
ChatGPT na advocacia: Ferramenta ou Armadilha?
Raylson Costa de Sousa
Advogado, Pós-graduando em Processo Civil na PUC-MG, Membro efetivo da Comissão de Processo Civil da OAB/MG,
1º suplente da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Uberaba (MG) 2022-2027, Idealizador do projeto JurisTED.
A inteligência artificial (IA) tem promovido uma verdadeira transformação na prática jurídica, ao oferecer recursos avançados para pesquisa, redação e gestão de processos. Reconhecendo essa realidade, o próprio Órgão Especial do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil já se manifestou no sentido de que é legítimo o uso de chatbots com o objetivo de tornar a atuação dos advogados mais eficiente e produtiva no exercício da profissão.
CONSULTA N. 49.0000.2020.002765-0/OEP. Assunto: Consulta. Uso legítimo dos aplicativos no exercício por advogados no exercício da profissão. Esclarecimento quanto as hipóteses em que a prática seria incompatível com o Código de Ética. Relator: Conselheiro Federal Emerson Luis Delgado Gomes (RR). Ementa n. 057/2024/OEP. Consulta ao Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB. Uso legítimo dos aplicativos no exercício por advogados no exercício da profissão. Esclarecimento quanto as hipóteses em que a prática seria incompatível com o Código de Ética. Consulta conhecida. O Provimento n. 205/2021, em seu Anexo Único, prevê o uso de aplicativos para responder consultas jurídicas, chatbot para o fim de facilitar a comunicação ou melhorar a prestação de serviços jurídicos e ainda, a utilização de ferramentas tecnológicas para auxiliar os(as) advogados(as) a serem mais eficientes em suas atividades profissionais, de modo que é possível a utilização de aplicativos pelo advogado no exercício da advocacia, desde que respeitadas as hipóteses e os limites imposto pelo Anexo Único do Provimento n. 205/2021 do Conselho Federal da OAB. Consulta respondida. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em responder à consulta, nos termos do voto do Relator. Brasília, 26 de março de 2024.
No entanto, o uso inadequado dessa tecnologia, como o do conhecido ChatGPT (da OpenAI) para a geração de petições tem acendido alertas tanto na advocacia quanto no Judiciário, uma vez que essas ferramentas podem produzir fundamentações fictícias. Tal prática não apenas expõe o advogado a constrangimento público, como também pode colocá-lo em situação delicada perante a OAB, especialmente no âmbito ético-disciplinar.
Inicialmente temos o art. 34, V do EAOAB, que dispõe expressamente ser vedado ao profissional assinar qualquer peça destinada a processo judicial ou ato extrajudicial que não tenha redigido ou cuja elaboração não tenha efetivamente participado, vejamos o posicionamento do TED:
Relator: Exmo. Sr. Dr. Sebastião Barros do Rego Baptista. ACÓRDÃO Nº 007/2024. PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR Nº 10570/2019. EMENTA: USO DE PEÇA NÃO PRODUZIDA PELO REPRESENTADO. AUSÊNCIA DE COLABORAÇÃO NA ELABORAÇÃO NA PEÇA JURÍDICA. CENSURA QUE SE IMPÕE. 1. Na forma do art. 34, V do EAOAB constitui infração disciplinar o advogado que assinar qualquer escrito destinado ao processo judicial que não tenha produzido ou participado de sua criação. 2. Pena de censura na forma do art. 36, I do mesmo diploma legal que se impõe. 3. Ausência de processos e condenações pretéritas que atuam em favor do Representado, devendo a pena ser convertida em advertência, sem registro em seus assentamentos, conforme orienta o Parágrafo único do artigo 36 que fundamenta a pena. 4. (…) . Compareceram e votaram os juízes: Denis da Silva Farias, Roney Ferreira de Oliveira, Victor Brasil Xavier de Almeida, Dra. Anne Vitória Santiago Morais do Nascimento, Sebastião Barros do Rego Baptista, relator e a Presidente, Dra. Luzia de Marilac Campelo. Sala de sessão virtual do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Pará, 30 de agosto de 2023.
Um segundo ponto de atenção refere-se ao uso de “jurisprudência ficta”, ou seja, inexistente. Em consulta respondida pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/ES, divulgada no site Juristed.com.br, firmou-se o entendimento de que a inserção, em peças processuais, de jurisprudência, legislação ou doutrina gerada por inteligência artificial e sem respaldo real configura conduta eticamente reprovável e sancionável, por violar os deveres de veracidade e lealdade processual.
Consulta nº 141642025-0. Relator(a): Dr(a). Renata Araújo da Cruz Silva Ferreira. EMENTA N. 71/2025/ (PRIMEIRA TURMA DO TED/ES). ÉTICA PROFISSIONAL – ADVOCACIA – USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA FICTÍCIA – CONDUTA INCOMPATÍVEL COM O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO – INFRAÇÃO DISCIPLINAR – ESTATUTO DA ADVOCACIA (LEI Nº 8.906/1994). 1. A advocacia e a jurisdição são atividades essencialmente humanas, que demandam discernimento ético, empatia, responsabilidade e comprometimento com a justiça, sendo inadmissível sua redução a uma disputa automatizada entre algoritmos. 2. A inteligência artificial deve ser compreendida como instrumento auxiliar à prática jurídica, jamais como substituto da consciência profissional, sendo legítimo e até desejável seu uso responsável e ético. 3. A utilização de jurisprudência, legislação ou doutrina inexistente, gerada por sistemas de inteligência artificial e inserida em peças processuais subscritas por advogado, configura conduta eticamente reprovável e juridicamente sancionável, por afrontar o dever de veracidade e lealdade processual. 4. Tal prática implica tentativa de manipulação da realidade processual, com potencial indução do juízo a erro, e caracteriza infração disciplinar nos termos do art. 34, incisos XIV e XXV, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), sujeitando o profissional às sanções cabíveis. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma do TED/ES, observado o quórum exigido no art. 92/art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em conhecer da consulta formulada e respondê-la, nos termos do voto da Relatora Drª. Renata Araújo da Cruz Silva Ferreira. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros julgadores da 1.ª Turma Julgadora do Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho Seccional da OAB/ES que participaram do julgamento, por unanimidade de votos, observado o quórum exigido no art. 18 do RITED/OAB-ES, em conhecer a consulta, nos termos do voto da Relatora. Nada mais existindo, deu-se por encerrada a sessão, e, para constar, eu, Danielly Souza Pereira, pessoa designada pela Secretaria do TED-OAB/ES, lavrei a presente ata que, após lida e aprovada, vai assinada digitalmente pelo membro julgador que presidiu o julgamento. Sala de Sessões, Vitória/ES, 05 de junho de 2025.
Assim, é imprescindível que o advogado, ao utilizar ferramentas automatizadas ou conteúdos redigidos por terceiros, verifique cuidadosamente a veracidade e a conformidade das informações antes de efetivar o protocolo judicial. Isso porque, ao protocolar a peça processual, assume integralmente a responsabilidade por seu conteúdo, o que pode ensejar tanto multa por litigância de má-fé, como infração disciplinar, nos termos do art. 34, incisos XIV e XXV, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994).