Pedido de recuperação judicial

Gisele Leite

Professora universitária há 3 décadas; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas; 29 obras jurídicas publicadas; Articulistas dos sites JURID, Lex Magister; Portal Investidura, Letras Jurídicas; Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil; Pedagoga; Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual, Revista de Direito Trabalho e Processo, Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores – POA – RS

 

 

 

Resumo: O pedido de recuperação judicial é um processo legal que permite a uma empresa com dificuldades financeiras evitar a falência, reestruturando suas dívidas e obtendo proteção contra ações de cobrança. Para iniciar o processo, a empresa deve apresentar um pedido à Justiça, acompanhado de um plano de recuperação e diversos documentos que demonstrem a situação financeira da empresa. O processo de recuperação judicial pode ser complexo e demorado, exigindo a contratação de profissionais especializados, como advogados e contadores. A empresa deve demonstrar boa fé e compromisso em cumprir o plano de recuperação para que o processo seja bem-sucedido. A recuperação judicial não garante a reabilitação imediata da empresa, mas sim a criação de condições para que ela possa se recuperar e voltar a ser saudável financeiramente.

Palavras-chave: Direito Empresarial. Lei de Falência e recuperação judicial. Constituição Federal brasileira de 1988. Recuperação Judicial. Renegociação de dívidas.

 

 

O ordenamento jurídico brasileiro disciplina e regulamenta a recuperação judicial, extrajudicial e a falência por uma lei de 2005 com o fito de ajudar o empresário e a sociedade empresária a sobreviver em uma crise econômico-financeira, visando a manutenção da fonte produtora, do emprego e dos interesses dos credores.

Por isso, promove a função social da empresa e provém o estímulo à atividade econômica. frise-se que a recuperação judicial, além de evitar a falência, e admite três grandes benefícios, a saber: a suspensão das ações em andamento contra o empresário em dificuldade financeira, dando tempo para a empresa ou empresário elaborar um Plano de Recuperação Judicial compatível com a sua instabilidade econômica; o alongamento e o parcelamento das dívidas e, por fim, o deságio, que consiste em descontos para adimplemento dos valores devidos.

O olhar social instituído pela Recuperação Judicial para com o devedor em crise, igualmente alterou significativamente o cenário anterior, uma vez que, até então, o empresário ou a empresa em dificuldades eram vistos como não cumpridores de seus compromissos, sendo presumida a má-fé ou grave inaptidão para o comércio e fazendo surgir a constatação de que a quebra da empresa nem sempre se dá por grave culpa do comerciante, não havendo motivos para a punição do falido inocente.

O empresário não é o único a sentir as consequências da crise da empresa, razão pela qual a ferramenta da recuperação judicial ganha ainda mais importância.

Além dos credores, que muitas vezes enfrentam verdadeira relação de simbiose com a empresa em crise, o Estado também é atingido, já que com as dificuldades econômicas, a empresa pode passar a descumprir suas obrigações tributárias, além do fato de que a queda de produção em decorrência da crise econômico-financeira reduz, por conseguinte, a arrecadação fiscal.

Fases[1] do pedido de recuperação judicial são:

  1. Identificação da situação financeira: A empresa deve reconhecer a impossibilidade de cumprir suas obrigações e buscar a recuperação judicial como alternativa à falência.
  2. Elaboração do plano de recuperação: O plano deve detalhar como a empresa pretende se reestruturar, incluindo a forma como renegociará as dívidas, quais ativos pretende vender ou explorar, e quais medidas tomará para reduzir custos e aumentar a receita.
  3. Apresentação do pedido: A empresa, por meio de um advogado, deve apresentar o pedido de recuperação judicial à Justiça, acompanhado do plano de recuperação e dos documentos comprobatórios.
  4. Análise do pedido: O juiz analisará o pedido e, se o aceitar, suspenderá as ações de execução contra a empresa, concedendo-lhe um período para renegociar as dívidas com os credores.
  5. Assembléia de credores: Os credores da empresa serão convidados a participar de uma assembleia para analisar o plano de recuperação e votar sobre a sua aprovação.
  6. Homologação do plano: Se o plano de recuperação for aprovado pelos credores, o juiz homologará o plano, tornando-o vinculante para todos os envolvidos.
  7. Cumprimento do plano: A empresa deve cumprir as obrigações previstas no plano de recuperação, sob pena de o processo ser encerrado e a empresa ser levada à falência[2].

Benefícios da recuperação judicial é composto das seguintes etapas:

Proteção contra ações de cobrança: A empresa fica protegida das ações de execução dos credores durante o processo de recuperação.

Renegociação das dívidas: A empresa pode renegociar suas dívidas com os credores, obtendo condições mais favoráveis de pagamento.

Tempo para reestruturar: A empresa tem tempo para implementar medidas para melhorar sua situação financeira e voltar a ser lucrativa.

Impedimento da falência: A recuperação judicial permite à empresa evitar a falência, mantendo suas atividades e empregos.

A Recuperação Judicial tem como objetivo primário evitar o encerramento definitivo de uma organização e, ao mesmo tempo, recuperar a função social da atividade empresarial, desenvolvendo e circulando riquezas, de modo a permitir a continuidade também da oferta de bens e serviços aos consumidores, aumentando a concorrência entre os agentes econômicos e o livre comércio.

Em princípio, nada muda e os serviços devem continuar sendo prestados normalmente. Procedimento significa que a companhia passa por problemas financeiros graves, mas não é sinônimo de falência.

A recuperação judicial significa que a empresa passa por problemas financeiros, mas é uma etapa anterior à falência e, na prática, a relação com os clientes não deve mudar.

O pedido de recuperação judicial da Voepass, caso seja deferido, tem como principais efeitos a suspensão das ações e execuções judiciais em curso, a renegociação das dívidas com base em um plano detalhado e a possibilidade de nova oportunidade para a empresa reestruturar suas finanças e evitar a falência.

Caso o pedido de recuperação judicial seja deferido pela Justiça, todos os passivos da Voepass serão congelados e negociados com base em um plano detalhado que será elaborado para atender todos os credores”, afirma a empresa, por meio de nota.

Uma dívida que gira em torno de R$ 400 milhões, segundo informações atualizadas na petição[3]. Esse valor não inclui débitos em dólares, o que pode elevar ainda mais o tamanho do rombo financeiro.

A Voepass afirma que, após o trágico acidente aéreo em Vinhedo (SP), que matou 62 pessoas em agosto de 2024, a Latam teria solicitado a suspensão das operações de quatro aeronaves, deixando apenas seis voando e apontou e a Latam como a principal responsável pelo buraco financeiro em que se encontra.  .

A crise, segundo a empresa, foi alimentada por três grandes fatores: O impacto do acidente aéreo em Vinhedo; A suspensão das operações pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) após detectar falhas de segurança; E o conflito com a Latam, que, de acordo com a Voepass, antes do desastre aéreo representava 93% do faturamento total da empresa.

Em nota, a Voepass afirma que “caso o pedido de recuperação judicial seja deferido pela Justiça, todos os passivos serão congelados e negociados com base em um plano detalhado que será elaborado para atender todos os credores”.

A Lei 14.112/2020 trouxe muito mais do que atualizações ou alterações pontuais na recuperação e na falência. Na recuperação, os meios de proteção e de financiamento do devedor foram repensados, o papel dos credores, inclusive dos extraconcursais, foi redimensionado, o procedimento foi redesenhado; na falência, ganhou relevância a proteção da atividade empresarial e a maximização dos ativos, sem descuidar das possibilidades de reinício do devedor.

Em suma: temos um novo sistema de tratamento da insolvência empresarial, mais moderno, abrangendo até mesmo a mediação e a insolvência transnacional. É certo que não houve uma total revolução, mas os avanços foram substanciais.

O novo modelo impõe a releitura da lei, não com os velhos hábitos fincados ao longo dos vinte e cinco anos de vigência da Lei 11.101/2005, mas totalmente renovada.

A redação original, que previa a suspensão de “ações e execuções”, era inadequada e exigia a mudança promovida pela Lei 14.112/2020[4].

As ações e fases de conhecimento, em que o objetivo é apenas o reconhecimento da obrigação e a definição de seu valor, não ficam e nem ficavam suspensas.

O que se suspendem são os processos e atos de execução, que podem gerar danos concretos ao devedor e à coletividade de credores, na medida em que dificultam a superação da crise. Com a nova redação, além da correção para excluir a suspensão de “ações”, a lei detalha as medidas suspensas, que são (i) o curso da prescrição, (ii) as execuções contra o devedor por créditos sujeitos ao concurso, (iii) qualquer forma de “retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial”.

Foram expressamente excluídas da abrangência da suspensão decorrente da recuperação judicial variadas situações, pela natureza ou pela qualidade do crédito.

Primeiro, não se sujeitam à suspensão as ações e execuções de créditos que não são atingidos pela recuperação, como o dos credores excluídos do processo (art. 6º, § 7º-A; art. 49, §§ 3.º e 4.º) e o crédito fiscal (art. 6.º, § 7.º-B). Ainda assim, embora possam as execuções tramitar livremente, cabe ao juízo da recuperação judicial admitir atos de constrição, analisando a essencialidade dos bens constritos, novidade legislativa que privilegiou a jurisprudência consolidada[5].

 

Referências

BEZERRA FILHO, Manoel Justino; LYRA, Adriano Ribeiro Bezerra; DOS SANTOS, Eronides A. Rodrigues. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: RT, 2015.

BOMFIM, Vólia; PINHEIRO, Iuri. Breves comentários à Lei 14.112/20 e seus impactos na seara trabalhista.Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/191858/2021_bomfim_volia_comentarios_lei14112.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em 24.4.2025.

CAMPINHO, Sérgio. Direito de empresa: Curso de Direito Empresarial. São Paulo: SaraivaJur, 2022.

COELHO, Fábio Ulhôa.  Manual de Direito Comercial. 34ª edição. São Paulo: RT, 2023.

___________________. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas.  16ª edição. São Paulo: RT, 2025.

DA ROSA ROCHA, André Ferreira. O Combate à Fraude na Recuperação Judicial. 1ª edição. São Paulo: RT, 2024.

FONSECA, Geraldo. Breve análise doutrinária da Lei de Recuperação Judicial e Falência.Disponível em:  https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/empresarial/analise-recuperacao-judicial-falencia/?gad_source=1&gbraid=0AAAAADsc1NxvITgGYmi-cxr8SPp7-3Pby&gclid=CjwKCAjwwqfABhBcEiwAZJjC3sq0HyRmghsYAr2HrF4VRICLGxB3fSF_NJCk5wRn9FPvUwTnvZ0GaBoClw4QAvD_BwEAcesso em 24.4.2025.

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa. 10ª edição. São Paulo: RT, 2021.

MATTOS, Eduardo da Silva; PROENÇA, José Marcelo Martins. Recuperação de Empresas. São Paulo: RT, 2023.

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de Direito Empresarial. 6ª edição. Rio de Janeiro: GrupoGen, 2025.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Volume 1 e Volume 2. 14ª edição. São Paulo: SaraivaJur, 2023.

[1] A recuperação judicial, um processo legal para empresas em dificuldades financeiras, possui três fases principais: postulatória, deliberativa e de execução. A fase postulatória inicia com o pedido de recuperação judicial e termina com a decisão do juiz que o processa. A fase deliberativa envolve a elaboração e aprovação do plano de recuperação pelos credores. Por fim, a fase de execução consiste na implementação do plano aprovado.

[2] Segundo o art. nº 61 da Lei nº 11.101/2005 – que regula a Recuperação Judicial, a Extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária –, uma vez deferida, a recuperação deverá ser encerrada no prazo máximo de 2 (dois) anos. Na prática, porém, ela pode perdurar por mais tempo, dependendo de autorização judicial.

[3] PETIÇÃO INICIAL NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL:  Além de ser observado e cumprido com as regras gerais que estão definidas no Código de Processo Civil, na Lei de Recuperação Empresarial, a petição inicial de recuperação judicial será instruída com: a) a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; b) as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção. E ainda: a)  a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; b) a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; c) certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; d)  a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; e)  os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

 

  1. f) certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; g) a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. Destaque-se que os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado. No caso das microempresas e empresas de pequeno porte na petição inicial, poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica. Veja também: Plano de Recuperação Judicial – Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. O Juiz poderá determinar o depósito em cartório os documentos ou de cópia destes, de escrituração contábil e demais relatórios, bem como os livros e escrituração contábil simplificada apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte.

[4] A Lei nº 14.112/2020, também conhecida como a “Nova Lei de Falências”, é uma reforma que atualiza a Lei nº 11.101/2005, que trata da recuperação judicial e da falência. O objetivo é modernizar o processo, dar mais celeridade e facilitar a reestruturação de empresas em dificuldades financeiras.  Principais Mudanças e Inovação: Recuperação Judicial e Extrajudicial: A lei aprimora o processo de recuperação judicial, incluindo a possibilidade de apresentação de plano de recuperação por credores. Também estabelece um período de “stay period“, onde a empresa é protegida contra execuções.  Proteção do Patrimônio: A lei protege o patrimônio do devedor, enquanto pessoa jurídica, e incentiva métodos alternativos de resolução de conflitos.  Produtores Rurais: Produtores rurais passam a ter a possibilidade de solicitar recuperação judicial, com um plano de recuperação especial.  Parcelamento de Dívidas: A lei permite o parcelamento e a transação de dívidas tributárias, com a possibilidade de utilizar créditos fiscais e de contribuição social para quitar parte da dívida.  Mediação e Conciliação: A norma incentiva a utilização de mediação e conciliação para a resolução de conflitos relacionados a habilitação e impugnação de créditos.  Extinção das Obrigações do Falido: O prazo para extinção das obrigações do falido foi reduzido de 5 para 3 anos a partir da decretação da falência.  Distribuição de Lucros: A lei proíbe a distribuição de lucros e dividendos aos sócios até a aprovação do plano de recuperação judicial.  Financiamento: A lei autoriza empréstimos para o empresário durante a recuperação judicial, com garantia em bens pessoais da empresa ou de seus sócios.  Credores: A lei estabelece novas regras para a ordem de pagamento dos credores, incluindo os credores extraconcursais.

[5] O Brasil registrou, em 2024, o número de 2.273 pedidos de recuperação judicial feitos por empresas. É o maior índice contabilizado desde o início da série histórica (2014), segundo o Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian e, representou um aumento de 61,8% de pedidos em relação ao ano de 2023. O cenário supera apenas aquele observado em 2016, quando o país registrou 1.863 pedidos. Em 2024, as empresas no Brasil apresentaram 949 pedidos de falência, indicando queda de 3,5% na variação anual do indicador.