Porte de Maconha
Gisele Leite
Professora universitária aposentada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Presidente da Seccional RJ da ABRADE. Pesquisadora-chefe do INPJ. Trinta e sete obras jurídicas publicadas. Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos.
O Supremo Tribunal Federal retomará no dia 20 de junho de 2024 o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha e ainda definirá as balizas diferenciadoras de tráfico e uso pessoal. Contabiliza-se oito votos a favor, mas o julgamento foi paralisado por conta de um pedido de vista do Ministro Dias Toffoli.
Existem, até o presente momento, cinco votos à favor da descriminalização, bem existe a maioria formada para a definição de parâmetros que diferenciem os usuários de traficantes. No entanto, os ministros da Suprema Corte]divergem sobre a quantidade de droga que diferencia quem vende de quem usa.
Em análise do crime tipificado no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2008) que fixou penas para usuário. Em tese, tais penas não levariam à prisão, e no máximo, às demais consequências de um processo penal. Ainda falta a nítida distinção para a caracterização de usuários e traficantes. Temos como voto prevalente o voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do processo. Inicialmente, propôs a descriminalização da posse de qualquer droga, mas depois reajustou o voto para a interpretação se aplique apenas para o uso da maconha.
Votaram com o relator os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber (hoje aposentada). Alexandre propôs que seja considerado usuário aquele que porta até 60 (sessenta) gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. A diferenciação proposta pelo ministro é a que tem o maior número de adesões até o momento.
Registrou-se a divergência parcial do Ministro Cristiano Zanin, que entende que o artigo 28 da Lei de drogas é constitucional e, ainda propôs no, entanto, a diferenciação entre tráfico e uso. Para o referido ministro, pessoas com até vinte e cinco gramas devem ser presumidas como usuárias, não como traficantes e, foi seguido pelos Ministros André Mendonça e Kássio Marques.
O Ministro Alexandre de Moraes apresentou um voto extenso e, foi baseado em estudo feito pela Associação Brasileira de Jurimetria, e concluiu, que, por exemplo, os jovens, negros e analfabetos são considerados traficante4s com maior frequência, mesmo quando presos com quantidade de droga inferior à apreendida como pessoas acima de trinta anos, brancas e com ensino superior. Em média, analfabetos são considerados traficantes quando presas com a média de trinta e dois gramas de maconha, enquanto que a média para pessoas com ensino superior é de quarenta e nove gramas, segundo a referida pesquisa.
O Ministro Alexandre também destacou que a falta de parâmetros evidentes para diferenciar usuários de traficantes acarretou uma exagerada discricionariedade das autoridades policiais, do Ministério Público e do Judiciário.
Ainda ressaltou que nos últimos seis anos triplicou o número de presos por tráfico de drogas, mas não triplicando o número de presos brancos, com mais de trinta anos e ensino superior e, sim, de pretos e pardos, jovens e sem instrução. Destacou que é necessário garantir a aplicação isonômica da Lei de Drogas.
O ministro propôs a seguinte tese de repercussão geral:
1) Não tipifica o crime previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006 a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, a substância entorpecente maconha, mesmo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
2) Nos termos do parágrafo 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário aquele que adquirir guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas;
3) A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas quando a quantidade de maconha for inferior à prevista no item 2, desde que, de maneira fundamentada, comprove a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes;
4) Nas hipóteses de prisão em flagrante por quantidades inferiores à fixada no item 2, para afastar a presunção relativa na audiência de custódia a autoridade judicial, de maneira fundamentada, deverá justificar a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e a manutenção da persecução penal apontando obrigatoriamente outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes, tais como a forma de acondicionamento, a diversidade de entorpecentes, a apreensão de outros instrumentos, como balanças, cadernos de anotação, celulares com contato de compra e venda, locais e circunstâncias de apreensão, entre outras características que possam auxiliar na tipificação do tráfico;
5) Nas hipóteses de prisão em flagrante por quantidades superiores às fixadas no item 2, na audiência de custódia, a autoridade judicial deverá permitir ao suspeito a comprovação de tratar-se de usuário.
Já o Ministro Nunes Marques acompanhou Zanin quanto à definição de 25 gramas para que uma pessoa seja enquadrada como usuária.
Segundo o ministro, “para além de interferência desproporcional do Poder Judiciário” no Legislativo, a descriminalização poderia “potencializar o tráfico”. Vide: RE 635.659