Quem é o brasileiro médio? Entre a polca e a sonata

Por Gisele Leite

Professora universitária há três décadas; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas; Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional; Vinte e nove obras jurídicas publicadas; Articulistas dos sites JURID, Lex Magister; Portal Investidura, Letras Jurídicas; Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil; Pedagoga; Conselheira da Revista de Direito Civil e Processual, Revista de Direito Prática Previdenciária e Revista de Direito Trabalho e Processo, da Paixão Editores – POA – RS.REFOME

 

Resumo: O Homo medius traduz ideia de comportamento-padrão, hipoteticamente entendido, consoante as normas culturais, sociais e políticas, sendo o que a sociedade considera um modelo ideal de conduta. O homo medius, no Direito, projeta o instante histórico e reflete um aspecto da teoria geral do direito. O brasileiro médio segundo as mais variadas pesquisas está coerente com que vige no contexto social, jurídico e político. Só podemos concluir e entende o porquê  o pobre brasileiro médio sofre de ansiedade e depressão, mas não é à-toa.

Palavras-chave: Brasileiro médio. Homo medius. Sociologia. Filosofia. Ciência Política. Direito.

 

Para chegarmos a essa resposta utiliza-se pesquisas do IBGE e tantos outros estudos que trazem espanto e merecem profunda reflexão. A respeito da pandemia de Covid-19, cerca de 56,4% acreditam que os hospitais receberam dinheiro para inflar o número de vítimas fatais e de pacientes que sofreram com a doença.

Já no campo da política, 44% dos brasileiros acreditam existir uma conspiração das esquerdas para tomarem o poder e, 50,6¨da população brasileira acreditam que a corrupção foge ao controle, o que justificaria até mesmo um Golpe de Estado. Grande parte dos entrevistados não confia na imprensa profissional e tem as redes sociais como fontes de informação.

Toda essa descrença e desconfiança atinge cerca de 62,6¨. Mas, o principal fica com a parcela de brasileiros que acredita que a Terra é plana, cerca de 23% dos brasileiros. E, a identificação com a extrema direita reflete também o crescimento espantoso com a ignorância.

Para 67% dos brasileiros o então Presidente da República deu pouca atenção à Covid-19, chamando-a de “gripezinha” o que agravou o combate da doença. 43% da população acredita que a vida piorou bastante no Brasil em virtude da pandemia.

O brasileiro médio é machista, somente um terço dos homens afirmam apoiar o feminismo, contra 44% que afirmam não apoiar e 23% preferiram não responder.

Informam as estatísticas do IBGE que: Homens ganharam quase 30% a mais que as mulheres em 2019.

Para aproximadamente 45% dos entrevistados, a virgindade feminina tem importância (para 12 pontos porcentuais é fundamental). Talvez, essa seja uma equação amplamente disfuncional entre oferta e demanda. Já no quesito referência, os “pais” lideram o conceito “homem que mais admiram”, mas perdem feio (também) para as mães, com 15 pontos porcentuais a menos quando comparados ao resultado materno.

E, seguindo a linha clássica machadiana, cerca de metade dos respondentes (47%) se consideram “bonitos”, contra somente 3% que se acham “feios”. Além disso, quase 30% se consideram mais inteligentes do que a média das pessoas. Muito provavelmente, a fonte dessa avaliação são as próprias mães que tanto admiram.

Os pesquisados estão majoritariamente endividados (70%) e infelizes nas respectivas carreiras profissionais. São quase 60% os que afirmam estar profissionalmente abaixo da expectativa. Não é à toa, diante dos desprazeres profissionais e financeiros, que 83% sofreram algum tipo de estresse, 74% de ansiedade, 34% de depressão e 26% de pânico.

Para 31% os que nunca dividiriam um quarto com um homem de orientação sexual diferente. Para completar o quadro de flerte com a homofobia, são maioria (51%) os que evitam ao máximo parecer gay ao se vestir (não detalhamos o que isso significa na prática).e tem algo que ainda mexe no âmago das emoções “machistas” brasileiras é a homossexualidade (alheia). Cerca de um quarto dos brasileiros teria dificuldade de lidar com um filho homossexual (21% preferiram não responder).

Parafraseando o conto “Um Homem Célebre”, de Machado de Assis, enquanto a mente dos homens brasileiros sonha com as glórias de um passado de Pelé e Senna, a vida moderna somente permite admirar o Neymar. E, cabe aos corações aflitos e estressados conviver com a frustração de se comparar com uma figura bem mais complexa que o personagem Pestana. Qual figura? “Eu mesmo”.

“Um Homem Célebre” é um conto de Machado de Assis que se passa no Rio de Janeiro de 1875 e, o protagonista é Pestana, um homem famoso e rico, compositor de polcas. E, apesar da fama, ele odiava suas músicas , pois seu verdadeiro sonho é criar uma peça clássica, uma sonata.

Assim, concluímos, ignorante, machista, homofóbico e sofrendo de ansiedade e depressão. Pobre homem médio brasileiro.

Enfim, a Justiça brasileira pode não ser a que desejamos, mas faz jus ao povo que somos, ao brasileiro médio. A interpretação da norma não pode desconsiderar a própria norma e, principalmente, os motivos que justificaram a elaboração das leis.

 

 

Referências

Agência IBGE Notícias. Homens ganharam quase 30% a mais que as mulheres em 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/27598-homens-ganharam-quase-30-a-mais-que-as-mulheres-em-2019 Acesso em 17.3.2024.

Censo 2022. IBGE. Disponível em: https://basedosdados.org/dataset/08a1546e-251f-4546-9fe0-b1e6ab2b203d?table=ebd0f0fd-73f1-4295-848a-52666ad31757&utm_term=censo%20ibge%202022&utm_campaign=Trend+do+Censo+2022&utm_source=adwords&utm_medium=ppc&hsa_acc=9488864076&hsa_cam=21101952202&hsa_grp=160879691738&hsa_ad=693650899919&hsa_src=g&hsa_tgt=kwd-1414005611223&hsa_kw=censo%20ibge%202022&hsa_mt=b&hsa_net=adwords&hsa_ver=3&gad_source=1&gclid=Cj0KCQjwqdqvBhCPARIsANrmZhMNZU_Cc-iaWck0NmkQdbhSveR1NI9XCP56XlXMCWcu7QCiYqDjgaAuHyEALw_wc Acesso em 17.3.2024.

DE ASSIS, Machado.  Um Homem Célebre. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7532007/mod_resource/content/1/Machado_homem%20c%C3%A9lebre.pdf Acesso em 17.3.2024.

KERTZMAN, Ricardo. OPINIÃO SEM MEDO Brasileiro médio é ignorante e alinhado com bolsonarismo. Disponível em: https://www.em.com.br/app/colunistas/ricardo-kertzman/2021/05/10/interna_ricardo_kertzman,1264914/brasileiro-medio-e-ignorante-e-alinhado-com-bolsonarismo.shtml Acesso em 17.3.2024.

IANNI, Octavio. Tendências do pensamento brasileiro. Disponível em:https://www.scielo.br/j/ts/a/gyhRzLLzbWw9tjxcs398Yfx/?format=pdf&lang=pt   Acesso em 17.3.2024.

Redação GQ . Pesquisa “escancara” o óbvio: o brasileiro (médio) é machista, diz Maurício Moura. Disponível em: https://gq.globo.com/Noticias/noticia/2022/05/pesquisa-escancara-o-obvio-o-brasileiro-medio-e-machista-diz-mauricio-moura.html Acesso em 17.3.2024.

UMBELINO, Leonardo. O brasileiro médio na prática e pensamentos. São Paulo: Editora Autografia,1997.