Os Abusivos Reajustes dos Planos de Saúde

A Lei número 9.656, de 3 de junho de 1988, que dispõe sobre os Planos e Seguros Privados de assistência à saúde é, hoje, uma verdadeira colcha de retalhos como se dizia outrora em relação às Constituições Federais, elaboradas até o advento da nossa atual de 1988. Pois bem.

Além da Constituição Federal de 1988, com suas inúmeras alterações não ser devidamente aplicada, embora carecendo também de outras modificações pontuais em razão até do extenso excesso de artigos descumpridos e malferidos, a Lei vigente dos Planos de Saúde é um exemplo de excessivo número de leis ordinárias e de medidas provisórias que vigem, atualmente, em nossa legislação. Isto tudo, sem falar da quantidade de resoluções e outros diplomas legais ineficientes exarados pela ANS.

Começo por destacar o reajuste da mensalidade por mudança de faixa etária.

Neste tópico, doutrina Rafael Robba:

“Em seu art. 15 (Lei nº 9.656/98), prevê a possibilidade de as operadoras aplicarem este reajuste, desde que o contrato contenha a previsão das faixas etárias e dos percentuais de reajustes em cada uma delas. A Lei, no entanto, fez uma única ressalva ao proibir tal reajuste aos consumidores com mais de 60 anos de idade, desde que participassem do plano de saúde há mais de 10 anos”.[1]

De outro giro, o parágrafo terceiro do artigo 15, da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto da Pessoa Idosa), com nova redação dita:

“É vedada a discriminação da pessoa idosa nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.[2]

Existem, basicamente, dois tipos de reajustes aplicados pelas administradoras dos Planos e Seguros de Saúde Coletivos por Adesão[3], vale dizer, o anual e o por faixa etária.

Acontece que esses tipos de reajustes não se coadunam, a meu sentir, com os princípios básicos do bom direito.

Destaco, aqui, apenas dois, exemplificativamente: (i) boa fé e (ii) onerosidade excessiva.

Ambos estão previstos no Código Civil e também no Código de Defesa do Consumidor.

No primeiro diploma legal está dito que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”[4]

Já a onerosidade excessiva, fruto resultante de construção pretoriana advinda da teoria da imprevisão, determina:

“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá rectius, deverá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.[5]

No que tange ao Código do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), encontramos dentro de um só dispositivo, isto é, no artigo 51 (Das Cláusulas Abusivas) estes dois princípios, que, por uma questão de síntese, indico no rodapé deste ensaio, tanto o princípio da boa-fé, quanto da onerosidade excessiva para com o consumidor.[6]

É possível que uma administradora de Plano de Saúde, repita-se, de Planos Coletivo por Adesão através de um simples comunicado, seco e lacônico, alerte seu consumidor pela seguinte forma:

“Conforme seu contrato coletivo por adesão, em junho, seu plano passa pelo reajuste anual. O índice definido pela sua operadora ficou em 62,60%”

E na mais transparente e rotunda “cara de pau”, adita algo do gênero:

Se precisar de maiores esclarecimentos estaremos à disposição. Parece até  ser verdade que o consumidor irá obter esclarecimentos adequados e pertinentes à sua indignação pelo estratosférico aumento de sua mensalidade, quando na realidade não consegue aumento de seus proventos, ou se, eventualmente, conseguir tal percentual estará em consonância com o praticado pelas operadoras de Planos de Saúde.

Vivemos nesta seara uma autêntica condição puramente potestativa e não só simplesmente potestativa.

“Há uma condição puramente potestativa, ensina Carvalho Santos, quando a verificação ou não verificação do evento ficar dependendo única e exclusivamente do arbítrio e da vontade da parte, como, por exemplo, se declarássemos: vou vender a minha casa por trinta mil cruzeiros, se eu quiser”.[7]

Já no Código Civil vigente, ensina o ex-ministro do STJ, Eduardo Ribeiro, que tive a honra de saudá-lo em nome dos advogados quando de sua aposentadoria, perante a 3ª Turma daquele Colegiado. Disse o referido doutrinador  na seguinte passagem por ocasião dos comentários ao artigo 121:

“Insere-se, ainda, entre os elementos cuja concorrência se requer para que se tenha como presente a condição, depender a cláusula exclusivamente da vontade das partes. O código de 1916 não incluía essa exigência no dispositivo em que formulava o respectivo conceito (art.114).”[8] Grifei.

Desses ensinamentos se extraí a dicotomia que existe entre os contratos de adesão e a potestatividade de que, a meu juízo, não deve nunca estar imbricada nos contratos de um modo geral, mormente nos contratos de seguro em sentido lato.

Valendo-me do clássico Plácido e Silva, “o potestativo, portanto, dá sempre ideia do que está integrado no poder da pessoa e constitui faculdade dela, para fazê-lo ou não o fazer, segundo sua vontade, ou seu arbítrio”[9].

Já o contrato de adesão a parte aderente pode rejeitá-lo, e, até se for o caso, aforar judicialmente seus motivos de inconformidade em razão da total impertinência à situação imposta ao consumidor, desde que entenda e demonstre por “a” + “b” que foi lesado em seus direitos.

É o que penso, em síntese apertada, abordar sobre os aumentos abusivos praticados nos dias atuais, na polêmica seara que desfilam e desafiam novas posturas em relação ao tema em pauta.

É o que entendo, salvante melhor entendimento do que me propus a ofertar aos nossos estimados leitores e amáveis leitoras.

Porto Alegre, 4/06/2023.

Voltaire Marensi.

Advogado e Professor.

 

[1] Judicialização dos Planos e seguros de Saúde Coletivos. São Paulo. Sá Editora, 2019, página 95.

[2] Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022.

[3] O que estou a tratar neste ensaio.

[4] Artigo 422 do Código Civil.

[5] Artigo 317 do Código Civil.

[6] Artigo 51, inciso IV e §1º, inciso III.

[7] J.M. Carvalho Santos. Código Civil Brasileiro Interpretado. Livraria Freitas Bastos, 1963, volume III, página 34.

[8] Eduardo Ribeiro de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil, volume II. Editora Forense, 2008, página 304.

[9] De Plácido e Silva, volume III. Forense, 4ª edição, 1975, página 1189.