
Estória ou História? Mentira ou verdade?
Gisele Leite
Professora universitária há 3 décadas; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas; 29 obras jurídicas publicadas; Articulistas dos sites JURID, Lex Magister; Portal Investidura, Letras Jurídicas; Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil; Pedagoga; Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual, Revista de Direito Trabalho e Processo, Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores – POA – RS
Se de setembro é uma dessas datas que sobrevivem ao calendário e, não apenas registram a passagem do tempo, mas aprimoram o espelho da nação. É quando o país, por breve instante, volta a olhar para si, recordar os grandes feitos, lamentar francas derrotas e, até reelaborar memórias…
Passados mais de dois séculos do episódio às margens do Ipiranga, aliás, os intestinos de Dom Pedro I o fizeram ir a beira do riacho, por razões óbvias, quando por um gesto heroico proclamou a independência. Lembremos que seu pai Dom João Vi, já havia o advertido que antes que qualquer outro aventureiro fizesse, que ele proclamasse a Independência e se empossasse como Imperador.
A verdade é que muitas versões trataram de desconstruir a versão oficial, e alguns enxergaram um mito onde se destacaram Rui Barbosa e Machado de Assis. Sobre a mesma data, ambos refletiram, sendo que o primeiro proferiu uma crítica implacável, e o segundo, destilando sua elegante ironia destacou a lenda em detrimento da história real dos fatos.
Para Rui, o célebre brado às margens do riacho do Ipiranga, tudo se resumia em ser uma mera encenação palaciana. E, o divórcio havido entre a colônia norte-americana e a Inglaterra estava pleno e consumado; E, a interferência do então Príncipe regente não teve outro mérito do que apenas registrar um fato irremediável.
De fato, a emancipação da colônia, fora conquista popular à qual Dom Pedro I não podia resistir, sendo conduzido e forçado pelas vigorosas circunstâncias.
Rui Barbosa não enxergava o Sete de Setembro como sendo dádiva da Coroa, mas o resultante de forte pressão acumulada pelas revoltas tais como a Inconfidência Mineira, a Revolução Pernambucana e tantos outros movimentos que antecederam a 1822.
Já em 1876, Machado de Assis fez sua crônica às festividades de Sete de Setembro. E, começou observando que que os aniversários também “envelhecem ou adoecem, até que se desvanecem ou perecem”, mas que, naquele ano, a data parecia rejuvenescida. O tom aparentemente sutil porém, era, como de costume, irônico.
Machado comentava um artigo publicado dias antes na Gazeta de Notícias por Joaquim Antônio Pinto Júnior. O escritor do século contestava a narrativa oficial, segundo a qual D. Pedro teria proclamado a Independência às margens do Ipiranga, em um brado histórico.
Para Pinto Júnior, “não houve nem grito nem Ipiranga”: houve, sim, a decisão política do príncipe, mas pronunciada em outro lugar, longe do ribeiro que a tradição consagrou.
Diante da provocação, Machado reagiu. Comparou o caso brasileiro aos debates sobre a história romana, cujos personagens, desbastados pela crítica moderna, talvez nunca tenham existido.
Mas, dizia, isso pouco importava: o valor de uma tradição está menos na exatidão dos fatos do que na força simbólica que carrega.
Foi nesse espírito que cunhou uma de suas frases mais célebres:
“Minha opinião é que a lenda é melhor do que a história autêntica. A lenda resumia todo o fato da independência nacional, ao passo que a versão exata o reduz a uma coisa vaga e anônima.”
Assim, Machado reconhecia que o “grito do Ipiranga” podia nunca ter acontecido tal como os livros registravam.
A Independência do Brasil é, simultaneamente, fato histórico e mítico que perfaz um documento político sob a narrativa poética. Ou alegórica.
Eis que nos próximos dias, em Sete de Setembro de 2015 quando completamos duzentos e três anos de independência, ainda há, pelo mundo quem nos trata como mera colônia, ou apêndice econômica de nações mais desenvolvidas.
Enfim, o que há de verdade concreta é que nosso país é soberano. E, mesmo que dependa de exportações e importações, nada disso, nem tarifas tributárias podem fazer ruir nossa independência. Ainda que permaneçamos como o eterno país em desenvolvimento. Mas, pelo menos, não é em escravidão ou submissão.