Esperada Reforma Tributária brasileira

Gisele Leite

Professora universitária aposentada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito.
Presidente da Seccional RJ da ABRADE. Pesquisadora-chefe do INPJ. Trinta e sete obras jurídicas publicadas.
Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos.

 

Sim, finalmente, a reforma tributária sobre o consumo fora implementada pelo Congresso Nacional por meio da Emenda Constitucional 132/2023 e com a Lei 214/2025 publicada em 16 de janeiro de 2025, concluindo-se mais uma etapa da concretização da reforma, apesar de que ainda se faça, necessárias outras complementações legislativas através de leis ordinárias e atos normativos de órgãos de fiscalização.

De fato, com a simplificação do sistema tributário, deu-se maior clareza e transparência normativa sobre a carga fiscal e, ainda, promoveu redução do impacto tributário sobre a população mais pobre. Porém, infelizmente, não se pode nutrir a falsa expectativa de que todos os nossos problemas foram resolvidos.

Pois, ainda enfrentaremos a discussão sobre a interpretação dos dispositivos legais já sancionados bem como a forma como as leis a serem editadas farão a dita regulamentação dentro da nova sistemática, além  dos atos normativos a serem expedidos pelos órgãos de fiscalização, na regulamentação das temáticas fiscais.

A EC 132 e a LC 214 substituíram cinco tributos (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISSQN) por dois novos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Contudo, a simplificação não foi plena, pois foram criados o Imposto Seletivo (IS) e a Contribuição sobre Produtos Primários e Semielaborados (CPPS), além da manutenção do IPI para produtos incentivados, como os fabricados na Zona Franca de Manaus.

Ressalte-se que a transição para o novo modelo ocorrerá gradualmente entre 2026 e 2032. Durante esse período, os tributos antigos serão progressivamente substituídos pelos novos, permitindo que contribuintes e entes federativos se adaptem.

O IBS será gerido de forma integrada por estados, Distrito Federal e municípios, através de um Comitê Gestor, que uniformizará interpretações, arrecadará e distribuirá as receitas. Esse comitê contará com 27 (vinte e sete) membros dos Estados e do Distrito Federal e um número equivalente de representantes municipais, com alternância na presidência para assegurar equilíbrio político.

A CBS e o IBS seguirão o modelo de tributação sobre Valor Agregado (IVA), com incidência sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva, garantindo créditos fiscais para evitar a tributação em cascata.

A técnica adotada é a da “não cumulatividade”, já presente no IPI, ICMS e PIS/COFINS (regime não cumulativo). No entanto, dúvidas jurídicas persistem sobre a amplitude do direito ao crédito, principalmente nos casos de insumos e despesas indiretas.

Frisando que o novo sistema tributário busca reduzir a burocracia e os custos de conformidade para as empresas, substituindo uma complexa rede de legislações estaduais e municipais por um modelo mais centralizado. No entanto, os impactos práticos dessa transição ainda dependerão da regulamentação complementar.

A não cumulatividade será aplicada amplamente, mas com algumas restrições. Gastos que não estejam diretamente relacionados à atividade econômica não gerarão créditos. Além disso, bens e serviços isentos ou sujeitos à alíquota zero também não permitirão o aproveitamento de créditos tributários.

A questão preocupante é referente a exigência de comprovação do recolhimento efetivo do tributo na etapa anterior para permitir o uso de crédito, algo contestado nos tribunais em situações análogas, tais como no caso do ICMS.

E, para redução de riscos de inadimplência e sonegação, o governo promete a implementação de mecanismos como split payment que repassa, automaticamente o tributo devido ao fisco.

Durante a transição, os créditos acumulados de ICMS poderão ser compensados com débitos de IBS, e eventuais saldos credores após 2032 serão tratados conforme o artigo 134 do ADCT e normas complementares.

Outro ponto importante é que o novo sistema mantém algumas regras diferenciadas para empresas optantes do Simples Nacional, permitindo que essas gerem créditos em montante equivalente ao cobrado por meio do regime unificado. No entanto, dúvidas permanecem sobre a aplicabilidade desse crédito em operações com incidência diferenciada.

Procurou-se garantir a neutralidade do sistema tributário, tratando todos os setores econômicos de forma equitativa. A tributação no destino, em vez da origem, foi adotada para eliminar a guerra fiscal entre estados e municípios.

Entretanto, essa mudança pode impactar negativamente regiões menos desenvolvidas que dependiam de incentivos fiscais para atrair investimentos. Como resposta, mecanismos de compensação financeira foram previstos para estados que perderem arrecadação.

A alíquota padrão para a CBS e o IBS é estimada em 28%, mas haverá reduções e isenções. A alíquota será reduzida em 100% para medicamentos, dispositivos médicos, transporte coletivo e alimentos essenciais. Haverá a redução de 60% será aplicada a setores como educação, saúde, insumos agrícolas e higiene pessoal. Já serviços de profissão intelectual terão redução de 30%.

O mecanismo de cashback também foi introduzido para devolver parte dos tributos pagos por consumidores de baixa renda, mitigando o impacto tributário sobre produtos essenciais.

A mudança para um sistema centralizado também pode afetar a capacidade de arrecadação de estados e municípios, exigindo novos mecanismos para equilibrar as receitas locais. A forma como essas transferências serão estruturadas ainda está em debate, e pode gerar desafios para administrações regionais.

A EC 132 e a LC 214 também estabeleceram regimes diferenciados para setores estratégicos, como combustíveis, serviços financeiros, planos de saúde, hotelaria, transporte coletivo, saneamento, cooperativas e setores culturais. Cada um desses segmentos terá normas específicas para garantir maior adequação ao novo modelo tributário.

A implementação da reforma exigirá das empresas adaptação de seus sistemas tecnológicos, processos contábeis e fluxos de pagamento. Pequenas e médias empresas precisarão compreender as novas regras e readequar suas estratégias tributárias. Programas de capacitação e apoio serão fundamentais para facilitar a transição.

Enfrentaremos ainda uma missão hercúlea na regulamentação desses novos tributos, com a implementação de novas técnicas e conceitos, recheados com tratamentos díspares entre os mais diversos setores, todos de fundamental importância para o desenvolvimento de nossa economia e, respectivamente, de nossa sociedade.

De toda forma, é importante incentivar a formação da consciência fiscal no cidadão brasileiro e estimular a responsabilização de todos os componentes da Federação brasileira pelo progresso econômico e fiscal e, principalmente, com o princípio da preservação da dignidade humana.