
O Regimento Interno dos Tribunais de Ética e Disciplina da OAB: Uma Análise Crítica
Raylson Costa de Sousa
Advogado, Pós-graduando em Processo Civil na PUC-MG, Membro efetivo da Comissão de Processo Civil da OAB/MG, 1º suplente da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Uberaba (MG) 2022-2027
Idealizador do projeto JurisTED
A composição dos Tribunais de Ética e Disciplina da OAB sempre foi um tema de grande relevância para a advocacia, especialmente diante do papel que esses órgãos desempenham no julgamento e uniformização dos parâmetros das condutas dos advogados no exercício da advocacia.
No entanto, uma recente decisão do Conselho Federal da OAB reacendeu o debate sobre os critérios adotados pelas seccionais para a escolha dos julgadores desses tribunais, e seus limites normativos. Trata-se do julgamento proferido na Ementa nº 072/2025/SCA-PTU, em que se discutiu, entre outros pontos, a legalidade da atuação de membro do TED que não ostentava mandato de conselheiro seccional, vejamos:
Relatora: Conselheira Federal Vera Lucia Paixão (RO). EMENTA N. 072/2025/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Art. 75 do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime de Conselho Seccional da OAB. Tribunal de Ética e Disciplina. Composição. Art. 58, III, EAOAB. O artigo 58, inciso III, do Estatuto da Advocacia e da OAB, ao atribuir competência para os Conselhos Seccionais definirem a composição, funcionamento e a escolha dos membros de seus Tribunais de Ética e Disciplina, não faz qualquer ressalva quanto à obrigatoriedade de escolherem apenas membros que exerçam mandatos eletivos, vale dizer, Conselheiros Seccionais. A seu turno, os Tribunais de Ética e Disciplina têm suas normas gerais dispostas no artigo 114 do Regulamento Geral, ali constando expressamente que os membros dos Tribunais de Ética e Disciplina, inclusive seus Presidentes, são eleitos na primeira sessão ordinária após a posse dos Conselhos Seccionais, dentre os seus integrantes ou advogados de notável reputação ético-profissional, observados os mesmos requisitos para a eleição do Conselho Seccional (art. 114, § 1º, RG), de modo que, pela redação da referida norma, não existe a obrigatoriedade de os membros dos Tribunais de Ética e Disciplina exercerem mandatos de Conselheiros Seccionais. Nulidade inexistente. Rejeição. Recurso improvido. Dosimetria. Análise de ofício. Bis in idem. Utilização de reincidência como critério de majoração da sanção disciplinar de censura para a sanção de suspensão, e também para cominar multa. Cominação da sanção de censura, e, face à reincidência, manutenção da multa, mas reduzida para 01 (uma) anuidade, aplicando-se a dosimetria mais favorável, no contexto. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso e, de ofício, cominar a sanção de censura e manter a multa de 01 (uma) anuidade, face à reincidência, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 16 de maio de 2025.
A preliminar, embora inédita e engenhosa, foi rejeitada. O Conselho Federal deixou claro que o Regulamento Geral da OAB não exige que os membros dos Tribunais de Ética sejam conselheiros eleitos, bastando que atendam aos mesmos requisitos exigidos para a eleição ao Conselho Seccional.
Contudo, o que mais chama atenção no caso é que a rejeição da tese expôs uma realidade silenciosa, mas preocupante: diversas seccionais vêm utilizando sua autonomia regulamentar-regimental para estabelecer um critério próprio e incompatível com o Regulamento Geral.
O principal ponto de tensão está nos requisitos para que advogadas e advogados possam integrar os Tribunais de Ética e Disciplina na qualidade de julgadores, uma vez que os requisitos para o cargo mudam de seccional para seccional.
Mas pode o regimento interno dos Tribunais de ética e disciplina dispor sobre as condições de elegibilidade/investidura?
Para responder a essa questão, é preciso recorrer ao próprio texto do Regulamento Geral da OAB, que assim dispõe:
Art. 114. Os Conselhos Seccionais definem nos seus Regimentos Internos a composição, o modo de eleição e o funcionamento dos Tribunais de Ética e Disciplina, observados os procedimentos do Código de Ética e Disciplina.
§1º Os membros dos Tribunais de Ética e Disciplina, inclusive seus Presidentes, são eleitos na primeira sessão ordinária após a posse dos Conselhos Seccionais, dentre os seus integrantes ou advogados de notável reputação ético-profissional, observados os mesmos requisitos para a eleição do Conselho Seccional.
§2º O mandato dos membros dos Tribunais de Ética e Disciplina tem a duração de três anos.
§3º Ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 66 do Estatuto, o membro do Tribunal de Ética e Disciplina perde o mandato antes do seu término, cabendo ao Conselho Seccional eleger o substituto.
Note-se que o artigo atribui aos Conselhos Seccionais a competência para regulamentar em seu regimento apenas três aspectos específicos, sendo i) Composição ii) Modo de eleição ii) Funcionamento.
Todavia, nenhuma dessas competências autoriza a fixação de requisitos subjetivos de elegibilidade/investidura dos membros julgadores. Isso porque as condições para investidura no cargo de julgador já estão expressamente disciplinadas no §1º do próprio art. 114 do Regulamento Geral da OAB, que determina:
“Os membros dos Tribunais de Ética e Disciplina, inclusive seus Presidentes, são eleitos na primeira sessão ordinária após a posse dos Conselhos Seccionais, dentre os seus integrantes ou advogados de notável reputação ético-profissional, observados os mesmos requisitos para a eleição do Conselho Seccional.”
A interpretação do dispositivo foi, inclusive, reforçada pela Conselheira Federal Vera Lucia Paixão (RO), relatora do Recurso nº 072/2025/SCA-PTU, no qual o Conselho Federal deixou claro que não há exigência de que os membros julgadores sejam conselheiros eleitos, mas apenas que observem os requisitos previstos para tal cargo.
Assim, os critérios de elegibilidade dos julgadores encontra-se no próprio Estatuto da Advocacia, especificamente no art. 63, §1º, da Lei nº 8.906/1994, que dispõe:
Art. 63. A eleição dos membros de todos os órgãos da OAB será realizada na segunda quinzena do mês de novembro, do último ano do mandato, mediante cédula única e votação direta dos advogados regularmente inscritos.
§1º A eleição, na forma e segundo os critérios e procedimentos estabelecidos no Regulamento Geral, é de comparecimento obrigatório para todos os advogados inscritos na OAB.
§2º O candidato deve comprovar situação regular perante a OAB, não ocupar cargo exonerável ad nutum, não ter sido condenado por infração disciplinar, salvo reabilitação, e exercer efetivamente a profissão há mais de 3 (três) anos, nas eleições para os cargos de Conselheiro Seccional e das Subseções, quando houver, e há mais de 5 (cinco) anos, nas eleições para os demais cargos.
Portanto, o único critério objetivo e vinculante para integrar os TEDs é o mesmo exigido para o cargo de Conselheiro Seccional: três anos de inscrição regular na OAB, com efetivo exercício profissional e adimplência estatutária dentre os outros, como por exemplo, não exercer cargo ad nutum.
Esse é o entendimento que se extrai diante do que dispõe o §1º do art. 114 do Regulamento Geral da OAB, ao exigir expressamente que os membros dos Tribunais de Ética e Disciplina observem os mesmos requisitos para a eleição ao Conselho Seccional, inclusive recomendo a leitura do Regimento da Seccional de Goiás [1]e Rondônia[2] que já se adaptaram exigindo apenas 3 anos de exercício profissional para exercer a função de julgador.
Dessa forma, fica expressamente afastada qualquer interpretação que tente estender o requisito temporal de cinco anos aos membros dos TEDs, com base na parte final do §2º do art. 63 do Estatuto, que trata dos “demais cargos”.
Isso porque já há previsão legal específica no próprio Regulamento Geral determinando que, para o caso dos Tribunais de Ética e Disciplina, devem ser observados apenas os requisitos exigidos para o Conselho Seccional e não para os demais cargos da estrutura da OAB.
Assim, qualquer disposição regimental que contrarie esse comando além de afrontar o princípio da legalidade, gera tratamento desigual entre advogados de diferentes seccionais, desrespeitando a isonomia institucional que deve reger o Sistema OAB.
A correção dessa distorção normativa não é apenas uma exigência de coerência jurídica, mas uma medida essencial para preservar a isonomia, ampliar a inclusão institucional da jovem advocacia e garantir a efetividade da representação ética e plural dentro da estrutura do sistema OAB.
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[1] https://www.oabgo.org.br/arquivos/downloads/ri-ted-final-194377.pdf
[2] https://www.oab-ro.org.br/gerenciador/data/uploads/2024/10/REGIMENTO-INTERNO-TED-2023.29.06.2023.pdf