
Duas Coreias e um mar de conflitos
Gisele Leite
Professora universitária aposentada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito.
Presidente da Seccional RJ da ABRADE. Pesquisadora-chefe do INPJ. Trinta e sete obras jurídicas publicadas.
Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos.
O conflito entre as duas Coreias (a do Sul e a do Norte) foi armado e ocorreu entre 1950 a 1953, teve início quando as tropas da Coreia do Norte invadiram a Coreia do Sul.
Foi um dos mais trágicos do século XX, computando cerca de dois e meio milhões de óbitos. Foi um reflexo da Guerra Fria, com a China e, a então União Soviética apoiando a Coreia do Norte enquanto os EUA apoiavam a Coreia do Sul.
Tecnicamente, o referido conflito terminou com armistício em 27 de julho de 1953, porém, jamais fora assinado um tratado de paz, o que permite afirmar que as duas Coreias continuam em guerra.
O armistício estabeleceu uma zona desmilitarizada ao longo do paralelo 38, mas não foi um tratado de paz formal. Por isso, as duas Coreias seguem tecnicamente em guerra.
A Coreia do Norte é comunista, ao passo que a Coreia do Sul é capitalista. Nas derradeiras décadas, as tensões têm acentuado com ameaças que acenam com o rompimento do acordo de não agressão, teses de mísseis balísticos, despejo de balões com lixo e excrementos no território sul-coreano e, também com o lançamento de foguetes na fronteira.
Em novembro de 2023, a Coreia do Norte suspendeu o Pacto de Não-agressão com a vizinha, só aumentaram as tensões. Recentemente, em dezembro de 2024 o atual Presidente da Coreia do Sul decretou a Lei Marcial no país sob o argumento de realizar “limpeza” do território de espiões favoráveis à Coreia do Norte. Depois de três horas do decreto, os deputados presentes no Parlamento sul-coreano aprovaram, em votação, a derrubada do decreto.
Registre-se que a Lei Marcial consta prevista no artigo 77 da Constituição sul-coreana e que informa que a medida pode ser declarada quando for necessário enfrentar uma exigência militar ou manter a segurança e a ordem pública pela mobilização das forças armadas em tempos de guerra, conflito armado ou emergência nacional semelhante.
O atual Presidente sul-coreano justificou a medida e, ainda, acusou a oposição que possui maioria no parlamento de estar aliada à Coreia do Norte para inviabilizar seu governo. A medida, no entanto, fora criticada até mesmo por membros do seu governo. A escalada de tensões se acelerou a partir de 2018 e para piorar o cenário geopolítico veio a guerra na Ucrânia. E, na disputa de quem tem maior influência na Ásia, o Presidente dos EUA, Joe Biden firmou parceria com a Coreia do Sul e o Japão durante sua viagem ao continente em 2022.
Desde então, as tropas dos EUA realizam manobras militares em conjunto com o Exército da Coreia do Sul, o que o líder da Coreia do Norte encarou como sendo um flagrante provocação.
Em reação, o líder da Coreia do Sul entre 2022 a 2023 passou a realizar dezenas de testes com mísseis, além de se ter registro a maior frequência dos exercícios dos EUA e Coreia do Sul, numa dinâmica de retaliações que perdurou durante todo o ano passado.
Ainda em novembro de 2023, a Coreia do Norte anunciou ter colocado em órbita o seu primeiro satélite espião militar, o que concretiza o rompimento do Pacto de não-agressão entre as Coreias. Assim, a Coreia do Sul decidiu se retirar do referido pacto e, também retomou a vigilância aérea da linha de frente da fronteira entre os dois países, o que era vedado pelo pacto firmado de 2018.
Por sua vez, a outra Coreia afirmou que não mais cumpriria o acordo de 2018 e, voltaria a instalar armas na fronteira. Desde janeiro de 2024, a Coreia do Norte ordenou que seu exército esteja preparado por uma possível guerra.
O Congresso sul-coreano com votação unânime revogou a Lei Marcial. E, o Presidente recuou e cancelou após pressão interna e ainda a dos EUA. O Parlamento sul-coreano cogita em impeachment do atual Presidente. Há, assim, duas Coreias e um mar de conflitos…