HC do Bafômetro

Voltaire Marenzi

Advogado e Professor

 

Pela curiosidade que me despertou, sob o título de “Pão Embriagado”, não posso deixar passar in albis a notícia que nos trouxe hoje, o Informativo Migalhas.

Segundo este valoroso Informativo jurídico, “a Proteste realizou testes em diversas marcas de pão de forma e revelou que algumas delas possuem níveis de álcool que podem interferir no teste do bafômetro”.

Retrata, ainda, a mencionada fonte informativa que “uma pesquisa recente da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) trouxe uma descoberta inusitada que pode fazer muitos motoristas pensarem duas vezes antes de consumirem seu pão de forma matinal.[1]

De acordo com o teste realizado, “algumas delas possuem níveis de álcool que podem interferir no teste do bafômetro.”[2]

Prossegue, incontinente, a sobredita reportagem:

“Para demonstrar essa curiosidade descoberta, o Detran – Departamento Estadual de Trânsito de Goiás produziu um vídeo que viralizou nas redes sociais. No vídeo, uma jovem consome duas fatias de uma marca de pão e, em seguida, realiza o teste do bafômetro, que acusa 0,12 miligramas por litro de ar expelido (mg/l). Para efeito de comparação, a margem de erro do equipamento é de até 0,04 mg/l.[3]

Comparando 0,5 g/L de sangue e 0,252 g/L (convertido do ar expelido) aquele é maior que 0,252 g/L de sangue.

Qual o motivo desta comparação química?

Tal fato da divulgação destes dados é resultante do que escrevi alhures:

“Na União Europeia, por exemplo, existem seguradoras que estipulam cláusulas específicas de exclusão por embriaguez, desde que sejam encontrados índices de gradação alcoólica de ,05 a 0,8 decigramas por litro de sangue da pessoa do condutor”.[4]

Citei, na ocasião, o artigo pertinente ao tema que é mais concessivo ainda, do Código de Seguros Francês e decisões da Corte de Cassação.[5]

Como se pode deduzir do conteúdo das colocações acima exaradas, tal curiosidade vai despertar o interesse dos motoristas no sentido de colocar a culpa no famigerado “pão de forma”.

Não se trata de um incentivo à ingestão de bebida alcoólica e a situação decorrente, no sentido de que o motorista possa pegar na direção de seu veículo logo após seu consumo.

Cuida-se de um fato bastante inusitado tanto que transcrevo abaixo, na íntegra, o habeas corpus, que este Informativo trouxe à tona nesta reportagem.

Segue o modelo alvitrado no corpo daquela:

 

MODELO:

 Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado [Nome do Estado]:

[Nome do Advogado], advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, sob o número [número da OAB], com escritório profissional na [endereço completo do escritório], onde recebe intimações e notificações de estilo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, impetrar ordem de

HABEAS CORPUS.

em favor de [Nome do Paciente], brasileiro, [estado civil], [profissão], portador do RG nº [número do RG], inscrito no CPF sob o nº [número do CPF], residente e domiciliado na [endereço completo do paciente], pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

I. DOS FATOS.

O Paciente foi abordado por agentes de trânsito no dia [data da ocorrência], na [local da ocorrência], quando dirigia seu veículo de forma regular, sem apresentar sinais externos de embriaguez.

Durante a abordagem, o Paciente foi submetido ao teste do bafômetro, cujo resultado indicou a presença de álcool em seu organismo, acima do limite permitido pela legislação.

O Paciente foi, então, autuado e conduzido à delegacia, onde foi instaurado o respectivo inquérito policial por embriaguez ao volante, conforme prevê o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

II. DA JUSTIÇA DA MEDIDA LIMINAR.

É consabido que o estado de embriaguez, conforme a Lei nº 11.705/2008, se caracteriza pela concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 0,6 decigramas, aferida por exame de sangue, ou pela concentração de álcool por litro de ar alveolar igual ou superior a 0,3 miligramas, aferida por etilômetro.

No entanto, no caso em tela, o resultado positivo do bafômetro deve-se, exclusivamente, ao consumo recente de pão de forma pelo Paciente. É sabido que alguns pães de forma, devido ao processo de conservação, podem conter pequenas quantidades de álcool que, quando metabolizadas, são detectadas pelo etilômetro.

Tal fato pode ser corroborado por diversos estudos científicos que demonstram a presença de álcool residual em produtos fermentados, como pães e outros alimentos.

III. DO DIREITO.

O art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, assegura que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

O Paciente está sofrendo coação ilegal em sua liberdade de locomoção, vez que a autuação e detenção por embriaguez ao volante se basearam em resultado de bafômetro influenciado por fatores alheios à ingestão de bebidas alcoólicas.

Ademais, conforme dispõe o art. 648, inciso I, do Código de Processo Penal, a coação considerar-se-á ilegal quando não houver justa causa. No presente caso, não há justa causa para a autuação, uma vez que a suposta embriaguez do Paciente foi erroneamente constatada.

IV. DO PEDIDO.

Diante do exposto, requer-se:

a) A concessão da ordem de habeas corpus em caráter liminar, determinando a imediata soltura do Paciente;

b) A expedição de salvo-conduto para que o Paciente não sofra constrangimento ilegal pela autoridade coatora;

c) Ao final, a confirmação da liminar, tornando definitiva a concessão da ordem de habeas corpus, com o consequente arquivamento do inquérito policial instaurado.

Nestes termos, pede deferimento.

[Cidade], [data].

[Nome do Advogado]

OAB [seccional] [número].

 

Dignos leitoras e leitoras. É uma matéria que deixo para leitura deste final de semana.

Porto Alegre, 18/07/2024.

 

[1] Informativo Migalhas número 5895.

[2] Ibidem

[3] Idem,

[4] O Seguro, a Vida e sua Modernidade, 2ª edição. LumenJuris Editora, 2011, página 378.

[5] Code des Assurances, Lexis Nexis, Litec, 2008, página 323. Art. L. 211-6.