
Meta à extrema direita
Gisele Leite
Professora universitária aposentada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito.
Presidente da Seccional RJ da ABRADE. Pesquisadora-chefe do INPJ. Trinta e sete obras jurídicas publicadas.
Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos.
O aceno de Zuckerberg à extrema direita vem a reforçar a descrença de que, um dia, as big techs possam agir voluntariamente a favor do bem comum.
A desinformação e a fake news são descalabros que não desapareceram e vieram a se adaptar aos novos formatos e redes. Aliás, em muitos países, o Facebook perdeu protagonismo para o Instagram, que também é da Meta e, para o Tik Tok.
Nesse domingo, em 19.01.2025 o TikTok sairá do ar nos EUA pois uma lei obriga a venda do TikTok para compradores norte-americanos. O descumprimento da proibição será punida com uma pesada multa.
O alcance de redes sociais tampouco reduziu, ao revés. Em nosso país, uma boa e significativa parcela da população informa-se e comunica-se somente pelo WhatsApp (também é da Meta) e já demonstrou ser vulnerável às teorias conspiratórias e outras estratégias fraudulentas de convencer o eleitor e o cidadão.
Enfim, o momento é do oportunismo. Pois, a vitória de Joe Biden, em 2020 acarretou medidas que contrariaram os interesses das big techs.
Foi a nomeação de Lina Khan o estopim, quando passou a presidir o Federal Trade Commission (FTC), agência do governo norte-americano que processou a Meta e a Amazon por medidas anticompetitivas e ainda a formação de monopólio. E, a crítica aos gigantes da tecnologia se asseverou e, angariou inimizade de Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg.
No passado para essas pessoas a aliança dom Donald Trump foi oportuna e mascarada sob o discurso da liberdade de expressão, que deve ser exercida sem restrições, onde reside o interesse econômico. A Meta deseja manter intacto e incólume seu domínio sobre a internet, atualmente, parcialmente ameaçado pelo TikTok e outros aplicativos similares.
Em 2018, a revelação do jornal The Guardian, um jornal britânico que descobriu que a empresa Cambridge Analytica havia obtidos de cinquenta milhões de perfis do Facebook com o fito de montar, o mais sofisticado programa de desinformação eleitoral até então conhecido. O que turbinou a campanha presidencial de Trump em 2016.
Com a denúncia, o Facebook entregou os dados de seus usuários sem que eles consentissem, e assim, perdeu bilhões de dólares em valor de mercado e, ainda, passou a ser o alvo de autoridades, tanto nos EUA como na Inglaterra. Tal episódio representou um marco histórico na relação da internet e a democracia.
Se no passado, nos anos 90, o mundo digital era regido por um puro otimismo. Até acreditava-se que a democracia seria revitalizada, o escândalo da Cambridge Analytica evidenciou o viés sombrio desse sonho.
A plataformização da internet onde se concentrou usuários em poucos aplicativos, criou uma área propícia para a manipulação da opinião pública e, assim, os algoritmos treinados para capturar maior atenção começaram priorizar conteúdos agressivos e mentirosos mas que geram maior engajamento e, consequentemente, mais dinheiro.
O rol de escândalos é extenso… No plebiscito de 2016 sobre o acordo de paz na Colômbia, as campanhas de desinformação distorceram os termos da negociação, o que resultou na vitória do “não” e frustrou a pacificação definitiva do conflito com as Farc.
A desinformação sobre as vacinas, durante a pandemia de Covid-19 contribuiu para a baixa cobertura vacinal em muitos países.
Atendendo aos interesses de petroleiras, maiores conteúdos com desinformação foram disseminados atinentes ao tema de mudanças climáticas, o que ainda circulam pelas redes digitais.
Os esforços de moderação de conteúdo, com participação de especialistas e organizações da sociedade civil, nutriram a esperança de que a Meta pudesse mesmo melhorar – por mais que seu principal modelo de negócios ainda dependesse do impulsionamento de conteúdos de qualidade duvidosa.
O retrocesso anunciado por Zuckerberg joga tudo de volta à estaca zero. E renova o ceticismo de que empresas como a Meta possam agir de forma voluntária pelo bem comum, sem que seja necessária uma regulamentação obrigando-as a adotar boas práticas.
No filme chamado “Rede Social” em 2010 retratou-se os primórdios do Facebook, o primeiro produto desenvolvido por Zuckerberg foi um algoritmo que rastreava as mulheres mais bonitas em Harvard.
Onde já se identificava uma procedimento tipicamente machista o que se proliferou resultando até em misoginia e desinformação contra as mulheres.
Aliás, o distanciamento entre ideologia e prática, aproximou a liberdade de expressão e o discurso de ódio que predomina nas redes sociais. Mas, basta lembrar que o liberalismo escravocrata que foi o pilar da fundação dos EUA ajudou a forjar a sociedade que combina com certo cinismo os belos ideais iluministas apimentados com as maiores atrocidades.
Interpretar o discurso proferido por Zuckerberg no dia sete de janeiro de 2025 acena que sua luta contra a censura e defender a absoluta liberdade de expressão, livrando-se de todos os mecanismos de controle e moderação de conteúdos alia-se ao movimento, por exemplo, que tentou o golpe de Estado no Brasil, e outros tantos que ameaçam a democracia norte-americana.
Zuckerberg disse ainda que quer cerrar fileira com Trump no combate às “cortes secretas” da América Latina que, a seu ver, ameaçam a liberdade de expressão. Leia-se o STF aqui no Brasil, por exemplo.
A parca convicção democrática arroga-se na defesa de interesses empresariais das redes sociais e irmanam-se com a extrema-direita para ditar uma liberdade extrema e manter inalterado poder existente.
Importante frisar que liberdade de expressão não corresponde a permissão ilimitada de proferir discursos de ódios, preconceitos e ofensas morais e materiais às outras pessoas e, principalmente, aos seus opositores políticos.
A liberdade de expressão é um direito fundamental para uma sociedade democrática, pois permite o debate de ideias e a busca pela verdade. No entanto, não é um direito absoluto e tem limites.
Referências
ABRAMOVAY, Pedro; DE MENDONÇA, Yasmin Curzi. A liberdade segundo Zuckerberg. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/mark-zuckerberg-meta-facebook-trump/?utm_campaign=a_semana_na_piaui_249&utm_medium=email&utm_source=RD+Station Acesso em 17.01.2025.