
Novas Previsões Sobre Atualização Monetária e Juros Decorrentes da Lei 14.905/2024
Gustavo Filipe Barbosa Garcia
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor Universitário. Advogado.
A Lei 14.905, de 28 de junho de 2024, alterou o Código Civil para dispor sobre atualização monetária e juros.
A atualização monetária (correção monetária) tem como objetivo recompor a desvalorização da moeda, em decorrência da inflação. Sendo assim, deve-se atualizar o valor do crédito em razão do tempo transcorrido até o pagamento para a preservação do poder aquisitivo[1].
Os juros compensatórios (remuneratórios) retribuem o uso do capital emprestado. Os juros moratórios indenizam o prejuízo decorrente da mora ou do inadimplemento da obrigação. Os juros podem ainda ser convencionais (contratuais) ou legais, conforme decorram de estipulação das partes ou de determinação direta da lei[2].
Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado (art. 389 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo (art. 389, parágrafo único, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (art. 394 do Código Civil).
Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários e honorários de advogado (art. 395 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
Conforme o art. 406 do Código Civil, na redação original, quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) incide nos juros moratórios dos tributos federais (art. 13 da Lei 9.065/1995, art. 61, § 3º, da Lei 9.430/1996 e art. 30 da Lei 10.522/2002).
O STJ fixou a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 99): “Atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [art. 406 do CC/2002] é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, que não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.102.552/CE, 2008/0266468-7, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 06.04.2009).
Confirmando o exposto, o STJ fixou ainda a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 112): “A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.110.547/PE, 2009/0000390-8, Rel. Min. Castro Meira, DJe 04.05.2009).
Em sentido divergente, cabe fazer referência ao Enunciado 20 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês”[3].
Nos termos do art. 406 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024, quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.
A taxa legal dos juros corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 do Código Civil (art. 406, § 1º, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
A parte final do art. 406, § 1º, do Código Civil deve ser interpretada de forma sistemática, mantendo a coerência do ordenamento jurídico. Ao que tudo indica, na lógica da Lei 14.905/2024, considerou-se que sobre o valor principal incidem, em tese, a atualização monetária e os juros. No entanto, como a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) já engloba a atualização monetária[4], deve-se deduzir o índice desta, justamente para que não ocorra bis in idem.
A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil (art. 406, § 2º, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência (art. 406, § 3º, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
O Banco Central do Brasil disponibilizará aplicação interativa, de acesso público, que permita simular o uso da taxa de juros legal estabelecida no art. 406 do Código Civil, em situações do cotidiano financeiro (art. 4º da Lei 14.905/2024).
Na esfera contratual, destinando-se o mútuo (empréstimo de coisas fungíveis) a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não podem exceder a taxa a que se refere o art. 406 do Código Civil, permitida a capitalização anual (art. 591 do Código Civil, na redação original)[5].
O Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 953): “A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação” (STJ, 2ª Seção, REsp 1.388.972/SC, 2013/0176026-2, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 13.03.2017).
Nos termos do art. 591 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024, destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros.
Se a taxa de juros não for pactuada, aplica-se a taxa legal prevista no art. 406 do Código Civil (art. 591, parágrafo único, do Código Civil, incluído pela Lei 14.905/2024).
Ainda no âmbito contratual, a mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida, sem prejuízo dos juros moratórios (art. 772 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
No condomínio edilício, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito à correção monetária e aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos juros estabelecidos no art. 406 do Código Civil, bem como à multa de até 2% sobre o débito (art. 1.336, § 1º, do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024).
As alterações da Lei 14.905/2024 seguem a linha do entendimento firmado pela jurisprudência, notadamente quanto a índice de atualização monetária e taxa legal de juros[6].
Confirmando a tendência de adoção da Selic, de acordo com o art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, com entrada em vigor em 09.12.2021, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 26): “São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02” (STJ, 2ª Seção, REsp 1.061.530/RS, 2008/0119992-4, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10.03.2009).
Apesar de o art. 591 do Código Civil, com redação dada pela Lei 14.905/2024, não mais mencionar a permissão de capitalização dos juros[7], entende-se que esta pode ser convencionada pelas partes.
Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (art. 5º da Medida Provisória 2.170-36/2001, ainda em vigor, nos termos do art. 2º da Emenda Constitucional 32/2001).
O Supremo Tribunal fixou a seguinte tese em recurso extraordinário com repercussão geral: “Os requisitos de relevância e urgência previstos no art. 62 da Constituição Federal estão presentes na Medida Provisória 2.170-36/2001, que autoriza a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional” (STF, Pleno, RE 592.377/RS, Red. Min. Teori Zavascki, DJe 20.03.2015).
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória 2.170-36/2001 (STF, Pleno, ADI 2.316/DF, Rel. Min. Nunes Marques, j. 01.07.2024).
Nessa linha, segundo a Súmula 539 do STJ: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/2000, reeditada como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada” (DJe 15.06.2015).
É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação – SFH (art. 15-A da Lei 4.380/1964, incluído pela Lei 11.977/2009).
Cabe, assim, acompanhar a aplicação das previsões decorrentes da Lei 14.905/2024, publicada no Diário Oficial da União de 01.07.2024, a respeito da atualização monetária e dos juros.
__________________
[1] O Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese em recurso especial repetitivo (Tema 678): “Aplicam-se os índices de deflação na correção monetária de crédito oriundo de título executivo judicial, preservado o seu valor nominal” (STJ, Corte Especial, REsp 1.361.191/RS, 2013/0001139-0, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 27.06.2014).
[2] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Direito civil: parte geral e obrigações. 2. ed. SP: Juspodivm, 2024. p. 854-855.
[3] A respeito do tema, cf. STJ, Corte Especial, REsp 1.795.982/SP, 2019/0032658-0.
[4] “A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa Selic não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem” (STF, Pleno, ADC 58/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 07.04.2021).
[5] Conforme o Enunciado 34 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “No novo Código Civil, quaisquer contratos de mútuo destinados a fins econômicos presumem-se onerosos (art. 591), ficando a taxa de juros compensatórios limitada ao disposto no art. 406, com capitalização anual”.
[6] O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 1.191): “I – É inconstitucional a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de atualização dos débitos trabalhistas, devendo ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir do ajuizamento da ação, a incidência da taxa Selic (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública, que possuem regramento específico. A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa Selic não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem. II – A fim de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação desta tese, devem ser observados os marcos para modulação dos efeitos da decisão fixados no julgamento conjunto da ADI 5.867, ADI 6.021, ADC 58 e ADC 59, como segue: (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão, em ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória, todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento, independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal, devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC); e (iii) os parâmetros fixados neste julgamento aplicam-se aos processos, ainda que transitados em julgado, em que a sentença não tenha consignado manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais)” (STF, Pleno, RG-RE 1.269.353/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 23.02.2022).
[7] “1. Capitalização de juros, juridicamente, corresponde ao fenômeno de inserir no capital principal os juros apurados no período anterior para, em seguida, fazer incidir novos juros relativos ao período subsequente. Precedentes” (STJ, 3ª T., AgInt no REsp 1.648.118/PR, 2017/0008424-0, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 06.11.2017).