O Que Seria Pré-Contratação de Horas Prevista na Súmula 199 do TST?
Luiz Henrique Menegon Dutra
adv.dutra@hotmail.com
Cleize Carmelinda Kohls
cleizekohls@gmail.com
1. Noções sobre o direito dos bancários
O Título III da CLT que trata das “Normas Especiais de Tutela do Trabalho”, em seu capítulo I e seção I, nos art. 224 a 226 da CLT, dispõe sobre as regras para o trabalho dos bancários.
Os artigos, acima mencionados, trazem na verdade uma regulação específica sobre a jornada de trabalho, conforme transcrição abaixo:
Art. 224 – A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.
§1º A duração normal do trabalho estabelecida neste artigo ficará compreendida entre sete e vinte e duas horas, assegurando-se ao empregado, no horário diário, um intervalo de quinze minutos para alimentação.
§2º As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.
Art. 225 – A duração normal de trabalho dos bancários poderá ser excepcionalmente prorrogada até 8 (oito) horas diárias, não excedendo de 40 (quarenta) horas semanais, observados os preceitos gerais sobre a duração do trabalho.
Art. 226 – O regime especial de 6 (seis) horas de trabalho também se aplica aos empregados de portaria e de limpeza, tais como porteiros, telefonistas de mesa, contínuos e serventes, empregados em bancos e casas bancárias.
Parágrafo único – A direção de cada banco organizará a escala de serviço do estabelecimento de maneira a haver empregados do quadro da portaria em função, meia hora antes e até meia hora após o encerramento dos trabalhos, respeitado o limite de 6 (seis) horas diárias.
Constata-se, pois, que a legislação estabeleceu a jornada de 6 horas e a carga horária semanal de 30 horas, com previsão de intervalo de 15 minutos para alimentação, como regra geral. Ademais, essa jornada pode ser de 8h e a carga semanal poderá ser de 40 horas, em caráter excepcional.
Além da CLT, a Súmula 102 do TST, esclarece algumas situações referente aos art. 224 e seguintes da CLT, sendo também importante a transcrição:
Súmula nº 102 do TST – BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA (mantida)
I – A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos.
II – O bancário que exerce a função a que se refere o § 2º do art. 224 da CLT e recebe gratificação não inferior a um terço de seu salário já tem remuneradas as duas horas extraordinárias excedentes de seis.
III – Ao bancário exercente de cargo de confiança previsto no artigo 224, § 2º, da CLT são devidas as 7ª e 8ª horas, como extras, no período em que se verificar o pagamento a menor da gratificação de 1/3.
IV – O bancário sujeito à regra do art. 224, § 2º, da CLT cumpre jornada de trabalho de 8 (oito) horas, sendo extraordinárias as trabalhadas além da oitava.
V – O advogado empregado de banco, pelo simples exercício da advocacia, não exerce cargo de confiança, não se enquadrando, portanto, na hipótese do § 2º do art. 224 da CLT.
VI – O caixa bancário, ainda que caixa executivo, não exerce cargo de confiança. Se perceber gratificação igual ou superior a um terço do salário do posto efetivo, essa remunera apenas a maior responsabilidade do cargo e não as duas horas extraordinárias além da sexta.
VII – O bancário exercente de função de confiança, que percebe a gratificação não inferior ao terço legal, ainda que norma coletiva contemple percentual superior, não tem direito às sétima e oitava horas como extras, mas tão somente às diferenças de gratificação de função, se postuladas.
A súmula trata da situação que envolve a função de confiança e dispõe que a gratificação, não inferior a um terço de seu salário, remunera, pois, as 2 horas excedentes de 6 horas.
Mas para quais empregados se aplicam as regras referentes aos bancários? Por óbvio, se aplica a todos que trabalham em bancos, porém restam dúvidas quanto a empregados que trabalham por exemplo em cooperativas de crédito e financeiras.
Nesse sentido, as súmulas 55 e 239 do TST indicam quais empregados estão sujeitas as regras do art. 224 e seguintes da CLT:
Súmula nº 55 do TST – FINANCEIRAS (mantida)
As empresas de crédito, financiamento ou investimento, também denominadas financeiras, equiparam-se aos estabelecimentos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT.
Súmula nº 239 do TST – BANCÁRIO. EMPREGADO DE EMPRESA DE PROCESSAMENTO DE DADOS É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico, exceto quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros.
Enquanto a Súmula 119 do TST e OJ n. 379 da SBDI-1 do TST, indica a quem não aplica:
Súmula nº 119 do TST – JORNADA DE TRABALHO (mantida) – Os empregados de empresas distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários não têm direito à jornada especial dos bancários.
OJ N. 379 SBDI-1 DO TST – EMPREGADO DE COOPERATIVA DE CRÉDITO. BANCÁRIO. EQUIPARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. – Os empregados de cooperativas de crédito não se equiparam a bancário, para efeito de aplicação do art. 224 da CLT, em razão da inexistência de expressa previsão legal, considerando, ainda, as diferenças estruturais e operacionais entre as instituições financeiras e as cooperativas de crédito. Inteligência das Leis n.os 4.594, de 29.12.1964, e 5.764, de 16.12.1971.
Em síntese, sobre os bancários, podemos concluir que existem três tipos de empregados, ao quais:
- Caixa e escriturário, com jornada de 6 horas diárias e 30 horas semanais, nos termos do caput do art. 224 da CLT;
- Gerentes de agência, com jornadas de 8 horas diárias e 40 horas semanais, nos termos do §2º do art. 224 da CLT, sendo necessário auferir poder de mando e gestão, bem como receber uma gratificação de no mínimo 1/3 sobre o seu salário;
- Gerente Geral, sem controle de jornada, nos termos do art. 62,II da CLT, tendo que receber uma gratificação de no mínimo 40% sobre o seu salário;
2. Da Súmula 199 do TST
Quem atua no direito do trabalho bancário percebe o quanto a jornada de 6 horas diárias e 30 horas semanais não agrada aos bancos. Assim, as opções legais para “fugir” desta jornada é promover o empregador a gerente de agência ou gerente geral, porém em ambas as situações se faz necessário o pagamento de uma gratificação, além de passar amplos poderes de mando e decisão aos empregados, o que pode não ser a melhor opção ao empregador.
Diante do “problema”, se criou nos bancos a possibilidade de pré-contratação de horas extras, que basicamente seria a contratação do bancário como empregado de 6 horas, conforme determina a legislação, porém determinando que os empregados realizem diariamente 2 horas extras por dia, desde o início do contrato de trabalho.
Convenhamos, se tem um empregador que não precisa se preocupar com o financeiro, são os bancos, razão pelo qual, não lhes prejudica o pagamento das horas extras, com o devido adicional previsto no §1º do art. 59 da CLT.
Ocorre que referida “solução”, tem como único objetivo desvirtuar a legislação trabalhista, sendo este ato considerado como nulo, nos termos do art. 9 da CLT. Ora, se a legislação claramente prevê a jornada de 6h, não seria razoável deixar a livre pactuação de outra jornada, pois se essa fosse a intenção do legislado, assim teria disposto na legislação.
Nesse sentido, segue o texto da Súmula 199 do TST:
Súmula nº 199 do TST
BANCÁRIO. PRÉ-CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 48 e 63 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I – A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento), as quais não configuram pré-contratação, se pactuadas após a admissão do bancário.
II – Em se tratando de horas extras pré-contratadas, opera-se a prescrição total se a ação não for ajuizada no prazo de cinco anos, a partir da data em que foram suprimidas.
Analisando o texto da súmula, resta clara a nulidade da pré-contratação de horas extras, tendo como consequência, que essas horas, sejam na verdade consideradas como salário base do empregado, obrigando o empregador a remunerá-lo novamente com as horas extras realizadas.
Ocorre que, em alguns casos, a contratação dessas horas ocorre no decorrer do contrato do trabalho, ou logo após a contratação. Sobre isso, segue decisão do TST sobre o tema:
PRÉ-CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS POUCOS DIAS APÓS O INÍCIO DO PACTO LABORAL. FRAUDE. A contratação das horas extras de empregado bancário que se realiza poucos dias após a admissão caracteriza o desvirtuamento da orientação contida na Súmula nº 199 do TST. É que o verbete não seria aplicável, supostamente, ante a exigência de que haja contratação ao tempo da admissão. No caso em apreço, as horas extras foram formalmente contratadas cerca de quinze dias após a admissão, circunstância que evidencia que o banco reclamado, ao postergar a pré-contratação – na expectativa de que essa exceção fosse um requisito para afastar a aplicação da Súmula nº 199 do TST -, agiu de modo a disfarçar a sua deliberada violação aos preceitos da CLT. Assim, segundo o quadro delineado no Tribunal Regional, não há como se furtar ao entendimento de que efetivamente houve pré-contratação de horas extras, a caracterizar a consonância da decisão recorrida com a diretriz da Súmula 199, I, do TST. Recurso de revista conhecido e provido. PROCESSO Nº TST-RR-2083-31.2015.5.02.0018 – MINISTRO RELATOR AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO – 04/12/2019.
No referido processo a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Banco ao pagamento de horas extras a uma analista de cobrança que, no mês seguinte ao da admissão, assinou acordo para prorrogar a jornada em duas horas. A chamada pré-contratação de horas extras foi considerada irregular, por ter sido feita imediatamente após o início do contrato de trabalho.
Dispensada em 2015, a profissional afirmou na reclamação trabalhista que jamais havia seguido a jornada de seis horas dos bancários e que sempre havia trabalhado oito horas diárias e 40 semanais. Por isso, pedia o pagamento de horas extras.
O juízo da 18ª Vara de SP, com fundamentação na Súmula 199 do TST, que considera nula a contratação de serviço suplementar na admissão de bancário, determinou ao banco o pagamento de horas extras. De acordo com a sentença, o documento que demonstraria um suposto acordo de prorrogação de horário de trabalho, efetuado um mês após a admissão, fora desmentido pelas testemunhas da bancária, que confirmaram que, desde a admissão, a jornada era de oito horas.
O ministro Augusto César, relator do recurso de revista, assinalou que, de acordo com o entendimento do TST, a pactuação de horas suplementares poucos dias após a admissão demonstra o intuito fraudulento do empregador de mascarar a pré-contratação, procedimento vedado na Justiça do Trabalho.
3. Conclusão
Conclui-se com este artigo, que a legislação trabalhista deve ser respeitada e cumprida. Qualquer ato que vise a desvirtuar a lei, deve ser considerado nulo, nos termos do art. 9 da CLT.
O Tribunal Superior do Trabalho, observando “aventuras” jurídicas com o objetivo de fraudar a legislação, deve atuar para prevenir violações a direitos trabalhistas e para determinar o pagamento quando a norma é violada.
Um exemplo dessa atuação é a elaboração da Súmula 199 do TST, para impedir a pré contratação de horas extras aos bancários, mantendo o direito a jornada regular de 6 horas diárias e 30 horas semanais nos termos do caput do art. 244 da CLT, salvo obviamente, as exceções previstas no art. 224 da CLT (gerente de agências) ou do art. 62, II da CLT (gerente geral).