Penhora On Line dos Planos de Previdência Privada

Voltaire Marensi

Advogado e Professor

 

Na minha última crônica falei sobre a impenhorabilidade do seguro de vida extensivo ao seguro de pessoas e seus correlatos como foi o caso de uma indenização em decorrência do seguro DPVAT, oportunidade na qual fiz uma extensão no que tange aos planos de previdência privada.

Ali lancei uma decisão proferida pelo eminente Ministro Antonio Carlos Ferreira, componente da Quarta Turma do STJ -, que acentuou que “tanto um quanto o outro – no caso concreto o seguro de pessoa são espécies do mesmo gênero, que a lei processual teria unificado sob o singelo título seguro vida”.

Pois bem. A 11ª Câmara de Direito Privado do Estado de São Paulo em decisão objeto de um agravo de instrumento, datado de 26 de março de 2021, – aquela se deu em 23/03/2021 -, vale dizer, três dias antes do julgamento do STJ, entendeu, agora, nesta assentada, ser a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar, na forma do art. IV, do CPC”, rectius, atualmente, inciso VI, do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015. A parte em que se baseia o decisum guarda sintonia com o que decidiu o STJ, em outra assentada, isto é, em julgado datado de 11/03/2004.

O que convido a atenção de meus ilustrados leitores e leitoras, diz respeito, em primeiro lugar, aquilo que denominamos em bom direito de insegurança jurídica.

Atentar para casuísmos, data vênia, não me parece uma solução adequada e acertada mormente quando temos um rol processual que elenca as hipóteses legais que regulam a impenhorabilidade de bens.

Tais situações processuais não constituem, deveras, um numerus clausus; todavia não se pode deixar ao arbítrio do julgador um critério tão elástico que possa desnaturar, através de uma análise casuística, o seguro de vida e suas formas adjacentes como é caso do seguro de pessoas e o pecúlio operado pelas empresas de previdência privada.

Em comentários, um dos primeiros a Lei de Previdência Privada, no que concerne ao artigo 36 (Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001), disse na parte inicial:

“ A única hipótese legal de constituição das entidades abertas será o rótulo de sociedade anônima, que operará sob a forma de renda continuada (obrigação de trato sucessivo) ou pagamento único, conhecido ainda pela lei anterior como pecúlio, segundo diz este dispositivo legal em seu caput.

Da mesma sorte, as sociedades seguradoras que operam no ramo vida, e só estas, poderão operar debaixo do regime jurídico acima identificado, tal como prevê esse parágrafo único”. Voltaire Marensi. A nova Lei da Previdência Complementar Comentada. Síntese Editora, outubro de 2001, página 42.

Nesta toada o legislador processual ao dizer lato senso que o seguro de vida é impenhorável abarcou os decorrentes da previdência privada, já que “longe de evidenciar natureza e objetivo distintos, em verdade guardam estreita semelhança, sobretudo no que se refere à finalidade de sua indenização, motivo pelo qual é inafastável, tanto para um quanto para o outro, a impenhorabilidade ditada pela lei processual – ubi eadem ratio ibi eadem dispositio”. Voto do relator Ministro Antonio Carlos Ferreira no Resp nº1.412.272, em 23 de março de 2021.

Destarte, deixar ao inteiro arbítrio do julgador quando será o caso de penhorar um seguro de vida, uma renda continuada ou o pagamento de um pecúlio, além de trazer uma enorme insegurança jurídica aos que dele se beneficiam – vejam já é o caso da tributação por ocasião do resgate dos planos da previdência privada e no momento do acerto com o “Leão” – indubitavelmente, sem sombra de dúvida, vai arranhar o arcabouço de um nicho de mercado que contam todos aqueles que procuram neste segmento quer uma proteção para seus familiares, quer uma segurança para melhor garantir seu futuro.

Os casuísmos, data vênia, nunca combinaram com os métodos de coerência e acerto que só se consegue e vinga com uma legislação escorreita e de boa aplicação a todos os que dela se valem.

Porto Alegre, 13/04/2021