Paradoxo da Tolerância. Ou intolerância paradoxal.
Gisele Leite
Professora e Doutora em Direito
Abordar o paradoxo da tolerância, por vezes, nos leva observar a ascensão de extremistas armados com discurso de ódio e incitando a violência. E, em anos eleitorais, tal fenômeno é verificado. A indigna[1] polarização ideológica resulta em constantes ataques à dignidade com base apenas no reles posicionamento político.
Esse paradoxo[2] nos faz questionar se realmente é possível dialogar com todos?[3] Inclusive com os que pregam as ideias intolerantes. O que define a tolerância é ato ou efeito de admitir ou aquiescer, sendo necessário para o convívio social, o que nos leva a ter a capacidade de reconhecer o direito alheio de manifestação de opiniões, ainda que opostas às nossas. Em uma autêntica sociedade democrática é valor essencial para a convivência e para a coexistência dos grupos.
Precisamos lembrar que a intolerância levada ao extremo acarretou muitas atrocidades como o Holocausto. Karl Popper foi filósofo austro-britânico sendo reconhecido como um dos maiores teóricos da ciência do século XX. Sua origem judaica forçou a emigrar de sua terra natal em 1937 devido à ascensão do Nazismo na Alemanha. E, foi notável por sua defesa da democracia liberal e do que chamou de “sociedade aberta”.
Na sua obra “A Sociedade Aberta e seus inimigos” publicada em 1945 em resposta aos movimentos totalitários a época cunhou a noção do paradoxo da tolerância que pretende responder a seguinte questão: – devemos tolerar os intolerantes?
E, a resposta dada por Popper é não. (grifo meu) Enfim, o filósofo orienta que a sociedade deve ser intolerante à intolerância. Pois, a tolerância ilimitada acarreta a extinção da própria tolerância.
E, o filósofo afirmou que devemos reservar o direito de não tolerar os intolerantes. E, qualquer movimento que pregue a perseguição e a intolerância deve ser ilegal. Enfim, não existe espaço para os intolerantes munidos de argumentos irracionais e iracundos. É preciso dialogar.
Lembremos que o ódio, a apatia e intolerância não são somente disseminados por meio de ações, há também incitações por meio de palavras e opiniões que podem gerar um contexto favorável a violência.
Um exemplo desse fenômeno foi o incidente das marchas neonazistas nos EUA em 2017. Na ocasião, os supremacistas brancos empunham cartazes e pregavam palavras de ordem contra gays, negros, mestiços, judeus e demais grupos minoritários, de se comportavam violentamente. O resultado final foi um óbito e mais de trinta pessoas que restaram feridas ao meio do caos e da confusão generalizada.
Esse acontecimento gerou grande debate sobre os limites da liberdade de expressão. Afinal, entender corretamente os limites da liberdade de expressão nos remete a importância da educação política e aprimoramento de reflexão crítica, capaz de identificar a real motivação que existe por de trás dos discursos de ódio e tantos outros que incitam a violência.
O Paradoxo da tolerância é um dos três paradoxos[4] apontados pelo filósofo da ciência Karl Popper em seu livro “The Open Society and Its Enemies“. O paradoxo trata da ideia de que, no ambiente social, a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Ele concluiu que devemos enfrentar a intolerância com argumentos.
A liberdade de expressão não é uma garantia absoluta, aliás, nenhum dos direitos fundamentais o são. Por essa simples razão, na ausência de proibição legal do discurso de ódio, a atuação do Judiciário brasileiro é fundamental para o combate devido aos intolerantes.
Deve-se haver mecanismo de moderação ativa de grandes mídias sociais tais como Instagram, facebook e twitter onde é trivial encontrar conteúdo hostil e que viola as diretrizes da comunidade.
Em um trabalho de 1997, Michael Walzer indagou: “devemos tolerar os intolerantes?”. Ele nota que a maioria dos grupos religiosos minoritários que são beneficiários da tolerância, são eles próprios intolerantes, pelo menos em alguns aspectos. Num regime tolerante, estas pessoas podem ter que aprender a tolerar, ou pelo menos comportar-se “como se possuíssem esta virtude”
De qualquer forma, não existe apenas um caminho e nem solução simples mas, convém recordar a célebre frase do vencedor do Prêmio Nobel José Saramago in litteris: “A tolerância para no limiar do crime. Não se pode ser tolerante com o criminoso. Educa-se ou pune-se.”
Também se pune para educar…
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[1] Castoriadis renova a velha metáfora platônica para dizer que não podemos sair da caverna. O que podemos é andar incansavelmente pelas galerias, dando voltas em becos sem saídas até que esse caminhar em círculo faça abrir rachaduras nas paredes. A saída não está lá para ser percorrida, mas é possível criar novos caminhos. Gradualmente. Com muito esforço. Mas é possível.
[2] Paradoxo. Do grego para e doxa, opinião. Estado de coisas (ou declaração que se faça sobre elas), que aparentemente implica alguma contradição, pois uma análise mais profunda faz desvanecê-la. Paradoxo. Um pensamento que vai contra a opinião ou contra o pensamento. Temos, assim, dois sentidos diferentes. Ir contra a opinião (dóxa) não tem nada de condenável. Isso, é claro, não prova que tenhamos razão (um paradoxo pode ser verdadeiro ou falso), mas pelo menos sugere que não nos contentemos com repetir o que se diz.
[3] A tolerância ilimitada leva à extinção da própria tolerância. Por isso, devemos estar preparados para defender a sociedade de tais ideias. Nas palavras de Popper, devemos “reservar o direito de não tolerar os intolerantes”. Portanto, qualquer movimento que pregue a perseguição e a intolerância deve ser ilegal.
[4] Os outros são: “a Vontade Geral”, “a Raça superior”, “os Trabalhadores Industriais” ou “o Povo”.
Tolerar pode ser racial, econômico, de gênero, social, sexual, religioso, esportivo, político, etário, de pessoa com deficiência, dentre outros. Tolerância, ao contrário, é discordar pacificamente; aceitar a diferença, ainda que haja divergência.