O atual estágio do Juiz das Garantias

Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga.

 

Na sessão do dia 22 de junho de 2023, o STF reunido assistia o Ministro Luiz Fux a proferir seu voto. Trata-se, em verdade, do julgamento conjunto de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6298,6299, 6300 e 6305) que questionam o juiz das garantias.

Logo ab initio de seu voto, o relator, o Ministro Luiz Fux pontificou que, sem haver estudos mais aprofundados, não é possível impor ao Judiciário brasileiro, uma alteração que acarretará muitas implicações no sistema criminal vigente no país. Salientou também, que apenas no CPP, o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) já contribuiu e alterou com 33 artigos, dos quais 10 estão sendo questionados pelas ADIs retromencionadas.

Quando Ministro Fux concedeu a liminar em janeiro de 2020, para suspender a vigência de normas disciplinadoras do juiz das garantias, relembrou que as regras entrariam em vigência 30 dias após a sanção presidencial, ignorando peremptoriamente a falta de magistrados no país.

E,ainda destacou ser necessário encontrar ponto de equilíbrio, o que requer estudos aprofundados, pesquisas empíricas, reflexão e muito diálogo institucional, o que seria inviável em tão curo espaço temporal.

Prosseguiu o relator em apontar a necessidade de se atentar para as características de cada tribunal para a devida implantação do juiz das garantias. Cerca de 65,6% das comarcas brasileiras têm somente uma única vara, e, como as regras impedem o juiz de participar de todas as fases do processo criminal, serão necessárias severas adaptações no funcionamento dos tribunais.

De acordo com alteração introduzida no CPP, o juiz das garantias deve atuar na fase do inquérito policial e é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais dos investigados.

Sua competência abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e se encerra com o recebimento da denúncia ou queixa. As decisões do juiz das garantias não vinculam o juiz de instrução e julgamento.

O novo ministro do STF Zanin seguiu entendimento de Dias Toffoli e divergiu do relator o Ministro Fux. E, o julgamento deverá prosseguir semana que vem. O Ministro Cristiano Zanin estreante no plenário do STF, no dia 10.8.2023 apresentou voto em defesa da adoção obrigatória do juiz de garantias.

Divergiu o Ministro relator, que se manifestou por considerar opcional a adoção do mecanismo, segundo o qual o magistrado responsável pela sentença não será o mesmo que analisará as cautelares durante o processo criminal.

Novamente, o julgamento fora suspenso depois do voto de Zanin e deverá ser retomado na semana vindoura. Até o momento o placar registra 2 votos contra 1 pela aplicação mandatória do juiz de garantias.

O Ministro Zanin reforçou que a imparcialidade “é o princípio supremo do processo penal, imprescindível para a aplicação do garantismo no âmbito do processo penal”.

Na prática, os processos penais passariam a ser acompanhados por dois magistrados: o juiz de garantias, cujo fogo é assegurar a legalidade das investigações e ainda evitar excessos e, ainda, o juiz convencional, com a precípua função de decidir sobre a continuidade das apurações e prolatar a sentença final.

Atualmente, em nosso país, os juízes acumulam todas essas funções. O Ministro Zanin cogitou da tese “visão de túnel” segundo a qual os magistrados se concentram em uma premissa e ainda interpretam as provas do caso, de forma a confirmar oescopo inicial, ignorando provas contrárias.

O Ministro Dias Toffoli divergiu do Ministro Fux e defendeu a adoção obrigatória do juiz de garantias, mas recomendou o prazo de 12 meses para implementar o modelo. Salientou o Ministro que a vigente Constituição Federal definiu que o número de juízes nas unidades jurisdicionais deverá ser proporcional à efetiva demanda e à respectiva população local.

Dessa forma, ao obrigar todas as comarcas brasileiras a disporem de uma autoridade competente para processar inquéritos, mas incompetente para a subsequente ação penal, manifestamente viola a referida norma, além de afrontar a competência privativa do Judiciário de todos os Estados da federação brasileira e da União quanto a iniciativa das leis sobre a própria matéria.

Em alguns casos, para o Ministro Toffoli, não cabe a figura do juiz de garantias, como em processos criminais que correm na Justiça Eleitoral; em processos que são de competência do tribunal do júri, em que o magistrado não é o julgador do crime; e em casos de violência doméstica e familiar. “Nesses casos, uma cisão rígida entre as fases de investigação, instrução e julgamento impediria que o juiz conhecesse a dinâmica dessas relações familiares, que são tão dinâmicas”, disse Toffoli.

O Ministro Fux se manifestou dizendo que percebeu muitas concordâncias entre seu voto e o voto de Toffoli, então disse que pretende aguardar a manifestação de todos os ministros para verificar onde pode reajustar seu voto. O julgamento será retomado na próxima sessão, na quinta-feira (10/8/2023.).

Apesar de se reconhecer que a instituição do juiz das garantias ser uma opção legítima, requer uma estrutura que atualmente o Judiciário brasileiro não dispõe. Desta forma, aguardemos o prosseguimento do julgamento coletivo das referidas ADIs, o que só aumenta a preocupação dos Tribunais de Justiça brasileiros.