Dia do trabalho, dia do trabalhador

Por Gisele Leite

Professora universitária há três décadas; Mestre em Direito; Mestre em Filosofia; Doutora em Direito; Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas; Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional; Vinte e nove obras jurídicas publicadas; Articulistas dos sites JURID, Lex Magister; Portal Investidura, Letras Jurídicas; Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil; Pedagoga; Conselheira da Revista de Direito Civil e Processual, Revista de Direito Prática Previdenciária e Revista de Direito Trabalho e Processo, da Paixão Editores – POA – RS.

 

Apesar de além de octogenária, a CLT ainda enfrenta sérios desafios contemporâneos e as novas condições de trabalho. O primeiro de maio não é apenas uma data para celebração das conquistas dos trabalhadores, mas também, pela necessidade de proteger e expandir tais direitos.

Desde 1943, a legislação trabalhista brasileira já sofreu mais de uma centena de alterações em seus dispositivos e, a derradeira alteração se deu na alcunha Reforma Trabalhista de 2017, que trouxe mudanças controvertidas. Além de afetar outros direitos como férias, jornada laboral, terceirização, trabalho intermitente, teletrabalho, negociação coletiva e home office, entre outros.

Recentemente, ganhou holofotes a regulamentação do trabalho por aplicativos como Uber e Ifood o que requer maior atualização das normas trabalhistas, além da possibilidade de homologação de rescisão de contrato de trabalho mesmo sem a presença do sindicato o que gera bastante preocupação de especialistas.

O STF, por sua vez, tende a ser mais aberto a novos formatos de parcerias de negócios, derrubando sucessivas decisões de vínculos de emprego, em particular em atividades mediadas por tecnologias.

Em julgamento que se avizinha, caberá ao STF propor uma solução pacificadora. Destaca-se a análise do Tema 1.291[1], objeto do RE 1.446.336, que servirá de importante paradigma para a questão.

O principal argumento da Uber, para afastar o estabelecimento de vínculo de emprego entre a empresa e os motoristas, é que a decisão do TST tolhe o direito à livre iniciativa de exercício de atividade econômica, além de colocar em risco o seu modelo de negócios, considerado por ela como um marco revolucionário para a mobilidade urbana.

Por sua vez, a Justiça do Trabalho visualiza que há precarização das relações trabalhistas, em ambiente de inegável subordinação e, consequentemente, o afastamento de inúmeros direitos constitucionalmente assegurados.

Deixando de lado, por ora, as divergências entre o STF e o TST, pontua-se que este salutar debate não pode ofuscar um aspecto essencial à controvérsia.

Relator do caso, ele disse que a Justiça trabalhista tem descumprido reiteradamente precedentes do plenário do STF sobre a inexistência de relação de emprego entre as partes. “Aquele que faz parte da Cabify, da Uber, do iFood, ele tem a liberdade de aceitar as corridas que quer. Ele tem a liberdade de fazer o seu horário e tem a liberdade de ter outros vínculos“, disse Moraes.

No voto do caso em julgamento, cujos votos devem ser colhidos até 1º.3.2024, o relator Fachin disse que “as disparidades de posicionamentos, em vez de proporcionar segurança e orientação, agravam as incertezas e dificultam a construção de um arcabouço jurídico estável e capaz de oferecer diretrizes unívocas para as cidadãs e os cidadãos brasileiros”.

A empresa Uber pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), em (4.3.2024), a suspensão nacional de todos os processos judiciais em aberto que discutem a existência ou não de vínculo de emprego entre motorista de aplicativo e plataformas.

Anteriormente, a presença do representante do Sindicato ajudava a garantir que os direitos fossem respeitados, mas isso já não é mais obrigatório.

Tanto que os trabalhadores poderão recorrer à justiça para receber o que realmente têm direito, de acordo com os dados do Relatório Anual da Justiça Trabalhista de 2022, do TST, para cada juiz do trabalho existem cerca de novecentos e dez processos a serem apreciados e solucionados.

Outro desafio é o trabalho informal que segundo os dados do IBHE registra-se mais de trinta e oito milhões de pessoas nessa condição.

Para efetivamente combater o trabalho informal no Brasil tem-se que reduzir os gastos públicos, reduzir a carga tributária e, ainda, estimular o crescimento econômico bem como a criação de maiores oportunidades de emprego e garantir sua proteção social.

Há várias políticas públicas que visam combate ao trabalho informal são estas:

Simples Nacional; eSocial; microempreendedor individual (MEI); Qualifica Brasil (antigo Plano Nacional de Qualificação – PNQ); Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger); desoneração da folha de pagamento; Política Nacional para os Trabalhadores Rurais Empregados (Pnatre); Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem); Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc); Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SCJS); Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho (Pronacoop); Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); Programa de Apoio à Conservação Ambiental e Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais (Bolsa Verde).

Além de identificar informalidade contratual, dizem os executivos, a Brasscom identificou casos de contratações por empresas legais fora do país, mas sem CNPJ no Brasil, e que por isso não respeitam as legislações locais, e outras práticas consideradas precarizantes.

“Entre elas estão o que chamamos de CLT flex – profissionais que se tornam pessoas jurídicas para prestar serviço a uma única empresa –, e aquelas que fazem contratações com salários abaixo do mercado, compensados por outros benefícios, como vouchers para compra de vestuário, auxílio-moradia, proporcionalmente avantajados em relação à remuneração oficial, e não cabível na CLT”, diz Gallindo.

O levantamento, chamado Pesquisa Pulso detectou um nível de 16% tanto entre profissionais que chegavam de um emprego informal ou para trabalharem no regime CLT nas empresas associadas, ou eram desligados dessas migrando a um trabalho informal ou precarizado, na média de outubro de 2021 a julho deste ano.

Os principais desafios para a questão do trabalho são:

– Retomar uma agenda de luta por direitos trabalhistas e revisão da Reforma Trabalhista de 2017;

– Redefinir, em outras bases, a associação financeira do sistema de proteção social com a condição de assalariamento, para criar fontes de financiamento para além das originadas no mercado de trabalho;

– Fortalecer a legislação e a fiscalização do trabalho com objetivo de combater todas as formas de precarização, discriminação e exploração abusiva do trabalho;

– Melhorar as condições de trabalho, especialmente de segmentos mais vulneráveis (jovens, não brancos, mulheres, pessoas com deficiência, povos tradicionais, LGBTQIA+ etc.); e

– Encarar as consequências do avanço da era digital com o trabalho remoto, home-office ou misto.

O enfrentamento desses desafios pode ser facilitado com a retomada do crescimento ambientalmente sustentável da atividade econômica; o fomento à políticas sociais e de transferência de renda; uma reforma tributária progressiva; o fortalecimento dos fundos parafiscais Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); e a coordenação institucional para territorialização das políticas a partir de novos arranjos, como os metropolitanos.

Com a pandemia da Covid-19 e seus reflexos negativos sobre a atividade econômica, o emprego e a renda, intensificou-se o problema, com ampliação significativa do total de desocupados e de subutilizados até o primeiro trimestre de 2021.

Em resumo, o enfrentamento dos desafios relacionados ao trabalho e à Reforma Urbana passa pela reconstrução de um padrão de desenvolvimento que articule reestruturação do mercado de trabalho e investimentos setoriais, condicionados às determinações territoriais. De um viés, o Estado precisa intervir sobre dinâmicas que se encontram em curso, como a desindustrialização e o desadensamento de cadeias produtivas domésticas, criando empregos de maior qualidade e inseridos no novo paradigma tecnológico.

Ao mesmo tempo, deve avançar em uma agenda de luta por direitos trabalhistas, fortalecer a legislação e a fiscalização do trabalho, melhorar as condições de trabalho, dar acesso à proteção e à previdência social e criar bases de financiamento para a proteção social.

 

Referências:

CABRAL, Rithelly Eunilia. 81 anos da CLT: Lei enfrenta desafios com a modernidade e novas condições de trabalho. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/noticias/81-anos-da-CLT-lei-enfrenta-desafios-com-a-modernidade-e-novas-condicoes de trabalho Acesso em 30.4.2024.

Conjuntura Econômica. Pesquisa do FGV IBRE reforça sinais de fragilidade do mercado de trabalho nordestino. Disponível em: https://ibre.fgv.br/blog-da-conjuntura-econômica/artigos/pesquisa-do-FGV-obre-reforça-sinais-de-fragilidade-do-mercado Acesso em 30.4.2024.

DE OLIVEIRA, Felipe Ferreira. 1º de maio – O Dia do Trabalhador: história, significados e lutas. Disponível em: https://www.politize.com.br/dia-do-trabalhador/ Acesso em 30.4.2024.

FERREIRA, Leandro. Na mira do STF: qual é o atual cenário de “ubernização” no país? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-06/na-mira-do-STF-qual-e-o-atual-cenário-de-uberizacao-no-pais/ Acesso em 30.4.2024.

NERI, Marcelo C.; FONTES, Adriana. Informalidade e Trabalho no Brasil: Causas, Consequências e Caminhos de Políticas Públicas. Rio de Janeiro: FGV Social, 2010.

OLINTO, Roberto. Economia informal: setor informal, emprego informal, afinal do que estamos verdadeiramente falando. Parte I. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/economia-informal-setor-informal-emprego-informal-afinal-do-que-estamos-verdadeiramente Acesso em 30.4.2024.

STF Tema 1291. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6679823&numeroProcesso=1446336&classeProcesso=RE&numeroTema=1291 Acesso em 30.4.2024.

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[1]    Tema 1291 – Reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital. Há Repercussão? Sim Relator(a): MIN. EDSON FACHIN Leading Case: RE 1446336 Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 1º, IV; 5º, II, XIII; e 170, IV, da Constituição Federal, a possibilidade do reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa criadora e administradora da plataforma digital intermediadora.