Incorporação de gratificação e direito adquirido

Bruno Sá Freire Martins

Servidor público efetivo do Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso – MTPREV; advogado; consultor jurídico da ANEPREM, da APEPREV, da APPEAL e da ANORPREV; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor de pós-graduação; Coordenador do MBA em Regime Próprio do ICDS – Instituto Connect de Direito Social; membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288 – www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor) e para o site fococidade.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, todos da editora LTr, do livro A NOVA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES  PÚBLICOS (editora Alteridade) e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.

 

 

Até o advento da reforma previdenciária de 2019, muitas legislações municipais autorizavam a incorporação de gratificação de cargos comissionados na remuneração do servidor em atividade, a chamada estabilidade financeira.

Situação essa que foi alterada com o advento da Emenda Constitucional n.º 103/19 que introduziu o § 9° no artigo 39 da Constituição Federal, vedando essa possibilidade, momento a partir do qual passou a não ser mais possível a concessão de estabilidade financeira.

Entretanto, o próprio texto reformador foi categórico ao estabelecer que:

Art. 13. Não se aplica o disposto no § 9º do art. 39 da Constituição Federal a parcelas remuneratórias decorrentes de incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão efetivada até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.

Assim, uma vez demonstrado que a estabilidade financeira se concretizou antes do advento da reforma,  restará preservada incorporação levada a efeito.

Além disso, apesar de em um primeiro momento, o dispositivo induzir a conclusão de que só seria possível o recebimento de valores atinentes à estabilidade financeira nas hipóteses em que esta tenha ocorrido antes da reforma previdenciária.

Não se pode perder de vista o fato de que, a própria Constituição Federal assegura, na condição de cláusula pétrea, o direito adquirido (artigo 5º, inciso XXXVI), razão pela qual não se admite que a modificação do ordenamento jurídico, ainda que promovida por intermédio de Emenda Constitucional, que possa vir a ofendê-lo.

Impondo-se, por conseguinte, que a interpretação do artigo 13 da Emenda Constitucional n.º 103/19 leve em consideração também as hipóteses de aquisição do direito à estabilidade financeira antes de seu advento, mesmo que o requerimento para sua efetivação venha a ser apresentado sob a égide do novo regramento constitucional.

Daí Bruno Sá Freire Martins in A NOVA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS, editora Alteridade, página 77 afirmar que:

Ocorre que aqui, também, há a ressalva de que tal vedação não alcança as incorporações já ocorridas, desta feita, no art. 13 da Emenda Constitucional n. 103/2019, que, destaca-se novamente, deve alcançar também aqueles casos nos quais todos os requisitos foram preenchidos antes da vedação constitucional, ainda que os valores não estejam sendo pagos, em razão dos argumentos anteriormente apresentados, nos casos de extinção do vínculo e complementação de aposentadoria, relacionados ao direito adquirido.

Ainda com relação ao direito adquirido, não se pode perder de vista que as legislações que regulam as incorporações devem ser analisadas individualmente, já que estão concebidas sob as mais variadas formas, existindo aquelas que só autorizam a incorporação dos valores após o preenchimento de todos os requisitos, hipótese em que o não completamento das exigências leva à fulminação do direito.

E, partindo dessa premissa, constata-se que nos casos em que o direito à incorporação tenha sido adquirido antes do advento da reforma da previdência de 2019, não pode ser aplicado o regramento contido no § 9° no artigo 39 da Constituição Federal.