Marco Legal do Seguro no Brasil

Voltaire Marenzi

 Advogado e Professor

 

O Projeto de Lei Complementar 29/2017, também conhecido como um Marco Legal do Seguro, foi recentemente aprovado pelo Plenário do Senado Federal, com destino à Câmara dos Deputados, tudo em conformidade com o informado pelo sítio da Casa, em seu último estado, datado de 26/06/2024.[1]

Em sua trajetória, o PLC 29/2017 passou por diversas modificações e aprovações. Em 2023, ele foi desarquivado e voltou à pauta do Senado, onde recebeu pareceres favoráveis das comissões envolvidas, como a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Entre as principais mudanças e diversas alterações, entre outras, propostas pelo PLC 29/2017 estão o aumento do prazo para recusa de proposta pela seguradora, a obrigatoriedade de comunicação de agravamento de risco pelo segurado, a regulação dos sinistros, um Capítulo mais abrangente do seguro de responsabilidade civil e a definição de prazos específicos para pagamento destes, bem como a apresentação de documentos complementares. Além disso, a nova versão do projeto permite a cessão de carteiras de seguros com autorização regulatória, sem a necessidade de concordância prévia dos segurados, o que visa facilitar a operação entre seguradoras, entre diferentes novidades apresentadas para melhor adequação e modernidade aos tempos atuais.[2]

Com a aprovação pelo Plenário do Senado, o projeto retornará à Câmara dos Deputados para deliberação final sobre as emendas introduzidas. A expectativa é que a nova lei entre em vigor no próximo ano, trazendo mais transparência e segurança jurídica tanto para consumidores quanto para as empresas do setor​.

O que causa certa perplexidade atualmente é que foi apresentado ao Congresso Nacional um projeto de lei que reforma o atual Código Civil.[3] Neste projeto constam modificações na parte que trata dos contratos em geral, particularmente DO SEGURO.[4]

Destarte, se levado adiante, o atual Código Civil poderá sofrer mudanças que o sobredito projeto procura revogá-lo no que tange à sua inserção – Do Seguro -no atual e na pretensa reforma do diploma substantivo.[5]

O presente artigo tem como objetivo analisar o Marco Legal do Seguro no Brasil, abordando ligeiramente sua origem, principais normas, impactos no mercado de seguros e benefícios para os consumidores. A modernização e a regulamentação do setor visam aumentar a transparência, fomentar a concorrência e garantir a proteção dos direitos dos segurados.

O mercado de seguros no Brasil tem passado por transformações significativas nas últimas décadas, impulsionadas pela necessidade de modernização e pela crescente demanda por produtos de seguros. O Marco Legal do Seguro surge como uma resposta a essas demandas, estabelecendo um conjunto de normas e regulamentos que visam aprimorar o setor, garantindo maior transparência e proteção aos consumidores.

O nascimento do seguro como discorri em uma das minhas obras[6] é uma prática que remonta a séculos, mas no Brasil, sua regulamentação começou a tomar forma no século XX. A ausência de uma regulamentação robusta hoje está causando incertezas e dificuldades, tanto para seguradoras quanto para consumidores. Diversos eventos e crises financeiras ao longo dos anos demonstraram a necessidade de um marco regulatório mais sólido e abrangente.

O Marco Legal do Seguro é composto pelas alterações de diversas normas, dentre as quais se destacam o Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1.996, com suas posteriores alterações, a Lei nº 4.594/1964, que foi revogada pela Lei Complementar nº 137, de 26 de agosto de 2.010, que trouxe novas disposições sobre a atividade de corretagem de seguros e a Lei 10.406/2002 (Código Civil), que aborda os contratos de seguro. Essas leis são complementadas por Resoluções e Circulares emanadas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).

O objetivo primordial do Marco Legal do Seguro em nosso país, entre outras características, é uma melhor transparência transportando em seu bojo contratual mais clareza nas informações prestadas aos consumidores.

Ninguém contesta que a proteção ao consumidor visa assegurar direitos e garantir um tratamento mais justo e equilibrado.

Estimular a entrada de novos players e fomentar a inovação no setor, acredito ser outro ponto a ser destacado.

De fato. O Marco Legal trouxe diversas mudanças significativas para o mercado de seguros no Brasil. As seguradoras passaram a operar sob normas mais claras e rígidas, o que contribuiu para a estabilidade e a confiança no setor.

As empresas tiveram que se adaptar a novos requisitos de solvência, governança e transparência. Isso incluiu investimentos em tecnologia, capacitação de profissionais e reestruturação de processos internos.

Os consumidores passaram a ter acesso a informações mais claras e detalhadas sobre os produtos de seguros, além de contar com maior proteção jurídica em caso de litígios. A criação de mecanismos de mediação e arbitragem também, em tese, facilitou a resolução de conflitos.

Pois bem. Apesar dos avanços, o setor ainda enfrenta desafios como a adaptação contínua às novas normas e a necessidade de inovação para atender a demandas emergentes. Por outro lado, surgem oportunidades, como o desenvolvimento de novos produtos e serviços ajustados às necessidades dos consumidores modernos.

Um estudo de caso sobre a implementação do Marco Legal em uma seguradora específica revela melhorias na eficiência operacional e na satisfação dos clientes. A análise de indicadores de desempenho antes e depois da implementação do marco demonstra uma evolução positiva, com aumento na confiança dos consumidores e na estabilidade financeira da empresa.

A análise crítica do Marco Legal destaca tanto seus pontos positivos quanto os aspectos que ainda necessitam de aperfeiçoamento. Em comparação com marcos regulatórios de outros países, se observa que o Brasil está avançando na direção certa, embora ainda existam áreas que podem ser melhoradas para garantir uma regulação mais eficaz e abrangente.

O Marco Legal do Seguro representa um avanço significativo para o mercado de seguros no Brasil. No entanto, é necessário continuar evoluindo e ajustando as regulamentações para atender às demandas de um mercado em constante transformação.

Os Códigos de Seguros são marcos regulatórios essenciais que visam proteger tanto os consumidores quanto as empresas do setor de seguros. Nos últimos anos, várias jurisdições ao redor do mundo atualizaram ou introduziram novos códigos de seguros para se adaptarem às mudanças do mercado, à evolução tecnológica e às novas necessidades dos consumidores. Aqui estão alguns dados dos desenvolvimentos mais recentes em códigos de seguros que, à guisa e numa breve análise de direito comparado, trago à colação de nossos dignos leitores e estimadas leitoras.

Na União Europeia existe uma Diretiva de Distribuição de Seguros, conhecida pela sigla “IDD”.

A IDD, que entrou em vigor em outubro de 2018, foi projetada para harmonizar a regulamentação de distribuição de seguros em toda a UE. Ela visa aumentar a proteção do consumidor, garantir que os produtos sejam adequados para os clientes e aumentar a transparência nas práticas de venda de seguros.

Este regime regulatório estabelece requisitos de capital baseados em riscos e mecanismos de governança para assegurar que as seguradoras sejam financeiramente sólidas e capazes de honrar suas obrigações com os segurados.

Nos Estados Unidos existe uma Lei de Transparência e Responsabilidade do Seguro de Saúde, denominada “TRAC”.

Implementada em várias etapas desde 2020, a TRAC exige que as seguradoras de saúde forneçam informações mais detalhadas sobre custos e cobertura aos consumidores, aumentando a transparência e permitindo que os consumidores façam escolhas mais informadas.

Particularmente no que tange a América Latina, nosso país, sendo o maior da região, teve com o evolver dos tempos uma nova regulamentação de Insurtechs.

Em 2021, o Brasil implementou novas regras para regulá-las utilizando tecnologia para inovar no setor de seguros. Essas regulamentações visam facilitar a entrada de novas empresas no mercado, promovendo a concorrência e a inovação, ao mesmo tempo garantindo à proteção dos consumidores.

No México, por exemplo, foi introduzido um código específico para seguros inclusivos, com o objetivo de ampliar o acesso aos seguros para populações de baixa renda. Este código incentiva a criação de produtos de seguros acessíveis e simplificados, adequados às necessidades dessas populações.

Na África do Sul foi criada uma Lei de Seguros em 2017.

Embora não tão recente, a Lei de Seguros de 2017 da África do Sul continua a impactar significativamente o mercado. Esta lei propôs uma estrutura regulatória mais rigorosa para a conduta de mercado e a gestão de risco, visando proteger os consumidores e garantir a estabilidade do setor de seguros.

Além das regulamentações específicas de cada país, algumas tendências globais estão moldando os Códigos de Seguros em todo o mundo.

Com o aumento do uso de tecnologias digitais, muitos países estão criando ou ajustando regulamentações para acomodar as insurtechs e a digitalização dos serviços de seguros.

Também o Código de Seguros de Portugal, formalmente conhecido como Regime Jurídico do Contrato de Seguro, foi estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril. Este decreto-lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 2009. Desde então, ele tem sido atualizado para se alinhar às mudanças nas diretivas europeias e às necessidades do mercado.

Depois de tecer encômios ao nosso projeto de lei complementar, J.C. Moitinho de Almeida,[7] em seu prefácio, afirma:

“Os regimes jurídicos da mediação de seguros e agora do contrato de seguro colocam-se sistematicamente do lado das seguradoras, em benefício destas violam, em certos casos, as directivas comunitárias que transpõem bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias nem sempre tida em consideração pelos nossos tribunais”.[8] Sic.

De outro giro, o Código de Seguros da Alemanha, foi originalmente promulgado em 1908. No entanto, o VVG passou por uma reforma significativa que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2008. Essa reforma foi realizada para modernizar o Código e adaptá-lo às condições atuais do mercado e às exigências da União Europeia. Conhecido como “Versicherungsvertragsgesetz” (VVG), é uma peça central da regulamentação do setor de seguros no país. A Alemanha, sendo um dos maiores mercados de seguros na Europa, tem um código robusto e bem estruturado que é regularmente atualizado.

Por outro lado, a Alemanha transpôs a Diretiva de Distribuição de Seguros (IDD) para sua legislação nacional. A implementação da IDD no país germânico foca em garantir que os consumidores recebam aconselhamento adequado e que os distribuidores de seguros cumpram requisitos rigorosos de transparência e qualificação.

A Alemanha está na vanguarda da integração de fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nas regulamentações de seguros. As seguradoras são incentivadas a considerar esses fatores em suas políticas de investimento e operações, refletindo um compromisso crescente com a sustentabilidade.

De outra banda, ambos os países, Portugal e Alemanha, têm trabalhado para modernizar e adaptar seus códigos de seguros às realidades contemporâneas do mercado. As atualizações recentes refletem um foco comum na proteção ao consumidor, na transparência, na adaptação às novas tecnologias e na sustentabilidade. Esses esforços são essenciais para assegurar a resiliência e a relevância do setor de seguros em um ambiente global em rápida evolução.

Os desenvolvimentos recentes nos Códigos de Seguros refletem um esforço global para modernizar o setor, adaptando-se às novas tecnologias, aumentando a transparência e proteção ao consumidor e promovendo a sustentabilidade. Essas mudanças são cruciais para garantir que o setor de seguros continue a servir eficazmente tanto às empresas quanto aos consumidores em um ambiente em constante evolução.

Portanto, a necessidade de uma codificação de seguros no Brasil é um tema de grande relevância, considerando a complexidade e a importância do setor segurador para a economia e para a proteção dos indivíduos e empresas.

A elaboração de uma codificação específica para seguros trará diversos benefícios, como a harmonização das normas, a redução de conflitos interpretativos, e o aumento da segurança jurídica para todas as partes envolvidas.

Em conclusão, a codificação de seguros no Brasil se mostra essencial para modernizar e unificar o arcabouço legal que rege o setor. Tal fato irá desencadear uma melhor compreensão e aplicação das normas, promovendo maior transparência e confiança no mercado segurador. Além disso, certamente, irá objetivar uma maior proteção aos consumidores, assegurando que seus direitos sejam claramente definidos e garantidos. A par disto, a padronização das normas vai atrair mais investimentos para o setor, fomentando a concorrência e a inovação. Portanto, a implementação de uma codificação de seguros, ou uma novel Lei de Seguros representa um passo significativo para o fortalecimento e desenvolvimento do mercado segurador brasileiro, beneficiando a sociedade como um todo.

É o que penso.

Porto Alegre, 07/08/2024.

 

[1] www25.senado.leg.br.

[2] revistaapolice.com.

[3] Código Miguel Reale que vige desde 2002.

[4] Artigos 757 a 802.

[5] Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2.022, s/ artigo definido na sua reforma.

[6] O Contrato de Seguro à luz do novo Código Civil. 3ª edição revista e ampliada. Thomson/Iob, páginas 11 a 18.

[7] Contrato de Seguro. Estudos. Coimbra Editora, 2009, in fine, página 6.

[8] Obra citada, página 5.