
Dos Embargos Infringentes e o Mensalão
PAULO JOSÉ FREIRE TEOTÔNIO
Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), Pós-graduado (especialização) pela Faculdade de Direito Municipal de Franca. Mestre e Doutor pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP-SP). Foi Coordenador dos Cursos de Direito das Faculdades Unificadas de Barretos (UNIFEB) e do Instituto Municipal de Ensino de Bebedouro (IMESB-VC). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.
HENRIQUE AUGUSTO FREIRE TEOTÔNIO
Advogado, Bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito “Laudo de Camargo”, da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP, Especialista em Advocacia Criminal e Teoria do Delito pela Universidade de São Paulo (USP), Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Pós-graduando em Direito Público e Privado na Universidade de Santiago de Compostela, pós-graduado em direitos humanos (PUC-RS), Parecerista e autor de obras jurídicas
ANA SOFIA FREIRE TEOTÔNIO
Advogada, Pesquisadora, Bacharel em Direito pela
Faculdade Laudo de Camargo da UNAERP/RP, Especialista em Direito Desportivo. Procuradora do TJD/SP
REILA CABRAL SASSO
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) (2014). Mestra em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) (2016). Pós-graduada em Ciências Criminais pela Faculdade de São Vicente (FSV) (2022). Analista Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo.
RESUMO
O presente trabalho versa sobre os embargos infringentes e/ou de nulidade, esse recurso encontra-se previsto no artigo 609, parágrafo único do Código de Processo Penal. Existem requisitos que precisam ser preenchidos para a interposição de tal recurso. O seguinte artigo faz uma análise dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários a respeito do tema, principalmente no caso denominado mensalão.
INTRODUÇÃO
O princípio do duplo grau de jurisdição é um princípio que não está expresso na Constituição. Esse princípio está previsto de forma implícita na organização do poder judiciário, nos artigos 92 e seguintes da Constituição Federal.
Existe uma hierarquização dos Tribunais desde os Tribunais de primeiro grau até o Supremo Tribunal Federal. Essa organização jurídica trazida pelo constituinte faz com que tenhamos o princípio do duplo grau de jurisdição. Embora não seja expressamente previsto é um princípio muito importante e que deve ser observado.
Esse princípio estabelece que todos tenham direito a um recurso para que a matéria, assim como a decisão proferida seja analisada para que se busque a decisão mais justa, imparcial e coerente juridicamente.
Como Preconiza Nestor Távora: “Este princípio assegura a possibilidade de revisão das decisões judiciais, através do sistema recursal, onde as decisões do juízo a quo podem ser reapreciadas pelos tribunais”. (TÁVORA, 2011)[1]
O princípio do duplo grau de jurisdição leva em consideração a falibilidade humana, ou seja, todos nós estamos sujeitos a errar, fazendo com que por vezes ocorram injustiças. O Magistrado é falho e as vezes comete erros que precisam ser corrigidos e reanalisados por outros juízes.
Como lesiona Humberto Theodoro Júnior: “É intuitiva a inconformação de qualquer pessoa diante do primeiro juízo ou parecer que lhe é dado. Naturalmente, busca-se uma segunda ou terceira opinião. Numa síntese feliz, o mesmo processualista resume a origem dos recursos processuais em duas razões: “a) a reação natural do homem, que não se sujeita a um único julgamento; b) a possibilidade de erro ou má-fé do julgador”. (THEODORO JÚNIOR, 2013)[2]
Além disso, o duplo grau de jurisdição estabelece uma segurança jurídica, tendo em vista que os tribunais hierarquicamente superiores podem confirmar a decisão já proferida ou muda-la quando entender pertinente, sempre fundamentando juridicamente. O Magistrado ciente de que sua decisão eventualmente poderá ser reformada por um Tribunal Superior também tende a cumprir mais fielmente os ditames da lei, sempre fundamentando e embasando as razões da decisão, garantindo de certa forma uma maior segurança e alinhamento de entendimento seguindo a hierarquia.
Nesse sentido, ocorre um controle da atividade jurisdicional, pois o magistrado não poderá tomar decisões arbitrárias e pouco fundamentadas. Mas sempre fundamentando e seguindo as diretrizes e entendimentos superiores que direcionam e uniformizam entendimentos.
De fato, os magistrados são capacitados, justos, coerentes, possuem notório saber jurídico e bom senso. Porém, o país é continental e, portanto, possui muitos magistrados e nada impede que equívocos e injustiças ocorram. Muitas podem ser os motivos: sobrecarga, não análise correta, erro humano, parcialidade. Por isso a importância do duplo grau de jurisdição para que apenas um juiz não tome decisões que tornem verdades absolutas.
O duplo grau de jurisdição incide também nos juizados especiais, quando a parte desejar recorrer da decisão judicial será cabível também no juizado especial criminal a interposição de recurso. O colégio recursal consiste na segunda instância do juizado especial criminal.
- DOS EMBARGOS DE INFRINGÊNCIA E/OU EMBARGOS DE NULIDADE
CONCEITO E FUNDAMENTO LEGAL
Os embargos infringentes e/ou embargos de nulidade são recursos exclusivos da defesa. Dessa maneira, não existe a possibilidade de o Ministério Público interpor tal recurso, uma vez que é recurso voltado para a defesa do acusado.
Como conceitua Guilherme de Souza Nucci: “É um recurso privativo da defesa, voltado a garantir uma segunda análise da matéria decidida pela turma julgadora, por ter havido maioria de votos e não unanimidade, ampliando-se o quórum do julgamento”. (NUCCI, 2007).[3]
Esse recurso deve ser interposto contra decisão não unânime de segunda instância que julgou apelação, Recurso em Sentido Estrito ou Agravo de Execução e que tenha piorado ou agravado a situação do réu.
É necessário entender a diferença entre os embargos de infringentes e os embargos de nulidade. O primeiro discutirá uma questão de mérito. Enquanto, o segundo discutirá uma questão processual de nulidade e de ordem pública. Os embargos de infringência são basicamente uma possibilidade de reanalise do mérito por todos os desembargadores, tendo em vista o entendimento de um ou mais desembargadores que entendem a favor do acusado. O desembargador como detentor de notório saber jurídico justifica a viabilidade da matéria ser revista, possibilitando que os demais desembargadores mudem seus votos.
Apesar de serem tratados no mesmo dispositivo legal tratam-se de recursos diversos. Os embargos infringentes serão interpostos sempre que o recurso tratar sobre o mérito. Enquanto os embargos de nulidade serão interpostos se limitam a discussão das nulidades que tem caráter de ordem pública.
CARACTERÍSTICAS
O prazo para a interposição dos embargos infringentes é de dez dias, sendo que o prazo não é calculado com base em dias úteis, como no Processo Civil, mas sim como dias corridos, nos termos do artigo 609, parágrafo único. Esse prazo é único, sendo necessário apenas uma petição. Nesse sentido, a apresentação das razões deve ser diretamente dentro desse prazo de dez dias corridos, não sendo necessário aguardar uma intimação do Tribunal para apresentação das razões.
Para sabermos de quem é a competência para o julgamento dos embargos infringentes é necessário olhar o regimento interno de cada Tribunal, podendo ser a mesma câmara que julgou o recurso anterior ou o julgamento pode ser realizado por outra turma para que haja a troca dos desembargadores, tendo em vista que dificilmente os mesmo desembargadores entendam de forma diferente o mesmo caso.
A competência para o julgamento dos embargos infringentes sempre será do mesmo Tribunal. O regimento interno estabelecerá se esse julgamento será mantido dentro da mesma turma ou se haverá a mudança de turma. O endereçamento deverá ser direcionado ao relator da decisão embargada. Em caso de empate dos votos, o presidente do Tribunal votará para desempatar, esse voto é chamado de voto de minerva. No caso do desembargador presidente do Tribunal já ter votado é necessário verificar a regra do artigo 615, § 1º do CPC que dispõe que prevalecerá os votos mais benéficos ao réu.
Os embargos infringentes possuem efeito devolutivo, pois a matéria é reanalisada pela mesma câmara ou por outra, dependendo da previsão no regimento interno do Tribunal.
Ademais, os embargos infringentes podem apresentar efeito regressivo, na medida que caso seja analisado novamente pela mesma câmara haverá a possibilidade de retratação, ou seja, na hipótese dos desembargadores mudarem o próprio voto, a doutrina entende essa mudança como uma retratação, enquadrando-se como efeito regressivo.
A maioria da doutrina entende que os embargos infringentes não possuem efeito suspensivo. Porém, parte da doutrina entende que haveria o efeito suspensivo sempre nas apelações e em alguns casos no Recurso em Sentido Estrito, dependendo da hipótese. Outra parte dos doutrinadores entende que o STF, ao entender que o cumprimento da pena deveria se iniciar após o trânsito em julgado, pontua que todos os recursos teriam efeito suspensivo.
De acordo com o Ministro Gilmar Mendes, na fundamentação de seu voto proferido no AP 863 EI AgR/ SP: “Os embargos infringentes são recurso com efeito suspensivo e, em consequência, a execução da decisão condenatória deve ser suspensa” (MENDES, 2018).
O entendimento da grande maioria da doutrina é de que os embargos infringentes e/ou de nulidade não possuem efeito suspensivo, apenas efeito devolutivo e regressivo em alguns casos.
- EMBARGOS INFRINGENTES NO STF
Para que ocorra o julgamento no plenário do STF é necessário que haja pelo menos quatro votos divergentes em favor do réu, ou seja, do total de onze ministros é necessário que pelo menos quatro desses ministros votem a favor do réu. Diferentemente do embargo infringente e/ ou de nulidade contra decisão do Tribunal que necessita de apenas um voto vencido a favor do réu. Para a interposição de embargos de infringência no STF é necessário que quatro ministros votem a favor do acusado.
O prazo para a interposição dos embargos infringentes e/ou de nulidade no STF é de quinze dias corridos, diferentemente do prazo para interposição em decisões do Tribunal que é de dez dias corridos. Os embargos infringentes e/ ou de nulidade são possíveis no STF, mesmo em casos de ações originárias.
O plenário do STF já decidiu pelo cabimento dos embargos infringentes contra as decisões proferidas pelo STF. Contudo, a defesa só pode utilizar do recurso se ao menos dois dos cinco ministros de cada colegiado derem seu voto a favor do acusado.
Nesse sentido, observa-se o entendimento jurisprudencial:
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DECISÃO CONDENATÓRIA DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO DO STF UNÂNIME EM RELAÇÃO AO MÉRITO E MAJORITÁRIA QUANTO ÀS PRELIMINARES DE NULIDADE E DE PRESCRIÇÃO. EMBARGOS INFRINGENTES. REQUISITOS. MÍNIMO DE DOIS VOTOS ABSOLUTÓRIOS EM SENTIDO PRÓPRIO. NÃO OCORRÊNCIA. INADMISSIBILIDADE. 1. Conforme assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da AP 409 EI-AgR-segundo, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, a via dos embargos infringentes, fundados no art. 333, inciso I, do RISTF, exige divergência consubstanciada em votos absolutórios em sentido próprio, ou seja, votos absolutórios quanto ao mérito propriamente dito do caso penal em julgamento, com o que não se confundem os que declaram a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva e favoráveis ao réu em matéria processual penal. 2. Tendo em vista o princípio da taxatividade recursal, não cabem embargos infringentes, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, fundados no art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, uma vez que previstos, segundo a dicção legal, para veicular insurgência da defesa contra decisão não unânime de segunda instância. 3. O cabimento de embargos infringentes em face de decisão penal condenatória proferida pelas Turmas do Supremo Tribunal Federal, exige divergência consubstanciada em ao menos dois votos absolutórios próprios. 4. Não caracteriza divergência, apta ao manejo dos embargos infringentes, a decisão não unânime da Turma apenas quanto à extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva ou à preliminar de índole processual. 5. Hipótese dos autos em que a divergência invocada circunscreve-se às preliminares de nulidade e prescrição da pretensão punitiva. 6. Agravo desprovido. (STF – EI-AgR AP: 863 SP – SÃO PAULO 0000732-48.2007.1.00.0000, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 19/04/2018, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-038 21-02-2020)
Pelo exposto, se o acórdão foi proferido por turma, então necessariamente devem conter dois votos favoráveis ao réu, estes votos devem ser absolutórios em sentido próprio, ou seja, em relação ao mérito, se o voto tratar de reconhecimento de nulidade não será considerado.
EMBARGOS INFRINGENTES NO CASO MENSALÃO
No caso que ficou conhecido como “mensalão”, o STF entendeu pelo cabimento dos embargados infringentes, concedendo o prazo em dobro para os acusados. Como bem sabemos o prazo para a interposição dos embargos infringentes é de quinze dias no STF. Contudo, a pedido da defesa de Cristiano Paz, a corte concedeu o prazo em dobro, ou seja, trinta dias para a interposição do recurso.
A defesa do acusado pediu pela concessão do prazo em dobro utilizando o embasamento no artigo 191 do CPC que preconiza que o prazo será em dobro para os litisconsortes com diferentes procuradores. No caso mensalão foi possível a interposição dos embargos infringentes para alguns dos acusados, tendo em vista que alguns acusados tiveram quatro votos favoráveis por Ministros do STF. Portanto, seria cabível o recurso em questão. Dos vinte e cinco acusados, doze deles tiveram direito ao recurso.
Por seis votos a cinco os ministros do STF entenderam pelo cabimento dos embargos infringentes no caso mensalão em que políticos eram acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O artigo 333 do RI/STF prevê a possibilidade de interposição do recurso:
ART. 333 – Cabem Embargos Infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar procedente a ação penal. Parágrafo único – O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”.
O regimento da do STF foi recepcionado pela CF/88. Dessa forma, equiparou-se a uma lei ordinária. Posteriormente, houve a sanção da Lei 8.038/90 que regula a questão dos recursos no STF, essa lei não previa expressamente a possibilidade dos embargos infringentes.
Nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa: “O fato de o Regimento Interno do STF ter sido recepcionado lá atrás com status de lei ordinária não significa que esse documento tenha adquirido características de eternidade. Longe disso” (BARBOSA, 2013).
Os ministros favoráveis ao cabimento do recurso fundamentam argumentando que os embargos infringentes efetivam o cumprimento do duplo grau de jurisdição que é previsto na Convenção Americana dos Direitos Humanos no artigo 8º, II, alínea h e também previsto na jurisprudência da Corte Interamericana.
Segundo o Ministro Celso de Melo: “Com a superveniência da Constituição de 1988, o art. 333, n. I, do RISTF foi recebido, pela nova ordem constitucional, com força, valor, eficácia e autoridade de lei, o que permite conformá-lo à exigência fundada no postulado da reserva de lei” (MELO, 2013).
O ministro Joaquim Barbosa entendeu pela inviabilidade do recurso, uma vez que não possui previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro e o STF não tem a função de legislar, nas palavras do ministro: “Admitir o recurso de embargos infringentes seria o mesmo que aceitar a ideia de que o STF, num gesto gracioso, inventivo, ad hoc, magnânimo, mas absolutamente ilegal, pudesse criar ou ressuscitar vias recursais não previstas no ordenamento jurídico brasileiro, o que seria inadmissível, sobretudo em se tratando de um órgão jurisdicional da estatura desta Suprema Corte”. (BARBOSA, 2013).
No julgamento da Ação Penal 470, apesar do entendimento do Ministro Joaquim Barbosa em contrariedade do cabimento dos embargos infringentes, a maioria dos ministros entendeu pela possibilidade da interposição dos embargos infringentes.
HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DOS EMBARGOS DE INFRINGÊNCIA
As hipóteses de cabimento dos embargos de infringência estão previstas no artigo 609, parágrafo único do CPP. Esses embargos poderão ser opostos contra decisões proferidas pelo Tribunal, ou seja, de um órgão colegiado que estejam julgando Apelação, Recurso em Sentido Estrito e Agravo de Execução.
Além disso, tais decisões não poderão ser unânimes, nesse sentido quando a decisão não pode ser uniforme, na medida de absolver o réu ou condenar, não será cabível os embargos de infringência. Por fim, essa decisão tem que ser desfavorável ao acusado, tendo em vista que se trata de um recurso exclusivo da defesa. Portanto, os votos vencedores têm que ir contra aquilo que seria considerado o mais benéfico ou favorável ao acusado.
Como podemos observar com a leitura do artigo 609 do CPP:
Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária. (Redação dada pela Lei nº 1.720-B, de 3.11.1952). Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência. (Incluído pela Lei nº 1.720-B, de 3.11.1952)
Nota-se que, como regra geral, no Processo Penal Comum, os Embargos Infringentes é um recurso exclusivo da defesa. Porém, existe uma exceção prevista no artigo 538 do CPPM, que dispõe que os Embargos Infringentes poderão também ser opostos pelo Ministério Público e não somente pela Defesa do acusado.
No Processo Penal comum, os Embargos Infringentes são exclusivos na defesa. Por exemplo, na hipótese de dois desembargadores serem favoráveis a denegação da apelação interposta pela defesa do réu e um desembargador ser favorável a concessão dos embargos, a defesa do réu poderá opor os embargos infringentes, tendo em vista o voto de um desembargador ser favorável ou benéfico para o réu.
Os embargos infringentes e/ou de nulidade não são cabíveis nas decisões da turma recursal do Juizado Especial Criminal. Além disso, também não são cabíveis nas revisões criminais, mandado de segurança, habeas corpus e em ações originárias. Não existe previsão legal para a interposição de embargos infringentes e/ou se nulidade no STJ. Os embargos infringentes e/ou se nulidade poderá ser interpostos no STF no prazo de quinze dias corridos e são possíveis mesmo em caso de ação penal originária.
O STF, através da súmula 355, entendeu que o prazo para a interposição de todos os recursos iniciará na mesma data, como podemos verificar pela súmula:
SÚMULA 355 – EM CASO DE EMBARGOS INFRINGENTES PARCIAIS, É TARDIO O RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO APÓS O JULGAMENTO DOS EMBARGOS, QUANTO À PARTE DA DECISÃO EMBARGADA QUE NÃO FORA POR ELES ABRANGIDA.
Dessa forma, em caso de embargos infringentes parciais, o início do prazo de contagem será no mesmo dia dos demais recursos. Assim sendo, o réu que é acusado de dois crimes e em decisão o tribunal mantém a condenação de um dos crimes por unanimidade e o outro crime tem dois votos pela condenação e um para a absolvição. Nessa hipótese, contra a decisão de condenação unânime pelo primeiro crime caberá Recurso especial ou Recurso Extraordinário. Enquanto no segundo crime será cabível embargos infringentes, com fundamento no voto a favor da absolvição. O prazo para ambos os recursos se iniciará na mesma data de acordo com entendimento do STF.
Já o STF entende de forma diversa: “[…] quando a decisão tiver parte unânime e não unânime e forem interpostos embargos infringentes (…) o prazo para interposição do Recurso Especial sobre toda matéria inicia-se após o julgamento dos referidos embargos”. (STJ AgRg REsp 1.583.484/MG, 2017). (grifo meu).
Nesse sentido, o prazo para os demais recursos se iniciaria somente após o julgamento dos embargos infringentes. O entendimento do STJ é diverso do entendimento do STF.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como observamos ao longo do presente artigo, o princípio do duplo grau de jurisdição não está previsto expressamente na Constituição Federal. Porém está previsto de forma implícita na organização do judiciário. O juiz como qualquer ser humano é sujeito a falhas. Nesse sentido, o duplo grau de jurisdição garante que essas falhas possam ser revistas e arrumadas pelos Tribunais Superiores. Além disso, os Tribunais superiores também servem para referendar a decisão proferida pelo juiz, garantindo uma maior segurança jurídica.
O princípio do duplo grau de jurisdição estabelece que todos tenham direito a um recurso para que a matéria, assim como a decisão proferida seja analisada para que se busque a decisão mais justa, imparcial e coerente juridicamente.
Um dos recursos do processo penal são os embargos infringentes e/ou de nulidade. Esse recurso encontra-se previsto no artigo 609, parágrafo único do CPP. A diferença existente entre os embargos infringentes e os embargos de nulidade está no fato de que o primeiro discutirá uma questão de mérito. Enquanto, o segundo discutirá uma questão processual de nulidade e de ordem pública.
Esse recurso deve ser interposto contra decisões não unânimes preferidas por órgãos de segunda instância que tenham julgado apelação, Recurso em Sentido Estrito ou Agravo de Execução e que tenha piorado ou agravado a situação do réu.
O prazo para a interposição dos embargos infringentes contra decisões proferidas pelo Tribunal é de dez dias corridos e o regimento interno ditará se o julgamento será feito pela mesma turma ou se será feito por outra turma. Para que esse recurso seja cabível é necessário que tenha pelo menos um voto vencido a favor do réu. Existe a previsão em regimento interno do STF para a interposição dos embargos infringentes e/ ou de nulidade. Para que esse recurso seja cabível é necessário haja pelo menos quatro votos divergentes em favor do réu. O prazo para a interposição desse recurso no STF é de quinze dias.
Em decisão na Ação Penal 470, o STF entendeu ser cabível os embargos infringentes e/ou de nulidade, uma vez que encontra-se previsto no regimento interno da corte que foi recepcionado pela CF e que garante o cumprimento do duplo grau de jurisdição. O ministro Joaquim Barbosa foi voto vencido ao fundamentar que os embargos infringentes não estão previstos na legislação. Consequentemente, não poderiam ser interpostos no STF. O STF garantiu que os acusados no sistema de corrupção conhecido como mensalão poderiam utilizar do recurso, desde que sejam preenchidos o requisito de pelo menos quatro dos ministros darem seus votos em sentido favorável ao réu. Além disso, concederam o prazo em dobro, ou seja, de trinta dias para os acusados pudessem interpor o recurso, tendo em vista que os litisconsortes possuíam advogados diferentes.
REFERÊNCIAS:
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e de execução penal. 3ª ed. São Paulo: RT, 2007.
TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 6 ed. Salvador: JusPodivm, 2011, pg. 63.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 54 ed. SP: Forense Jurídica, 2013, pg. 604. Disponível em: <https://docs.google.com/presentation/d/1I5DgrGpBVTuh_KtBo9BPFtwGxv7J6HrxuNRh4RE3zpM/edit#slide=id.gc8d02116f9_0_5 https://ebradi.jusbrasil.com.br/artigos/457520233/embargos-infringentes-e-de-nulidade-aspectos- Importantes#:~:text=609%2C%20par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico%20do%20CPP,ac%C3%B3rd%C3%A3o%2C%20na%20forma%20do%20art>Acesso em 25 abril 2021.
Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-124/a-nao-obrigatoriedade-do-duplo-grau-de-jurisdicao-nos-processos-de-competencia-penal-originaria-dos-tribunais/#_ftn8> Acesso em 25 abril 2021.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-mai-13/barbosa-decide-embargos-infringentes-mensalao-sao-ilegais> Acesso em 25 abril 2021.
[1]TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 6 ed. Salvador: JusPodivm, 2011, pg. 63.
[2]THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 54 ed. São Paulo: Forense Jurídica, 2013, pg. 604.
[3]NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e de execução penal. 3ª ed. São Paulo: RT,2007. Pág. 857.