente ser respeitada, bem como seus respectivos Poderes, notadamente, o Judiciário.

 

Referências

BREGA, Gabriel Ribeiro. A regulação de conteúdo nas redes sociais; uma breve análise comparativa entre o NetzDG e a solução brasileira. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdgv/a/qwwzmCyw5FmFQmTpRw3HCQh/# Acesso em 10.9.2024.

HENRIQUE, Layane. Saiba do que se trata a regulação das redes sociais. Disponível em: https://www.politize.com.br/regulacao-das-redes-sociais/  Acesso em 10.9.2024.

PACHECO, Denis. Navegar é preciso! Regular (as Redes) também. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/especial-desconstruindo-a-desinformacao-navegar-e-preciso-regular-as-redes-tambem/ Acesso em 10.9.2024.