Pejotização e Direito do Trabalho

Gisele leite

Professora universitária há três décadas; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas; Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional; Vinte e nove obras jurídicas publicadas; Articulistas dos sites JURID, Portal Investidura, Letras Jurídicas; Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil; Pedagoga.

 

 

Em 14 de abril do corrente ano, o Ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu todos os processos brasileiros referentes a pejotização de trabalhadores e a contratação de autônomos pelas empresas.

E, tal suspensão processual perdura como válida até que o Plenário julgue mérito do recurso ARE 153603. Verifica-se que tais contratos são comuns em vários setores como corretagem imobiliária, saúde, educação, tecnologia da informação, representação comercial e até advocacia. E, a referida decisão deve incluir a relação existente entre os entregadores e os aplicativos de entrega, porém, não terá repercussão sobre os processos referentes ao vínculo de motoristas e aplicativos tais como 99 e a Uber que estão abarcados em outro processo de repercussão geral.

No Direito Brasileiro, a repercussão geral é um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF), que visa garantir que apenas questões constitucionais relevantes, com impacto social, político, econômico ou jurídico significativo, sejam analisadas pela Corte.

É um mecanismo que filtra os recursos que chegam ao STF, direcionando-o para temas que transcendem o interesse das partes envolvidas na causa.

O aludido ministro do STF alega que o debate tem gerado majoração expressiva no número de demandas no STF, por meio de reclamações constitucionais. Assim, em sua opinião, a medida impedirá a multiplicação excessiva de decisões divergentes favorecendo a segurança jurídica e ainda desafogando a Suprema Corte brasileira.

Aludiu ainda o Ministro que o descumprimento sistemático da orientação do STF pela Justiça do Trabalho o que gera grande insegurança jurídica, com farta disseminação de muitas demandas que aportam ao STF, transformando-o em uma instância revisora de decisões trabalhistas.

Apesar do caso concreto refira-se aos contratos de franquia, o Ministro relator ressaltou que a discussão não resta limitada apenas a tal tipo de contrato. Trata-se de uma ampla controvérsia, principalmente enfocando todas as modalidades de contratação civil e comercial no Brasil.

Há em discussão três temas centrais, a saber: o primeiro, sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar os casos de fraude no contrato civil de prestação de serviços. O segundo é referente a licitude da contratação do trabalhador autônomo ou da pessoa jurídica para a prestação de serviços, conforme a jurisprudência da Suprema Corte que permitiu a terceirização irrestrita.

E, o derradeiro tema refere-se a quem caberá o ônus probatório em face da suposta fraude contratual, se recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa empregadora e contratante.

Anteriormente, em onze de abril do corrente ano o Plenário virtual STF confirmou, por maioria, a decisão do Ministro Gilmar Mendes que reconhecia a repercussão geral neste processo.]

Em tempo: a repercussão geral é definida como a existência de questões constitucionais que possuem relevância para a sociedade, ultrapassando os interesses subjetivos da causa.

É um conceito jurídico indeterminado, o que significa que a sua aplicação exige uma análise caso a caso, considerando a importância da questão constitucional para a sociedade como um todo.

A repercussão geral é essencial para a eficiência do STF, pois permite que a Corte concentre seus esforços em temas que realmente importam para o país. Ao restringir o acesso ao recurso extraordinário aos casos que apresentam repercussão geral, o STF garante que seus recursos sejam utilizados de forma estratégica, para a proteção de direitos fundamentais e a garantia da Constituição.

 

Os ministros devem analisar recurso de um corretor de seguros da Prudential que questiona decisão da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que anulou o reconhecimento de vínculo de emprego, derrubando decisão do Tribunal Regional da 9ª Região (TRT9), em Curitiba, e retomando a sentença da Corte original.

O corretor, que prestou serviços para a empresa entre setembro de 2015 e fevereiro de 2020, alega que a turma do TST aplicou de maneira indevida o Tema 725 de repercussão geral, do STF, que trata da licitude da terceirização, e que, na verdade, o caso envolve fraude no contrato de franquia.

Também argumenta que há elementos concretos que comprovam o vínculo de emprego, como subordinação e pessoalidade, e que a decisão do TST viola a CLT, o princípio da legalidade e a coisa julgada.

Inicialmente, Mendes negou o recurso, em decisão monocrática publicada em fevereiro. O ministro rejeitou a hipótese do trabalhador de que haveria distingshing (diferenciação) em relação ao Tema 725 e observou que o STF, na análise de casos semelhantes, reconheceu que a celebração do contrato de franquia é abarcada pelas hipóteses de terceirização lícita, fixadas no Tema 725 e na ADPF 324.

O relator, porém, reconsiderou a decisão e determinou o processamento do recurso para que seja oportunamente submetido à sistemática da repercussão geral, para apreciação dos demais ministros do Supremo.

A discussão sobre vínculo empregatício em contratos de franquia já está pendente de julgamento no Supremo. Em maio de 2024, o Partido Novo entrou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1149) com a alegação de que decisões da Justiça do Trabalho teriam reconhecido “equivocadamente” relações de emprego em contratos de franquia, criando “limitações” à liberdade de pessoas que atuam neste modelo de negócio.

Segundo o partido, essas decisões feriram princípios como o da livre iniciativa, da separação dos Poderes e da livre concorrência, além de extrapolar a competência da Justiça do Trabalho, uma vez que os processos envolvendo franqueador e franqueados deveriam ser discutidos na Justiça Comum. A relatora do processo é a ministra Cármen Lúcia. Ainda não há data para o caso ser levado a julgamento.

No caso de franquias, ainda existe uma peculiaridade, a Lei de Franquias (Lei 13.966. de dezembro de 2019), estabelece, em seu artigo 1º, que não há vínculo de emprego em relação ao franqueado ou a seus empregados.

A discussão sobre a legalidade da pejotização e o reconhecimento de vínculo empregatício em casos de “pejotização” têm sido objeto de decisões judiciais e de debates sobre a legislação trabalhista, como a Reforma Trabalhista de 2017.

A Justiça do Trabalho tem atuado no reconhecimento de vínculo empregatício em casos de pejotização, quando a relação de trabalho apresenta os requisitos legais de emprego (subordinação, onerosidade, habitualidade, pessoalidade).

A pejotização é frequentemente considerada uma fraude à legislação trabalhista, pois visa burlar a proteção do trabalhador e os direitos garantidos pela CLT.

A pejotização contribui para o aumento da informalidade no mercado de trabalho, pois os trabalhadores “pejotizados” não possuem o direito de ter sua carteira assinada e não tem acesso à proteção social e trabalhista.

Em síntese, ao julgar o caso como de interesse geral, o STF deve decidir três questões, para além da validade ou não desse contrato:

A competência da Justiça do Trabalho para decidir sobre esse tipo de relação de trabalho; Se a terceirização ou pejotização é uma prática legal; E se é o trabalhador ou o contratante que tem a obrigação de provar que o contrato questionado na Justiça caracteriza uma fraude.

A Reforma Trabalhista de 2017, porém, legalizou a terceirização de toda e qualquer atividade.

 

No ano seguinte à aprovação da lei, um novo entendimento foi consolidado pelo STF, que decidiu então que a terceirização era possível de forma ampla e irrestrita – sem fazer diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim.

Em 2022, o STF decidiu pela primeira vez pela legalidade da pejotização, num caso envolvendo a contratação de médicos como pessoa jurídica por um hospital de Salvador (BA).

A diferença é que, na terceirização clássica (tema da decisão de 2018), há uma empresa intermediária entre contratante e trabalhador.

Já na pejotização, o vínculo entre as partes é direto, com o trabalhador constituindo empresa (como Microempreendedor Individual, por exemplo) para prestar serviço ao empregador – o que a Primeira Turma do STF entendeu que é legal na decisão de 2022.

 

Referências

 

CARRANÇA, Thaís. Pejotização no STF: o que está em jogo no julgamento que paralisou todas as ações do tema pelo Brasil. Disponível em:

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c8x857j7dyxo. Acesso em 20.4.2025.

 

MAIA, Flávia. Gilmar Mendes suspende todos os processos do país sobre pejotização entregadores. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/gilmar-mendes-suspende-todos-os-processos-do-pais-sobre-pejotizacao? utm_campaign=jota_info__mais_lidas_da_semana_-_1942025&utm medium=email&utm_source=RD+Station Acesso em 20.4.2025.